Um dos principais problemas da democracia portuguesa está na fraca tradição de avaliação das políticas públicas. Trata-se de uma fragilidade histórica que compromete, por vezes de forma irremediável, a qualidade dos resultados e, consequentemente, o uso adequado dos recursos públicos. Nos diferentes setores tem sido percetível, ao longo das décadas, a ausência de uma cultura de avaliação da efetividade das políticas públicas. Infelizmente, o debate político tende a relativizar a sua importância. Esta poderá ser uma das razões para que na opinião pública persista a ideia de que poderíamos ter feito melhor. A dúvida permanente sobre o que teria acontecido com uma diferente definição de prioridades e um melhor enquadramento estratégico de opções passadas. No fundamental, teria sido possível que o país estivesse hoje mais competitivo, mais justo e equilibrado na criação de riqueza, na melhoria do rendimento e no progresso social..Os exemplos são variados e muitas vezes referidos com indisfarçável frustração. Desde a utilidade discutível de alguns investimentos, em obras públicas, até às opções estratégicas na utilização dos fundos comunitários, nas diferentes áreas setoriais. A tendência exagerada para o enfoque das diferenças no estrito quadro do combate político tende a desvalorizar a importância da avaliação e, até mesmo, da desejável continuidade das políticas entre os diferentes ciclos de governação. Sente-se a falta do indispensável exercício de avaliação retrospetiva das políticas, da sua eficácia e, sobretudo, da sua utilidade social..Um dos maiores problemas reside no desalinhamento entre a definição de prioridades, a gestão apropriada de recursos e a satisfação de necessidades num contexto de profunda transformação das determinantes sociais, demográficas e económicas. Este assincronismo tem sido muito prejudicial ao desenvolvimento e à sustentabilidade do país contribuindo para uma incompreensível dificuldade em construir soluções criativas e inovadoras que melhor se ajustem às características do tempo presente e à projeção das necessidades futuras. Estas dificuldades têm sido particularmente visíveis nas áreas sociais. No caso específico da saúde esta questão ganha particular acuidade tendo em conta a elevada complexidade do setor e o efeito direto nas pessoas. A estagnação nos indispensáveis processos de mudança compromete o desempenho do sistema e a qualidade das respostas..As recentes notícias sobre a crescente sobrecarga dos serviços de urgência dos hospitais são apenas mais um sintoma no desencontro entre respostas e necessidades. Tal como o desequilíbrio entre setores, público e privado, entre regiões e grupos sociais que acabarão por conduzir a um sistema de saúde a duas velocidades tornando cada vez mais difícil garantir a cobertura geral e o acesso universal, em tempo adequado, a cuidados de saúde de qualidade. No início de um novo ciclo político encontra-se a oportunidade para reavaliar as políticas. Estamos no limite do tempo para introduzir as mudanças necessárias ainda que tal gere sobressalto naqueles que encontram na estagnação a fórmula certa para nada mude..Médico e ex-ministro da Saúde