Os elementos das forças de segurança consideram que o apoio psicológico prestado por PSP e GNR funciona mal, com atuação deficiente na área da prevenção do suicídio, e com a prática a ser diferente do que muitas vezes é apresentado no papel. Tanto César Nogueira, presidente da Associação Profissional da Guarda, como Paulo Rodrigues, que dirige a ASPP/PSP, criticam a escassez de recursos nos gabinetes de psicologia. Na última semana registaram-se dois suicídios nas forças de segurança, com um agente da PSP na Madeira e um militar da GNR de Coimbra a usarem as armas de serviço para se matarem no interior de instalações policiais. Desde o ano 2000 até agora registaram-se 145 suicídios de elementos da PSP e da GNR..Na GNR a situação parece ser mais preocupante. "O que sabemos é que agora está tudo centralizado em Lisboa, num único gabinete de psicologia. A delegação do Porto tem sido esvaziada e nem há consultas de psicologia atualmente", disse ao DN César Nogueira, dirigente da principal associação representativa dos guardas, para quem "todos os comandos deviam ter, no mínimo, um psicólogo". Para ter uma consulta no psicólogo, um guarda de Bragança tem de ir a Lisboa. "O que assistimos é que a este nível a situação, em vez de melhorar, tem piorado", garante César Nogueira. O DN solicitou ao comando-geral da GNR dados e informações sobre os gabinetes, mas não obteve resposta..Na PSP, o panorama é diferente, com um número de 30 psicólogos a trabalhar em 15 dos 20 comandos distritais. Estes profissionais deslocam-se aos comandos em que não há gabinetes para dar consultas aos militares. Contudo, Paulo Rodrigues, dirigente da ASPP/PSP, salienta que "tem havido uma degradação neste serviço, com o argumento de que não há dinheiro para mais". O presidente da maior organização de profissionais da PSP refere que, após anos em que o fenómeno dos suicídios e do apoio psicológico teve mais mediatismo, surgiram medidas e novos planos de combate. "Mas, na verdade, após se falar muito durante algum tempo, o assunto desaparece da agenda e neste momento não existe trabalho a nível de prevenção. Não significa que os psicólogos ao serviço não façam o seu melhor, mas o sistema está feito para se darem consultas a quem já tem problemas. Não há trabalho no terreno para prevenir", frisa. A PSP respondeu ao DN que está a decorrer um concurso para a contratação de mais psicólogos.."Nunca houve tantos de baixa psicológica".O que se verifica, diz Paulo Rodrigues, é que "nunca houve tantos elementos de baixa psicológica como agora. Se houvesse uma intervenção a nível de prevenção, provavelmente não havia tantas baixas". Questionada sobre o número de baixas psicológicas, a PSP respondeu que esses "dados não estão processados"..A direção nacional da PSP adiantou ao DN que "em 2018 verificaram-se 11 502 consultas" dos gabinetes de psicologia, o que representa "um ligeiro aumento em relação a 2017". Em Lisboa, realiza-se o maior número destas consultas, sendo a procura transversal a todos os elementos, desde o agente ao comandante..A nível da prevenção do suicídio, a Divisão de Psicologia "tem vindo a implementar as medidas previstas no Plano Nacional de Prevenção do Suicídio e, também, as constantes do Plano de Prevenção do Suicídio das Forças de Segurança". Passam por uma "reavaliação psicológica de novos elementos policiais e do efetivo em geral, com periodicidade regular; atendimento permanente de telefone SOS/PSP, com deslocação imediata, se necessário; formação específica no âmbito da prevenção do suicídio a todo o efetivo policial; encaminhamento de elementos policiais ao abrigo do protocolo estabelecido com o Serviço Nacional de Saúde, que estabelece um sistema de referenciação e de encaminhamento dos elementos das Forças de Segurança; e facilitação da acessibilidade do apoio psicológico, através do atendimento clínico regular num número alargado de locais (15 dos 20 comandos e, nalguns comandos, em mais de um local)"..Existe ainda o "estabelecimento de uma rede alargada, a nível nacional, de elementos policiais designados 'elementos de ligação com a Divisão de Psicologia', como interventores no processo de encaminhamento para apoio psicológico". Ora, neste plano, Paulo Rodrigues diz que a eficácia é reduzida. "É uma medida mais teórica do que prática. Não há noção de qual é verdadeiramente o seu papel.".Sob pressão permanente.O dirigente associativo diz que os agentes estão sob pressão constante. "Polícia é uma profissão em que se anda sempre no limite. É complexa, uma pessoa tem de saber um pouco de tudo, desde informação turística a resolver um conflito perigoso. As agressões a polícias são um risco e uma realidade constantes. Este stress faz parte do dia-a-dia dos polícias, com os agentes a serem hoje escrutinados e julgados na praça pública quantas vezes injustamente.".Além disso, Paulo Rodrigues aponta os problemas internos, com as injustiças e os processos disciplinares a fazerem a vida negra aos agentes. "A própria hierarquia deve olhar para os agentes como os seus homens e não apenas como robôs ou números.".César Nogueira vê as coisas na GNR com problemas idênticos. Dá o exemplo do caso recente da dos guardas do destacamento de Coimbra que foram baleados após uma perseguição a suspeitos. "O superior não teve uma palavra para os colegas. A ordem foi logo no dia seguinte ir para a rua e passar autos. É isso que está sempre à frente, os números, há muita pressão para passar autos", critica. O guarda que se suicidou na quinta-feira pertencia a este destacamento..A nível da prevenção de suicídios, César Nogueira diz que há muitos anúncios de medidas e de planos, "mas os efeitos práticos são poucos". É "o que se tem visto", defende, com a convicção de que "surgem após momentos mais críticos de mediatismo mas acaba por ficar tudo na mesma". Por isso, não tem dúvidas de que "na GNR anda-se para trás" e não se previne bem o suicídio". Diz que as razões profissionais são decisivas para os problemas psicológicos dos guardas. "Já temos a conflitualidade da profissão, com agressões e problemas, a que se juntam as questões das transferências, das promoções, dos descongelamentos de carreiras. Há um acumular de problemas que depois passam a ser pessoais. E quando se anda com uma arma à cintura, acontecem as tragédias.".Paulo Rodrigues diz que a nível da prevenção dos suicídios "podia ter sido feito mais" e salienta o "efeito nos colegas, quando um elemento comete suicídio". Aqueles que privam com ele "ficam de rastos, muitos metem baixa psicológica ou até pedem para serem transferidos"..O perfil do polícia."Os polícias morrem mais por suicídio do que à mão dos criminosos." A frase foi dita pelo tenente-coronel António Martinho, chefe do Centro de Psicologia e Intervenção Social da GNR, durante a palestra Os Suicídios nas Forças de Segurança, no XIV Congresso Nacional de Criminologia, que se realizou há cerca de um mês em Matosinhos e a que o DN assistiu. Foi nesta intervenção que o responsável referiu que até maio passado, e desde 2000, tinham ocorrido 143 suicídios na PSP e na GNR, número a que somam agora os dois casos mais recentes..Na situação da GNR, a morte do guarda de 45 anos em Coimbra quebrou um longo período de tempo sem qualquer suicídio - desde outubro de 2017 que não havia um caso na GNR. De resto, não há uma explicação para os números de mortes ocorridos em certos anos. Houve anos como o de 2003 em que só ocorreram três suicídios, enquanto houve dois anos - 2000 e 2015 - em que se concretizaram 15 em cada ano..O problema não é português, é sentido noutros países, com a Guarda Civil espanhola a ter o mesmo o problema. Em França, com muita pressão recente sobre os polícias, com o terrorismo e a conflitualidade social nas ruas, o número de suicídios disparou. António Martinho explicou que o polícia tem "um perfil diferente da sociedade em geral". Tem um meio mais fácil para cometer - "a arma de serviço é o meio mais comum e é letal". A diferença é decisiva - o disparo, em regra, causa morte enquanto noutros casos na sociedade há tentativas, como a ingestão de medicamentos, que não são fatais. Mas, entre polícias, há pessoas diferentes. "Não basta ter a pistola, é preciso ter a coragem de disparar.".Os problemas a nível psicológico são transversais, "não são só operacionais, atinge comandantes", e há múltiplas causas. O perfil do suicida nas polícias é ser homem, com idade média de 38 anos na GNR e 43 na PSP. Nas habilitações, têm o 9º ano na GNR e o 12º ano na PSP, com os primeiros a terem em média 16 anos de serviço, sendo 18 anos na PSP. Por norma, o polícia é casado e tem filhos. António Martinho pôs os problemas pessoais como decisivos, sejam por questões passionais, financeiras ou familiares (casos de partilhas, por exemplo). Este perfil coincide pouco com o do suicida português.Sendo "a profissão de polícia muito exigente", há elementos que "não têm capacidade de gerir sozinhos". No caso da GNR, há guardas que se sentem ultrapassados pelas novas tecnologias ou novas dinâmicas de trabalho. Não aguentam e entram de baixa. "Tudo isto cria danos psicológicos.".Com centenas de guardas atendidos, o psicólogo da GNR referiu que a maioria dos que tinham problemas e tendências suicidárias só queriam mudar de vida. "Mais do que o desejo de morrer pretendem viver outra vida - dos que atendi nenhum queria morrer." O responsável apontou também o efeito coletivo - "ninguém morre sozinho, afeta os colegas do mesmo posto, do mesmo curso" - pelo que o objetivo no seio da GNR é "quebrar o tabu de ir ao psicólogo", que ainda existe. As pessoas refugiam-se e escondem os problemas. "A prevenção passa sobretudo por disponibilizar apoio aos polícias", disse no congresso António Martinho, que dá "palestras em todo o país, nos destacamentos da GNR" sobre esta temática como forma de prevenir o suicídio.