Seria uma curiosa coincidência se Ponto de Encontro, obra de Joana Vasconcelos exposta em Serralves em 2000, quando ela ainda era uma jovem artista, regressasse dezanove anos depois àquele museu do Porto, agora que a artista se tornou a primeira portuguesa a expor num museu Guggenheim..Ponto de Encontro integrou a recente exposição antológica I'm Your Mirror, no Museu de Guggenheim de Bilbao. Esta exposição começará a sua itinerância no Porto. E por isso é possível o regresso, entre as muitas possibilidades em aberto para a exposição de que até agora pouco se sabe..Haverá peças novas? A exposição do Porto será, ou não, uma réplica da que foi feita no Guggenheim? São muitas as interrogações, às quais acresce a polémica que se gerou em torno da exposição depois de nenhum dos dois últimos dois diretores artísticos da casa, Suzanne Cotter e João Ribas, que se demitiu em julho na sequência do caso Mapplethorpe, assumirem ter programado ou negociado a exposição..Outra das interrogações fundamentais é como se olhará o público português naquele espelho em que a artista diz ter transformado a sua obra, se atentarmos ao nome da exposição..As datas estarão já fixadas entre 14 de fevereiro e 29 de junho de 2019. Ao que o DN apurou, a primeira mudança em relação a Bilbao é que Petra Joos, do Guggenheim, que assinou a curadoria da exposição com Enrique Juncosa, não estará envolvida nesta transposição para o Porto. Juncosa continuará como curador..Miguel Amado, curador da primeira exposição antológica de Vasconcelos, Sem Rede, em 2010 no Museu Berardo, comissário da exposição da artista no Palácio da Ajuda em 2013 e, no mesmo ano, do Pavilhão de Portugal na Bienal de Veneza, que levou Trafaria Praia, também de Vasconcelos, viu I'm Your Mirror..Ao telefone com o DN a partir da Irlanda, onde hoje é diretor do centro de gravura Cork Printmakers, diz que a vinda da exposição para Portugal poderá ser ocasião para "o público português conhecer novas obras que não conhecia e perceber como um olhar a partir do estrangeiro de algum modo tece considerações sobre a produção da Joana que um olhar de alguém que conhece a realidade portuguesa eventualmente não tece. Acho que há um foco em peças que articulam aquela associação do trabalho da Joana a alguma tradição cultural do país, à iconografia, e que de algum modo a identificam como artista do mundo mas ancorada num contexto específico, o contexto nacional em que ela opera"..O curador recorda a forte presença da obra I'll Be Your Mirror no centro da sala do Guggenheim: uma enorme máscara veneziana de 2500 quilos, composta por 400 espelhos emoldurados a bronze que refletiam as outras obras. "Foi o que me surpreendeu: uma espécie de leitura de conjunto dada por uma sala.".Há muitas leituras possíveis para o título desta mostra, de uma referência mais ou menos óbvia à canção dos Velvet Underground I'll Be Your Mirror ao facto de Vasconcelos ser hoje a mais internacional artista portuguesa, e portanto, de certo modo, um espelho do país fora dele. Miguel Amado, que destaca a importância de ser uma mulher a primeira portuguesa num Guggenheim, sobretudo uma mulher que pensa e trabalha na sua obra essa sua condição, sugere ainda outra leitura, por ventura mais profunda.."I'm Your Mirror é uma espécie de deixar cair as capas protetoras e ir ao encontro deste jogo entre aquilo que ela é, a imagem criada à volta dela, aquilo que a obra dela transmite e o que as pessoas encontram. Acho que de algum modo a exposição tenta transmitir: eu estou aqui, eu sou um espelho, o vosso espelho; quero que vocês vejam aquilo que é a minha produção, a minha obra, e não necessariamente que me vejam a mim como pessoa.".Sobre as polémicas, o curador lembra que Ribas afirmou em entrevista ao Público considerar Vasconcelos uma artista "extremamente relevante" e alvitra que as divergências em torno da mostra "traduzem um mal-estar maior" na instituição, acrescentando que Ribas provavelmente preferiria "fazer uma exposição em diálogo com ela [Joana Vasconcelos] em vez de importar uma exposição do Guggenheim. Por outro lado, também entendo que uma instituição queira aproveitar a oportunidade de se associar a um museu como o Guggenheim"..Agora que poderemos tornar a olhar de forma antológica para a obra de Joana Vasconcelos, perguntamos a Miguel Amado se recorda aquilo que primeiramente o atraiu. "O que mais impacto teve foi uma capacidade ímpar de associar forma com o sentido crítico da sociedade, o jogo de palavras, o modo como a vida dela era traduzida nas obras dela numa espécie de tradução da vida social, o lado conceptual dado pelo uso da linguagem e uma trajetória que vem deste lado subalterno menos conhecido [do material] e menos valorizado."