"Partirei com a convicção de que esta visita muito contribui para mantermos a nossa parceria, na certeza de que podemos ter pela frente um futuro comum bastante radioso.".Dita na sessão solene com que a Assembleia da República o recebeu, ontem à tarde, esta frase do presidente de Angola, João Lourenço, foi apenas uma das várias ditas durante o dia a salientar a boa fase atual nas relações diplomáticas entre os dois países. O chefe do Estado angolano não se esqueceu, porém, de sublinhar que isso passa por um empenhamento recíproco dos dois países: "Portugal representa para nós um parceiro importante, com quem mantemos uma relação sólida e duradoura que precisa de ser sempre alimentada com a vontade de ambas as partes e reiterada por gestos e atitudes.".Ainda no Parlamento - onde foi aplaudido de pé por todas as bancadas, exceto a do BE, que se dividiu (uns aplaudiram, outros não) -, João Lourenço disse que os povos dos dois países "estão destinados a partilhar um futuro comum de solidariedade e entreajuda facilitado por idioma e valores comuns"..E, sendo certo que "Angola está aberta a uma maior presença de empresários e homens de negócios portugueses" para "edificar na prática uma base de cooperação mutuamente vantajosa" para os dois países, a verdade é que, na ótica do presidente angolano, as relações entre os dois países não podem "reduzir-se" à "mera partilha de interesses económicos e empresariais". É importante - acrescentou - "que se alarguem e reforcem ao nível das consultas políticas, diplomáticas e parlamentares permanentes e trocas de informação e experiências nos domínios da educação, das ciências, das tecnologias, da cultura e do desporto", porque "só deste modo será possível o reforço do conhecimento mútuo em todas as vertentes"..No Parlamento, João Lourenço enunciou as duas grandes prioridades da sua presidência: combate à corrupção ("um cancro que corrói a nossa sociedade"); e diversificação da economia, tornando-a menos dependente do petróleo (por isso, ao fim da tarde visitou o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, que dispõe de um vasto conhecimento sobre a agricultura angolana, adquirido nos tempos coloniais)..Antes, em Belém, numa conferência de imprensa conjunta com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, João Lourenço abordara de forma não explícita os ataques de que tem sido alvo em Angola pelo seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e pela filha deste, Isabel dos Santos..Embora dizendo que se reservava "o direito de não comentar questões de política interna" enquanto estiver em Portugal, Lourenço acabaria por dizer que o seu empenhamento no combate à corrupção não vai diminuir: "Quando nos propusemos a combater a corrupção em Angola, tínhamos noção de que precisávamos de ter muita coragem, sabíamos que estávamos a mexer no ninho do marimbondo, que é a designação, numa das nossas línguas nacionais, do terminal da vespa. Tínhamos noção de que estávamos a mexer no marimbondo e que podíamos ser picados, já começámos a sentir as picadelas, mas isso não vai matar-nos, não é por isso que vamos recuar, é preciso destruir o ninho do marimbondo.".Ao mesmo tempo, salientaria ter do seu lado a legitimidade popular e o apoio dos angolanos. "Quantos marimbondos existem nesse ninho, não são muitos, devo dizer; Angola tem 28 milhões de pessoas, mas não há 28 milhões de corruptos, o número é bastante reduzido e há uma expressão na política angolana que diz que 'somos milhões e contra milhões ninguém combate. Ninguém pense que, por muitos recursos que tenha, de todo o tipo, consegue enfrentar os milhões que somos, portanto não temos medo de brincar com o fogo, vamos continuar a brincar com ele, com a noção de que vamos mantê-lo sempre sob controlo.".Da parte das autoridades portuguesas, o PR angolano recebeu, no essencial, manifestações de incentivo para prosseguir a sua ação reformista. Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, saudou-o "pessoalmente" pela sua "coragem e determinação em afirmar em Angola um Estado democrático de direito". E Marcelo Rebelo de Sousa elogiou-lhe o discurso "muito claro, muito determinado e muito corajoso" feito no Parlamento, "como, aliás, tinha sido já a intervenção na conferência de imprensa no Palácio de Belém"..A visita começou de manhã com o PR angolano depositando uma coroa de flores no túmulo de Camões, nos Jerónimos. A seguir, em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa condecorou-o com o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique..Depois do Parlamento, João Lourenço e comitiva seguiriam para a Câmara de Lisboa. O presidente da autarquia, Fernando Medina, entregou as chaves da cidade ao presidente angolano e depois anunciou ter endereçado um convite ao governador de Luanda, Adriano Mendes de Carvalho, a vir a Lisboa para ambos discutirem formas de "melhorar a qualidade das respostas, testar processos de acolhimento e integração de angolanos em Lisboa", desenvolvendo-se "uma agenda concreta de cooperação"..Hoje, João Lourenço rumará ao Porto, onde se reunirá com empresários, estando também prevista uma conferência de imprensa conjunta com o primeiro-ministro português.