"Pode aprender-se chinês em três anos. A condição essencial é ter um bom professor e trabalhar a sério" 

Responsável pelo programa de ensino de chinês na Universidade de Columbia esteve em Lisboa para uma conferência no Centro Cultural e Científico de Macau dedicado ao idioma mais falado no mundo. Liu Lening explicou ao DN como o mandarim (ou <em>putonghua</em>) funciona.
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Sendo professor na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, como analisa a curiosidade pela língua chinesa nos Estados Unidos? Há cada vez mais estudantes a quererem aprendê-la?
Diria que a geração mais nova de estudantes do Ensino Secundário e universitários americanos tem muita vontade de aprender a língua chinesa. Como é sabido, as relações sino-americanas são complicadas, têm altos e baixos, mas a geração mais nova de americanos, e os seus pais, percebeu que a língua chinesa é muito importante, pois através dela pode ter-se uma melhor compreensão da cultura chinesa. É quase impossível afastarmo-nos da China, porque a China é uma grande potência económica e um parceiro muito importante na cena internacional. É por isso que, apesar deste tipo de turbulência nas relações sino-americanas, o número de estudantes que têm aulas de língua chinesa nas escolas secundárias americanas tem estado a aumentar consistentemente. Atualmente há mais de 200 000 estudantes ao nível do Ensino Secundário que têm aulas de chinês e ao nível do Ensino Superior o número é aproximadamente de 70 000, umas vezes inferior e outras superior. A profissão de professor de chinês tornou-se muito especializada e profissional, cada vez mais os professores têm o doutoramento ou, pelo menos, uma licenciatura e alguns anos de experiência do ensino de chinês a alunos falantes de inglês. Portanto, diria que a qualidade do ensino é muito boa.

Entre os sino-americanos, e estou a falar da segunda ou terceira geração, também há alunos que tentam aprender a língua dos seus antepassados, o idioma familiar?
Sim, claro. É muito interessante, os descendentes de chineses ou os chineses do estrangeiro, quando são muito novos e estão na escola básica ou mesmo no jardim infantil, às vezes resistem à ideia de aprender a língua chinesa. Eles aprenderam a sua primeira língua - inglês - naturalmente e quando os país os incentivam ou mesmo obrigam a ter aulas de chinês, quer seja em escolas de chinês locais de fim de semana, quer num ensino de chinês mais formal, mostram relutância ou mesmo resistência à ideia. Mas, quando chegam ao Ensino Secundário ou mesmo à faculdade, a consciência da identidade chinesa desperta e eles percebem, gostem ou não, que são descendentes de chineses, que a cultura chinesa é muito rica e muito valiosa e que o conhecimento linguístico do chinês lhes poderá vir a ser muito útil para a carreira profissional ou para serem uma pessoa culta. É por isso que agora o número de estudantes nas escolas chinesas de fim de semana é enorme. Não tenho o número exato, mas é imenso, por exemplo, na Zona dos Três Estados - Nova Iorque, New Jersey e Connecticut - diria que há mais de 700 escolas de fim de semana de língua chinesa. Também há muitas empresas independentes de ensino de línguas que oferecem cursos de chinês a jovens profissionais, a crianças, a descendentes de chineses. A Universidade de Columbia tem um programa certificado para ensino de chinês a falantes de outras línguas e já licenciámos pelo menos 300 professores locais de chinês desde que o programa foi iniciado. Muitos dos formados pelo programa têm agora as suas próprias escolas de chinês e estão a sair-se muito bem.

O que é exatamente a língua chinesa? Nós sabemos que a forma escrita é uma só, mas há variantes diferentes - cantonês, mandarim - e também dialetos. Quando as pessoas vão para a universidade nos Estados Unidos para aprender chinês, a língua que lhes é ensinada é a oficial de Pequim, a língua da elite cultural da capital?
O chinês é distinto de muitas outras línguas, como o português ou o inglês, porque é uma língua isolante ou analítica, o que significa que morfologicamente o chinês não tem mudanças de flexões ou derivações e as funções gramaticais são feitas principalmente através da adição de palavras, em vez de mudanças internas nas palavras. Por exemplo, em português temos uma palavra como "ensinar" cujo particípio passado é "ensinado" e a palavra sofre uma mudança morfológica, mas em chinês, independentemente de estarmos a falar de ensinar chinês no passado, no presente ou no futuro, o verbo (jiao) nunca muda.

Depende da posição na frase?
Podemos acrescentar outros elementos, como advérbios, para descrever situações diferentes no passado, presente ou futuro, mas o verbo em si nunca muda. Por isso é que dizemos que o chinês é uma língua isolante. O meio gramatical mais importante para a língua chinesa é, portanto, a ordem - se eu tiver três palavras, mas mudar o lugar delas na frase ficam com significados muito diferentes. Por exemplo, tenho a palavra "bom", a palavra "ler" e a palavra "livro" e com elas posso formar uma série de frases com diferentes significados sem mudar as palavras em si. Posso dizer du shu hao que é "ler é bom"; ou hao du shu que é "gostar de ler livros"; ou du hao shu que significa "ler bons livros". São só três palavras, mas ao mudar-lhes a ordem formo frases diferentes, até porque o tom pode mudar em hao.

Isso aplica-se ao mandarim, que é a língua oficial da China?
Sim.

Esta língua, a língua nacional chinesa, inclui o cantonês?
Existem oito dialetos principais. O mandarim ou putonghua é a língua oficial e normalizada para a educação, comunicação social, governo, negócios... o mandarim, é baseado principalmente no dialeto do norte, um dos oito. O dialeto de Pequim não foi o dialeto normalizado até ao início da dinastia Qing. A antiga pronúncia normalizada era baseada noutra província e Pequim não apreciava esse estatuto. Mencionou o cantonês, mas há mais dialetos que têm sistemas fonéticos muito diferentes. Por exemplo, o mandarim tem apenas quatro tons - o chinês é uma língua tonal -, mas há pelo menos oito tons no cantonês e talvez cinco no dialeto Wu; além de que alguns dos finais das sílabas chinesas são diferentes nos diferentes dialetos também.

Nasceu onde?
Eu sou de Xian, a antiga capital da China.

Havia um dialeto diferente em Xian?
Sim.

A sua língua materna foi, originalmente, esse dialeto?
A minha língua materna foi um dialeto que faz parte do dialeto do norte, mas que não é exatamente o mesmo.

Portanto, teve de aprender a língua oficial?
Exatamente. Quando fui para a escola aos 6 anos, na verdade até um pouco antes disso, ainda no jardim de infância com 3 ou 4 anos, comecei a aprender putonghua, porque essa é a língua que é ensinada nas escolas.

A maioria do povo chinês é, pelo menos, bilingue?
Se considerarmos os dialetos como uma língua diferente, então pode dizer-se isso [risos].

As pessoas em casa, em família, falam o dialeto local?
Era o que acontecia há 20 anos, talvez. Mas, agora, muitos jovens quase que recusam, ou pelo menos resistem, a falar um dialeto local com os seus pais, mesmo em casa. Por exemplo, em Xangai, muitos estudantes do Ensino Básico ou Secundário não sabem falar o dialeto local, falam sempre putonghua.

Então o putonghua tornou-se realmente a língua nacional, é um processo gradual de educação?
Sim e estas mudanças causam, na verdade, algumas preocupações a linguistas ou antropólogos, que estão a tentar preservar os dialetos e as culturas representadas por esses dialetos locais. Mas, no que respeita ao objetivo da comunicação, e também do fortalecimento da unificação e unidade do país, é claro que isto é benéfico.

Fala em putonghua e não mandarim. Mandarim será uma palavra portuguesa, mas há historiadores que dizem que havia a palavra mantrin em malaio para autoridades e o nosso verbo para dar ordens é "mandar", o que deu origem a uma nova palavra mandarim, que são as pessoas que dão ordens, que mandam. Isto faz sentido?
Tanto quanto sei, a palavra mandarim foi introduzida na dinastia Yuan, muito antes da chegada dos portugueses à Ásia. O significado de mandarim costumava ser "autoridades" e passou a significar língua oficial. É por isso que mandarim costumava ser traduzido pela palavra que significa literalmente língua oficial. O governo da República da China liderado por Chiang Kai-shek usou esse termo durante muito tempo ou um outro que significava língua nacional. Por isso, depois do estabelecimento da República Popular da China o departamento encarregado da política da língua propôs mudar esse termo para putonghua.

Portanto, mandarim é a palavra internacional para o chinês oficial?
Penso que em muitas partes do mundo os professores de línguas e os académicos usam mandarim para se referirem à língua oficial da China desde há muito tempo. Se procurar por livros de gramática da língua chinesa vê que muitos títulos dizem mandarim - os importantes como Mandarin Functional Reference Book, de Sandra Thompson e Charles Li, por exemplo. Mas devo dizer que ultimamente os educadores e académicos chineses preferem a palavra chinês a mandarim. Vou dar um exemplo: quando cheguei à Universidade de Columbia, o curso de língua chinesa aparecia como mandarim, mas agora é chinês - 1.º ano de chinês, 2.º ano de chinês, etc. Já não há mandarim no nosso currículo.

Em relação à forma escrita, os ideogramas, em Hong Kong, Taiwan e em Macau também há carateres tradicionais. Isso faz com que seja quase impossível para um chinês continental ler um jornal de Hong Kong, por exemplo?
Na verdade, eu nunca achei que a diferença entre a versão tradicional e a simplificada fosse assim tão significativa, porque cada caráter é usado numa frase específica, num contexto específico. Assim, se dermos aos estudantes duas semanas para passarem de uma para outra eles ficarão aptos para lerem a outra versão. Não é assim tão significativo. Por isso, na Universidade de Columbia, nós começamos pela versão tradicional e mudamos para a versão simplificada na altura do 3.º ano. É mais difícil aprender a versão tradicional e, portanto, mais fácil mudar para a simplificada. Assim, ficam habilitados a ler ambas as versões. O objetivo desta nossa política é os estudantes serem capazes de reconhecer e ler a versão tradicional, mas quando escrevem poderem escolher a versão simplificada.

Em Portugal, na imprensa principalmente, usamos os nomes tradicionais de cidades e pessoas romanizados ainda pela regra Wade-Giles. Por exemplo, no Diário de Notícias usamos Pequim e não Beijing. Pinyin, a romanização oficial, é essencial para a educação hoje em dia, pois é uma espécie de intermediário, mas não há hipótese de a China vir um dia mesmo a adotar o sistema alfabético?
Penso que não.

Porque a escrita ideográfica faz parte da identidade nacional?
Sim. Mesmo hoje algumas universidades mantêm os seus nomes numa ortografia romanizada Wade-Giles, como a Universidade de Pequim, apenas porque essa ortografia é conhecida pelos ocidentais, pelas pessoas de fora da China, é essa a única razão. Pinyin é a romanização oficial ou ortografia para o chinês nas Nações Unidas. A ONU adotou oficialmente o Pinyin.

A China também usa o Pinyin no ensino infantil como forma de aprendizagem dos ideogramas?
Sim, é essa a política nacional. Nos Estados Unidos alguns académicos ainda defendem que o sistema tem desvantagens, por exemplo, por o tom ser incluído no final da sílaba e pensam que, por isso, tem desvantagens para os alunos aprenderem os tons, mas o governo chinês adotou o Pinyin como o sistema ortográfico oficial para indicar a pronúncia de cada caráter. Isto porque o caráter, por si, não fornece qualquer pista para a forma de o pronunciar, assim temos de nos apoiar no Pinyin para ensinar. Quando comecei a aprender putonghua, tive de aprender Pinyin primeiro, porque a pronúncia do meu dialeto local era diferente do putonghua.

Mas não há ninguém na China que defenda que a romanização, a adoção do alfabeto latino, deve ser o futuro e que os ideogramas fazem parte do passado?
Sabe que nos anos 1950 o presidente Mao promoveu o Pinyin à força, chegou a dizer qualquer coisa como: a língua chinesa tem de tomar o caminho da romanização.

Provavelmente por causa dos computadores e algo do género...
Não sei... Alguns académicos também acreditam que esse será o futuro da língua chinesa, mas neste momento ninguém considera seriamente isso. No início, muitas pessoas pensavam que seria impossível introduzir os carateres chineses sem usar o Pinyin, mas hoje em dia há muitas abordagens diferentes. Hoje em dia a tecnologia, como a tradução de voz, em que falamos para a máquina e esta traduz a nossa frase para outra língua ou apresenta-a em carateres mostra que a romanização não é essencial...

Pela sua experiência, com trabalho sério e verdadeiro interesse na língua chinesa, qual é o tempo mínimo para um estudante começar a falar chinês?
Na verdade, depende da idade em que se começa. Quanto mais cedo, melhor, porque há um período crucial que é o período em que se adquire a língua naturalmente, não se aprende a língua. Mas penso que se um jovem adulto levar a aprendizagem a sério, em três anos já se tem um conhecimento que permite a comunicação. A condição essencial é que se tenha um bom professor e que se trabalhe a sério. Nesse caso consegue-se manter uma conversa simples no fim do segundo ano. No fim do terceiro ano já se consegue ser relativamente fluente na oralidade e ter uma certa fluência na leitura e na escrita.

leonidio.ferreira@dn.pt

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