O governo devia apresentar já o plano de desconfinamento para que a economia possa começar a planear a retoma. Há que esclarecer a solução que está a ser equacionada para as moratórias, uma vez que "muitas empresas estão hoje mascaradas". E a recuperação está intimamente ligada ao sucesso do plano de vacinação - nacional e europeu..Foram estas algumas das questões focadas pelo patrão dos patrões, António Saraiva, e pelo economista João Duque no debate promovido pelo Dinheiro Vivo, no âmbito da missão especial do Global Media Group para assinalar um ano de pandemia em Portugal..Numa conversa virada para o futuro e a recuperação no pós-pandemia, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) destacou o "fundamental que é termos um plano", capaz de contrabalançar toda a incerteza que existe, que crie horizontes, mesmo que a situação pandémica possa exigir passos atrás. "Há que planificar um conjunto de ações para que os agentes económicos percebam a tempo qual é a expectativa possível, mesmo que chegando lá haja que adaptar", especifica António Saraiva. Só com metas é que as empresas podem "gizar a sua retoma", que "será gradual e assimétrica"..Uma visão apoiada por João Duque, para quem urge "dar aos agentes económicos algumas balizas para encorajar decisões de investimento e preparar o consumo". "Há muitas áreas económicas cuja reativação exige planeamento", nomeadamente no setor turístico; caso contrário, "não há retoma possível", avisa o professor do ISEG. Planificar a abertura da economia é assim essencial para "gerar confiança aos agentes". "A confiança é determinante na economia", resume também o líder dos patrões..Perdas incalculáveis.A "cada dia que passa", o confinamento traz "prejuízos incalculáveis à economia", diz António Saraiva. Há muitas empresas com "receitas a zeros, outras com quebras de 80% e 90% e outras na casa dos 30%". Ainda assim, "o país tem de estar grato pela resiliência das empresas, que evitou que o desemprego aumentasse [6,8% em 2020]", embora para tal também tenha contribuído o lay-off, vinca o líder da CIP. Alerta, porém, que "essa massa de emprego que se manteve está ameaçada". As empresas estão a "evitar tanto quanto possível um avanço do desemprego, que apesar dos nossos esforços vai ocorrer"..Também João Duque elenca as incertezas que há pela frente. "Não sabemos qual é a robustez do tecido empresarial a esta pandemia." O economista lembra que "há uma série de medidas que disfarçam a situação". "Muitas empresas estão mascaradas e só quando se tirar a máscara vamos ver o que dá.".O fim das moratórias é um dos pontos que mais preocupação levantam. Saraiva recorda que há 46 mil milhões de euros em créditos adiados e é necessário que se abra a possibilidade de o prolongar: "Ou alongar ou reestruturar, de forma que esta bomba não expluda debaixo dos nossos pés.".Público a mais, privado de menos.Se a chave para a recuperação está na bazuca - chegarão 61 mil milhões, entre Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), PT2020 e Quadro Financeiro Plurianual -, é preciso saber usá-la para o desenvolvimento. "É talvez a última chance para o país passar do crescimento anémico dos últimos 20 anos", vinca o líder da CIP, lamentando que o PRR esteja desenhado "muito mais em benefício da parte pública do que do privado". "Este plano é um mau sinal da utilização de fundos", conclui, já que a recuperação tem de partir de uma aposta na economia - e, dentro dela, nas empresas..Duque concorda: o PRR tem de dar "preferência a investimento que seja produtivo e isso não está a acontecer". Como frisa, "50% é para despesa não reprodutiva, ou, pelo menos, não imediatamente reprodutiva". E lembra o risco que o país atravessa com a dívida pública, problema que já vinha de trás mas que subiu 20 milhões no último ano, para o valor mais alto desde que há registo (270,4 mil milhões).."Com esta dívida pública e a voracidade do Estado em consumir receita, dificilmente temos margem para estímulos fiscais" para a retoma, alerta também António Saraiva, defendendo um quadro fiscal que promova fusões e concentrações no tecido empresarial para que a economia ganhe escala..Sónia Santos Pereira é jornalista do Dinheiro Vivo