Petróleo dispara e efeitos vão-se sentir já na próxima semana
O petróleo ultrapassou ontem a barreira dos 100 dólares, pela primeira vez em oito anos, em reação à invasão da Ucrânia pela Rússia. Uma escalada que terá efeitos práticos sobre o preço dos combustíveis já na próxima semana em Portugal. Sabendo-se que os momentos de guerra "tendem a ser períodos inflacionistas", os analistas antecipam que a situação se agrave e "dificulte a recuperação económica que estava em curso". A grande incógnita é quanto tempo durará o conflito, sendo certo que quanto mais se prolongar, mais graves serão as consequências para empresas e famílias.
A Rússia é não só o segundo maior exportador de petróleo, a seguir à Arábia Saudita - exporta cinco milhões de barris por dia, correspondentes a cerca de 5% da procura mundial -, como fornece cerca de 30% do petróleo da Europa e 35% do gás natural. E, por isso, a cotação do Brent, que serve de referência ao mercado europeu, superou os 100 dólares por barril e o futuro para entrega em abril chegou aos 105,72 dólares. Já o gás natural valorizou quase 50% e cotou nos 130 euros por megawatt-hora.
Para Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, uma aceleração da subida das cotações do petróleo poderá redundar num aumento da inflação e abrandamento económico. "Se esta estagflação se vier a materializar, então as perspetivas do início do ano que indicavam novos ganhos para os mercados acionistas em 2022, dificilmente se concretizarão. Todavia, se o conflito na Ucrânia for limitado no tempo e não se traduzir em pressões inflacionistas duradouras, então os mercados poderão recuperar dos atuais níveis", defende.
Os efeitos, ao nível do preço dos combustíveis, far-se-ão sentir já a partir de segunda-feira, já que, como lembra o secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (APETRO), "o mercado em Portugal funciona tomando como referência os preços médios das cotações da semana anterior". António Comprido recusa antecipar cenários, sublinhando apenas que "é inevitável" que a situação tenha efeitos no preço dos produtos refinados e, consequentemente, no bolso do consumidor. Efeito esse que será tanto maior quanto mais tempo durar o conflito.
Questionado sobre que medidas para minimizar a escalada dos preços quando, em alguns postos, a gasolina já ultrapassou a barreira dos dois euros, António Comprido é perentório: "A única coisa que o governo controla e em que pode mexer para eventualmente proteger o consumidor é a carga fiscal. Não há outra solução". Foi o que fez, em outubro, reduzindo dois cêntimos por lirto na gasolina e um cêntimo no gasóleo, ou, em novembro, com o Autovoucher e as medidas de apoio a taxistas e autocarros.
Entretanto, o ministro do Ambiente veio já assegurar que a garantia de abastecimento dos sistemas nacionais de gás e de petróleo está salvaguardada. "Portugal dispõe de elevados níveis de armazenamento de Gás Natural (79,2% da capacidade total), que atualmente é dos valores mais elevados da Europa em termos percentuais", diz o ministério liderado por João Matos Fernandes. Quanto ao petróleo, Portugal não importa crude da Rússia desde 2020 e dispõe de reservas estratégicas de combustíveis "suficientes para garantir o consumo nacional durante 90 dias".
Já Henrique Tomé, da XTB, destaca os efeitos da escala do crude nos transportes, nos bens alimentares e mesmo nos preços da eletricidade. O analista não exclui a possibilidade de o preço do Brent atingir máximos de 2012, quando o barril cotava perto dos 125 dólares. Um aumento da ordem dos 25% mas que, em termos práticos, teria um efeito limitado de 5% no bolso do consumidor, dado que o crude pesa apenas 20% na formação do preço final de venda ao público. Os impostos são a maior parcela.
Ricardo Marques, da IMF, fala em "impactos elevados" na economia nacional. "Os preços de alimentos, metais, gás, eletricidade, tudo tem estado a subir e, em conjunto com a subida do petróleo, deverão contribuir para maior incerteza das empresas e consumidores e uma retração no consumo, que poderá resultar numa nova contração da economia", defende.
Produtos agrícolas
Nem só a energia se ressentiu com a invasão russa. Os produtos agrícolas também valorizaram significativamente e Paulo Rosa lembra que a Rússia é o maior produtor mundial de trigo e a Ucrânia está no top5. O que faz com que, em conjunto, os dois países sejam responsáveis por 29% das exportações globais de trigo, 19% do fornecimento mundial de milho e 80% das exportações mundiais de óleo de girassol. Não admira, por isso, que o trigo valorizasse ontem quase 6% para máximos desde julho de 2012 enquanto o milho cotado na bolsa de derivados de Chicago subiu 4%.
Paulo Rosa alerta para os efeitos que tudo isto pode ter em Portugal: "A agricultura e a agropecuária já estão a ser penalizadas pela gradual escassez de água e, forçosamente, a produção será afetada, impulsionando o preço dos cereais e da carne. Somando à seca a atual crise na Ucrânia, os preços dos cereais podem ser ainda mais impactados e concorrem para uma subida dos preços da alimentação no índice de preços no consumidor (IPC), desde carne, vegetais, cereais, frutas e demais produtos agrícolas".
O analista do Banco Carregosa alerta ainda para a possível escassez de fertilizantes ou o risco de dificuldades nas cadeias de abastecimento das indústrias transformadoras, dado que a Rússia é um dos maiores produtores de potássio, ureia e fosfatos, além de ser um considerável exportador de níquel, paládio e alumínio, com quotas do mercado mundial de 49%, 42% e 26%, respetivamente.