Petiscos em Azeitão para se apreciar os vinhos da José Maria da Fonseca
Para quem é de Setúbal, como eu, crescer a ver Azeitão como quase um outro mundo é natural, mesmo que Vila Nogueira pertença ao concelho e a distância entre as duas terras seja uma dúzia de quilómetros. De um lado o rio Sado e o mar, do outro a serra da Arrábida, a parte interior. Ora, é a apostar na combinação das duas influências que o chef Luís Barradas, ele próprio setubalense, apresenta os seus petiscos no Wine Corner by José Maria da Fonseca, um novo restaurante em Azeitão onde o vinho é rei, mas em que comer faz parte da experiência pensada pelos Soares Franco, a família que há quase dois séculos está no negócio do Moscatel de Setúbal e muito mais.
"A nossa ideia é um local de comida de partilha, muito informal. Uma mesa onde amigos se juntam a petiscar à medida que vão também bebendo vinho", explica António Maria Soares Franco, representante da sétima geração da família dona da José Maria da Fonseca. E é o que estamos a fazer. Nós, junto com o tio de António Maria, o enólogo Domingos Soares Franco, o escanção Manuel Moreira e o jornalista Edgardo Pacheco, genial (faço a vénia) a escrever sobre o que se bebe e se come.
Para mim, apesar de ser da região, foi uma experiência de principiante. Ouvi Luís, o chef, explicar os três tártaros de entrada, também as maravilhas que faz com arroz carolino de Alcácer do Sal e algas e marisco do Sado. Gostei de ouvir Domingos Soares Franco a elogiar o Riesling da José Maria da Fonseca, explicando que não foi feito para ser melhor do que o alemão, mas sim "para mostrar as potencialidades desta casta no nosso país". E fiquei surpreso quando António Maria me desafia a notar o cheiro a petrolina que é característico do Riesling e que esta versão portuguesa, com uvas vindas de Trás-os-Montes, cumpre na perfeição. Um alemão reconheceria de imediato este vinho como um Riesling, garante-me Manuel, com a autoridade do escanção. Do Edgardo sublinho o seu entusiasmo com uma excelente variedade de carolino que cresce no vale do Sado e que tem de há muito o nome de arroz Ronaldo. Há aqui um potencial de marketing enorme, veremos se alguém aproveita.
Inaugurado em abril, o Wine Corner fica na chamada Casa do Canto. Na verdade faz parte do edifício que é hoje a Casa Museu José Maria da Fonseca e que em tempos foi residência da família. Uma visita às caves é altamente recomendada e serve de bom complemento ao almoço que pode ser tomado no interior ou na zona de esplanada. Para esta experiência jornalístico-gastronómica ficámos no interior, de decoração simples mas agradável, repartidos por duas mesas. António Soares Franco, que fez as honras da casa aquando da chegada do grupo de convidados, ficou na outra mesa, a maior, mas ainda tivemos oportunidade de conversar um pouco sobre o poder de fogo da marinha portuguesa no tempos dos Descobrimentos. Veio isso a propósito de uma reportagem minha há uns dez anos sobre o torna-viagem, moscatel que era levado para venda além-mar mas por vezes regressava. O sal, entretanto, tinha de alguma forma influenciado o sabor e hoje a experiência é repetida com o objetivo mesmo de fazer um Moscatel de Setúbal especial.
Além do DSF Riesling, foi servido antes um João Pires Rosé e já durante a refeição um José de Sousa reserva tinto. E na hora da sobremesa um Moscatel de Setúbal DSF coleção privada. Sublinha António Maria que no Wine Corner se pode beber qualquer vinho da José Maria da Fonseca a copo.
Tenho de dar os parabéns ao chef Luís Barradas pela originalidade e qualidade do que foi servindo, a começar pela sopa fria de melão com gelado de presunto (é mesmo uma delícia) até à sobremesa, com a sua Mosca na Mousse ou a pêra embebida em moscatel (muito boa). Fiquei a saber que temos idades próximas e que crescemos em bairros quase vizinhos, eu na colina da Reboreda, ele cá em baixo no Montalvão. E até cheguei a andar na escola primária que uns anos depois seria a dele.
Conto esta afinidade setubalense para explicar porque só eu, dos convidados, sabia o que é a bolacha da Piedade que aparecia na sobremesa. O Luís Barradas inspira-se, e bem, nos sabores que foi conhecendo numa juventude passada entre Setúbal, Azeitão e Palmela, outra terra cheia de encanto. E por isso se lembra, como eu, das bolachas da Piedade, rijas de roer e com sabor a erva doce, que eram um sucesso durante o verão, na Feira de Santiago, mas que só voltávamos a provar um ano depois. Até que um dia, passou a ser vendida todo o ano.
Houve também corvina do Sado na ementa. E na sobremesa marcou igualmente presença a torta de Azeitão, se bem que, apesar de tanto petisco, não podemos esquecer que estamos numa casa de vinhos primeiramente. Como disse António Maria, a intenção do Wine Corner "é desnobar o vinho". Parecem estar no bom caminho.