Pessoas que não podem ter poder

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A 2 de julho de 2016, The New York Times publicava um cartoon que mostrava Donald Trump sentado na mesa da Sala Oval, com dois botões à frente: o do Twitter e o nuclear. A caricatura descrevia um futuro que muitos ainda pensavam ser impossível, risível apenas. Um louco, descontrolado e impreparado sentado na cadeira mais poderosa do mundo, com a guerra à distância de um botão?! Apertem os cintos. O futuro chegou.

Pessoas que não podem ter poder são poderosos perigosos. Eles sempre andaram por aí. A governar países, empresas, organizações de todo o tipo. E há vários espécimes, cada um com características muito próprias.

O Poderoso Pacóvio é uma espécie que vem de origens humildes. Subiu a pulso, mas, como achou que isso não chegava, decidiu subir também entre os pingos da chuva. Nunca se compromete e pensa sempre o que outros poderosos - os que interessam - pensam, só para impressionar. O poderoso pacóvio pode ser perigoso. Como lhe custou tanto chegar ao poder, tem medo que lho roubem. O poderoso pacóvio é uma enguia que nos escapa entre as mãos em qualquer argumentação. Capaz de dizer uma coisa e o seu contrário no espaço de segundos. Argumentar com ele é um exercício sempre perdedor. Desistam. O poderoso pacóvio fará tudo para manter ou reforçar o seu poder. Mesmo que isso o obrigue a abdicar de princípios e convicções, mesmo que isso o leve à incoerência. O poderoso pacóvio vê longe, vê muito à frente. E não se quer desviar um milímetro do seu caminho. Ganhou nome lá na aldeia. As pessoas reconhecem-no na rua. E isso não tem preço para alguém assim.

Há também o Poderoso Pulha. O poderoso pulha repete algumas das características do poderoso pacóvio, mas acrescenta-lhe outras tantas que o tornam um espécime único. O poderoso pulha está quase sempre a rir. Gosta de quase toda a gente, raramente discorda de alguém e é exímio a preencher vazios. Onde se abrir uma brecha, o poderoso pulha está lá. Não precisa de muito espaço, só do suficiente para cumprir os objetivos. O poderoso pulha tem uma agenda própria. Nem sempre coincidente com a do país, da empresa ou da organização para quem trabalha, mas isso é irrelevante. O poderoso pulha acha-se mais bonito porque tem poder. E gosta de pensar que os outros olham para ele da mesma forma. Não percebe que isso talvez não seja assim. O poderoso pulha é um rato que tem poucas opiniões, decide pouco e não acrescenta nada.

O Poderoso Prepotente é, provavelmente, o espécime mais comum. Acha que a inteligência lhe advém do poder e que, mesmo não tendo o poder todo, é impossível alguém ser mais inteligente do que ele. O poderoso prepotente dá ordens e dispensa-se de as explicar. Aponta um caminho, amua se for contrariado, mas faz a fuga para a frente. O poderoso prepotente comporta-se como uma criança birrenta. Bate o pé, franze os olhos, cerra os dentes de raiva. "Quem ousa questionar a minha autoridade?" O poderoso prepotente nunca vacila em público. Nem que para isso seja preciso levantar a voz, atropelar quem se lhe atravessar à frente. O poderoso prepotente não pode ficar por baixo. Quantos são? Ele dá conta de todos. O poderoso prepotente manda com um chicote na mão. Gosta pouco de pessoas que pensam pela sua própria cabeça, não vá um dia descobrir que há quem seja mais inteligente do que ele. O poderoso prepotente prefere rodear-se de acéfalos. Podem até executar mal, mas executam sem perguntas. E, às vezes, com sorte, ainda nutrem admiração por ele. O poderoso prepotente gosta que gostem dele. É fácil de perceber que o poderoso prepotente tem um melhor amigo: ele próprio.

Donald Trump é uma espécie de três em um. À pacovice, junta-se-lhe a pulhice e a prepotência. É por isso que o mundo é hoje um sítio muito mais perigoso.

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