Peru e muitos doces mas sem bacalhau. O Natal de três famílias estrangeiras em Portugal

Três famílias nascidas no estrangeiro, três realidades da imigração, celebram o Natal sem esquecer as tradições<br/> dos seus países, com novos amigos e/ou uma mesa mais reduzida, adaptando aos seus paladares as iguarias nacionais.
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A família Berrios parece viver numa casa encantada, tantas são as decorações, as luzes, as velas, os centros de mesa e outros enfeites. Têm duas árvores de Natal e até uma recriação de O Expresso Polar, um filme inspirado no livro infantil de Chris Van Allsburg que retrata a viagem de um menino ao Polo Norte, com comboios e muita neve. São cidadãos americanos e imaginam-se assim as habitações nos EUA, mas percebe-se melhor quando o casal explica que tem passado a vida em trânsito e que celebraram os últimos três natais em hotéis. "Estamos muito animados por passar o Natal em casa e com uma árvore de Natal real". Algumas das decorações são trabalhos manuais caseiros, como manda a tradição.

Tito Berrios, 37 anos, Zaida LaPorte-Berrios, 38, Joshua, 11 e Andrea, 7, chegaram a Portugal em janeiro, os pais para trabalhar na Embaixada dos EUA. São de Porto Rico [ilha sob administração americana], Tito nasceu numa base aérea na Alemanha e pertence à Força Aérea Americana, cujo orgulho faz questão de demonstrar num quadro na sala, e está no Gabinete de Cooperação e Defesa. Zaida nasceu em Porto Rico e trabalha no Gabinete dos Assuntos Públicos.

Habitam uma vivenda em Cascais, onde conquistaram amigos e com quem vão passar a noite de Natal. É, também, sinal da boa integração no país, com o próprio Tito a surpreender-se: "Gostamos muito de Portugal. Somos de Porto Rico e sentimos que há muitas parecenças, até estranhei. Nas comidas, na forma de ser, somos parecidos. Não senti isso em Espanha, apesar de falarmos a mesma língua".

Reúnem-se os amigos e as famílias à volta da mesa na noite de Natal e com um menu que inclui, obrigatoriamente, carne de porco, peru, arroz e uma bebida porto-riquenha muito especial: o coquito (uma mistura de leite de coco, leite condensado, canela e rum). Não faltam as tartes de abóbora, de nozes, de maçã, os biscoitos de açúcar e os gengibre. E o bacalhau? "Não vamos comer, mas em Porto Rico também comemos muito bacalhau", assegura Tito. A noite terá o "Secret Santa", tradição dos EUA que consiste em tirar à sorte o amigo a quem se irão dar um presente, o que devem manter em segredo até ao dia das ofertas.

Dia 25 de dezembro, Joshua e Andrea, os filhos, acordam ao nascer do sol e correm para a árvore de Natal, onde esperam encontrar presentes. Passada a euforia com as prendas, prevê-se uma terça-feira tranquila. "Usamos pijamas especiais e passamos o dia de Natal a ver filmes e com os novos brinquedos e presentes".

A preparação destes dias começa a 1 de dezembro e as atividades são organizadas de acordo com o calendário do Advento, que tem 25 dias: construir as casinhas em pão de gengibre, um boneco de neve, neste ano tiveram de fazer o boneco com uma massa especial, tirar fotos para os cartões de Natal, fazer biscoitos e outras guloseimas, etc.

Mas esta é uma família americana, para quem a festa familiar é o Thanksgivings (Dia de Ação de Graças, neste ano a 22 de novembro). Os Berrios têm a sorte de trabalhar na Embaixada dos EUA e os filhos de estudar num colégio americano, ou seja, têm este feriado. "Fizemos os pratos tradicionais do Dia de Ação de Graças e partilhámos com outras famílias. Isso inclui peru recheado, servido com doce de arando, tarde de muita comida", conta Zaida.

Família francesa e mais reduzida

Hélène Pruvost, 38 anos, Étienne Brebion, 42, e os filhos, Augustine, de 4, e Alois, de 2, passam pela segunda vez o Natal em Portugal. Hélène está grávida de 8 meses (um rapaz), não pode viajar de avião, e não vão estar com a irmã de Étienne, em Annecy, região francesa conhecida pela Veneza dos Alpes, onde esta é época alta.

A família Brebion-Pruvost pensa passar um Natal tranquilo, como é a vida que levam em Marinhais, no Ribatejo, onde vivem desde 2013. Étienne é o diretor da Pot Au Pin, exploração agrícola em Santarém que produz cenoura e alho-francês. "Sempre vivi no campo", diz. Em Portugal desfrutam das praias e vão à serra de Estrela para matar das saudades da neve. "Portugal tem tudo, variedade de paisagens e coisas diferentes para fazer", elogia Hélène. É presidente da associação Entreprender (voluntária), que dá apoio às empresas francesas no país. Quer criar a sua empresa, projeto adiado com a gravidez. No futuro, preocupa-os não terem uma escola em Marinhais para as crianças aprenderem a língua francesa.

Uma árvore é a decoração natalícia da casa, com presentes que a família só vai abrir ao fim do dia de Natal. Isto porque passam a noite na capital lisboeta. "Ficamos num hotel de Lisboa que gostamos muito e vamos mostrar as iluminações às crianças", explicam. Ir à Missa do Galo na Sé ou na Basílica da Estrela é uma hipótese se a Augustine, a mais velha, não adormecer.
O que vão comer depende da oferta do restaurante, a única certeza é que haverá peru. E, talvez, o tronco de Natal, em massa ou em gelado. uma tradição francesa.

Brasileiros sentem falta do calor humano

Em Rolândia, no estado do Paraná, chega a fazer 40 graus por esta altura. É a terra da família de Flávia Santos, 45 anos, uma brasileira que chegou a Portugal há 18 anos. Mas não é das temperaturas elevadas que sentem falta, é do calor humano. Explica que no Brasil toda a família se junta nesta quadra. "Vem o primo, a tia, o sobrinho, o vizinho, todo o mundo. Na casa da minha tia chegam a montar uma tenda, cabe toda a gente. E fazemos um churrasco com todo o tipo de carnes." Confessa que acha um pouco triste o ambiente português. O pai, Darci Santos, 71 anos, acrescenta: "Um mês antes do Natal, o comércio brasileiro passa a fechar às 23.00. As pessoas andam todas na rua, também na noite de 24 para 25, andamos nas casas um dos outros."

Flávia tem três salões de estética, um deles gerido pelo pai, e os restantes por ela e o marido, Herald Molmar, 46. Completam a família as filhas, Radassa, de 8 anos, e Rebeca, de 18, e o namorado desta, Francisco Oliveira, 23 anos, do Ceará. Seis pessoas, poucas para o que recordam do Brasil, mas nesta altura têm os salões cheios e não podem fechar as portas para viajarem até às origens. E convidam sempre para a sua mesa, num apartamento no prédio do centro de estética, quem aqui não tem família. Não têm o calor, mas têm as carnes, assadas, que "não dá para fazer churrasco",
o marisco e as sobremesas, onde não podem faltar as mousses e o pudim colorido (especialidade brasileira feita com gelatinas) e a salada de fruta. E, claro, toda a família estreia roupa e calçado, está bem penteada, maquilhada e perfumada.

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