Assim à primeira, o nome de Pedro Brito poderá dizer muito pouco, mas se acrescentarmos que é dele a voz no famoso tema do genérico da série Zé Gato ou que foi colaborador e autor de músicas para gente tão ilustre como Carlos Paião, Dulce Pontes, Francisco José, Doce, Paulo de Carvalho, Jorge Palma ou Simone de Oliveira, entre outros, talvez os olhos se arregalem um pouco de espanto por tal desconhecimento..Aqui chegados, é também tempo de revelar que é o irmão mais novo de Tozé Brito. Ao contrário deste, porém, em determinada altura da vida, optou por seguir outro caminho que não a música, embora nunca verdadeiramente a tenha abandonado. Também por isso, recusa encarar o EP Se Deus Quiser, que recentemente editou, como um regresso. "Não é porque estive sempre ligado à música, de forma muito presente nos anos 1970 e 80, em 90 menos, e depois houve uma altura em que estive mesmo fora, por opção, sem editar nada, mas nunca deixei de estar atento ao que se passava", começa por dizer ao DN numa conversa com constantes analepses, como é impossível de evitar quando se conversa com alguém que viveu na primeira pessoa alguns dos momentos mais marcantes da história da música portuguesa.."Pensei nisso, de fazer carreira da música, até aí ao início dos anos 1980. Gravei discos, dei espetáculos, participei no Festival da Canção, fiz o trajeto todo, mas sempre com a preocupação de ter uma atividade de suporte", conta. .Com formação na área dos seguros tirada em Londres, começou a trabalhar no ramo financeiro no final dos anos 1970, acumulando a nova profissão com a atividade na música, especialmente como compositor. "Até 1985 compus dezenas de canções para outros artistas, porque o Tozé, na altura, era o AR da Polygram e a quota de mercado era superior aos 45%", recorda..O nome do irmão Tozé será várias vezes mencionado ao longo da entrevista, até porque sem ele, reconhece, algumas portas possivelmente nunca se teriam aberto. "Sem o meu irmão nada disto teria sido possível, portanto, sim, ele ajudou-me e de que maneira! O meu mérito foi o de saber aproveitar as oportunidades. Costuma dizer-se que a sorte é igual à soma da competência com a oportunidade e eu soube aproveitá-las muito bem", sublinha, embora reconhecendo que as circunstâncias também ajudaram muito. "Depois do primeiro disco do Rui Veloso a música portuguesa explodiu por completo. E nessa altura a Polygram tinha um catálogo único ao nível da música portuguesa. Lembro-me de sair do trabalho e ir para lá, passar tardes a ouvir música.".Em parceria com o irmão, foi compositor de inúmeros temas que hoje fazem parte da memória coletiva da música portuguesa, como o icónico êxito Bem Bom, com que as Doce venceram o Festival da Canção de 1982. "Depois do 25 de Abril explodiu tudo, havia interesse e público para tudo. O Miles Davis enchia o pavilhão de Cascais! É um tempo irrepetível e eu sou um produto disso, até porque tive a sorte de conhecer e trabalhar com toda a gente que na altura estava a começar. Estive no sítio certo, na altura certa.".Com o passar do tempo, começou no entanto a sentir "um certo preconceito" por parte de alguns dos seus pares. "É algo que ainda se mantém, contra quem não faz música a tempo inteiro. Tal não existe, por exemplo, na literatura, em que as pessoas têm outras profissões e também escrevem livros e todos acham isso extraordinário", desabafa. "Por um lado significa que é uma profissão muito exigente, mas que ao mesmo tempo nada nos garante. Se calhar por isso é que os meus pais sofreram tanto com o Tozé, quando aos 17 anos deixou de estudar para se dedicar à música", diz com humor. Do outro lado, os colegas dos seguros também não percebiam muito bem a sua outra vida. "É o irmão mais novo do Tozé, ele gosta é da música", comentavam, entredentes. Quando a dada altura foi promovido, ficando "responsável por quase 30 pessoas", os dois lados da vida de Pedro Brito deixaram de ser compatíveis e, durante quase 20 anos, não editou uma única música. "Tive vários convites, mas não quis, foi uma opção minha. E não senti qualquer falta, porque entretanto casei-me, tive filhos e a minha vida começou a diversificar-se bastante noutras direções. Não me arrependo de nada, foi uma opção consciente e saí na altura certa, quando as minhas canções estavam na berra e a vender bem", refere sem aparente ponta de mágoa, até porque "as amizades" que fez mantiveram-se intactas, apesar do afastamento..Um hiato apenas quebrado em 2005, com o projeto Novo Canto Português, direcionado para o fado, que abordou de forma inovadora, através da acústica de quatro instrumentos (guitarra, violoncelo, contrabaixo e acordeão). Três anos mais tarde, editou um segundo volume do Novo Canto Português, este inspirado na obra de Carlos Paredes e José Afonso, no qual contou com a participação do cantor Diogo Tavares, do guitarrista Pedro Jóia e de Rui Veloso na harmónica. "Foi um projeto que correu muito bem, que ainda vendeu cerca de 3 mil discos, numa altura em que já ninguém comprava CD", lembra..Desde então, não mais editou qualquer disco, até que neste ano surgiu o EP Se Deus Quiser, um projeto instrumental com o qual, de certa forma, regressa às suas origens musicais, à formação jazzística e ao gosto pela bossa nova de Tom Jobim e João Gilberto. Tudo começou no início do ano passado, durante o primeiro confinamento: "Estava em casa, com tempo, e decidi pegar numa série de temas que tinha na gaveta, para finalmente os começar a trabalhar." Falou então com Pedro Vaz, o produtor do disco, que lhe indicou "uns músicos porreiros" e decidiram avançar com as gravações, feitas à distância, a partir das casas e estúdios de cada um. "Gostei imenso do resultado final e resolvemos editar em disco, neste caso um EP, não só para ver como corria, mas também porque os custos de um LP seriam bastante maiores", confessa. O irmão Tozé "adorou o disco" e, numa análise mais profissional, "elogiou ainda a masterização e a prensagem do vinil"..Aos 68 anos, Pedro Brito surge assim acompanhado por uma nova geração de músicos, com João Rato na viola e no piano, Nuno Oliveira no contrabaixo e Diogo Duque no flugel, no trompete e na flauta transversal. "Nós todos somos datados e temos de reconhecer que os músicos de hoje estão muito mais abertos à novidade e têm uma formação muito melhor. Adoro ir ao Hot Clube ver os novos valores, há por aí gente jovem com muita qualidade e é com eles que quero trabalhar no futuro", confidencia..Com o disco "a correr bastante bem", a ideia é continuar e eventualmente, para o ano, lançar o tal LP, de novo direcionado para as sonoridades mais jazzísticas. "É nesse sentido que ando a trabalhar e a pesquisar. Quero mergulhar cada vez mais a fundo no chamado jazz clássico dos standards americanos, que têm aquela sonoridade eterna e são imediatamente reconhecíveis", afirma. Apesar de não ser um regresso a tempo inteiro, sê-lo-á, pelo menos, de uma forma mais dedicada, até por uma questão de feitio. "Sou bastante persistente e com a idade e a disponibilidade que tenho, isto é algo que me vai deixar entretido durante algum tempo". Seja então bem-vindo de volta, senhor irmão mais novo..dnot@dn.pt