Há 10 mil metros quadrados em Oeiras que ninguém quer

Desde 2003 que os terrenos onde durante anos existiu um dos grandes bairros de barracas da Área Metropolitana de Lisboa está à espera de um destino. Este ano a Câmara de Oeiras já tentou vendê-los duas vezes. Ninguém quis pagar os 14 milhões pedidos.
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No dia 25 de abril de 2003 Isaltino Morais dizia junto de uma das últimas barracas que ainda estavam de pé no bairro da Pedreira dos Húngaros em Oeiras que aquele era o "dia mais feliz da [sua] vida". Dezasseis anos e um pouco mais de um mês depois, aqueles cerca de 14 mil m2, no total, são um dos problemas que o presidente da câmara tem em mãos: por duas vezes tentou vendê-los e por outras tantas vezes ficou sem comprador para os seis lotes de terreno.

A autarquia não comenta este desinteresse, mas logo na primeira vez que a hasta pública ficou vazia - a 28 de março - uma das explicações para tal passava pelo valor base deste concurso: 14 milhões de euros. A ausência de compradores era, na altura, entendida como uma forma de forçar uma redução do preço. Como não o fez, a segunda tentativa também ficou sem ofertas. Agora, há uma certeza que Isaltino Morais deixa, por escrito, ao DN: "Será lançada nova hasta pública."

Naquele dia de 2003 houve festa na Pedreira dos Húngaros. Os mais de dois mil moradores tinham sido realojados no Bairro do Pático dos Cavaleiros (Carnaxide) e Isaltino dizia que aqueles eram os "momentos em que não podemos deixar de reconhecer e de ter muita gratidão por um trabalho de 16 anos".

As casas abarracadas foram demolidas e o terreno outrora ocupado por essas habitações sem condições onde viviam em situações de precariedade pessoas de seis nacionalidades está agora coberto por erva, mato, abandonado e vedado.

Os terrenos situados entre Algés e Miraflores começaram a ser ocupados nos anos 50, mas o bairro cresceu sobretudo entre 1974 e 1985 recebendo pessoas que viviam nas antigas colónias portuguesas e que foram ocupar terrenos que anteriormente estariam ocupados por comunidades ciganas vindas da Hungria [daí o nome do bairro], e que acabaram por abandonar a zona. A maior comunidade nesta segunda fase de ocupação dos terrenos era a cabo-verdiana com 379 famílias registadas pela autarquia quando fez o recenseamento para a integração no Plano Especial de Realojamento. Seguiam-se os portugueses com 127 famílias, os naturais de S. Tomé e Príncipe (24), Guiné-Bissau (21), Angola (19) e Moçambique (11).

Chegaram a viver mais de três mil pessoas nas 578 edificações construídas de forma tosca e sem controlo - na década de 80 do século passado 9% da população de Oeiras vivia em bairros deste tipo, segundo a autarquia. A "geografia" do local potenciavam a proliferação de redes ligadas à criminalidade (tráfico de droga, roubo organizado, por exemplo) e a própria polícia tinha dificuldades em entrar nas ruas que ali existiam.

O realojamento das famílias que moravam neste bairro durou quatro anos como contava o DN na sua edição de 26 de abril de 2003. Nessa manhã o jornal descrevia a alegria de Isaltino Morais - já não era o presidente da câmara cargo que deixou depois de ser acusado em processos de corrupção passiva, fraude fiscal, branqueamento de capitais e abuso de poder, que lhe valeram uma condenação a sete anos de prisão efetiva - perante a forma como foi recebido por quem estava a viver as últimas horas na Pedreira dos Húngaros.

"Abraços, fugazes ou prolongados, apertos de mão, beijos, carícias e palmas, a todos o antigo autarca foi correspondendo como podia [...]", podia ler-se nessa reportagem. O homem que lidera o concelho desde 2013, depois de já ter estado à frente da câmara entre 1985 e 2002, mostrou-se orgulhoso pelo trabalho feito e agradeceu o apoios dos seus munícipes que num ambiente, conta o DN, de festa onde não faltaram "bandeirinhas, banda de música, vitelos assados, cerveja, sumos e vinho". Na altura foi acompanhado pela então presidente da câmara Teresa Zambujo.

À espera de um destino

Atualmente não há razões de festa para os lados dos terrenos outrora ocupados ilegalmente. A câmara já tem aprovado para o local o Plano de Pormenor do Almarjão. Neste documento, publicado em Diário da República a 28 de janeiro de 1999, está prevista a possibilidade de serem construídos nos seis lotes que estão em leilão edifícios com 10 a 12 andares, cada um com 24 a 28 apartamentos. No total podem surgir 152 casas.

Na informação técnica que serviu de base para a proposta de leilão os serviços municipais de Oeiras defendiam que "atualmente, a procura de habitação na Área Metropolitana de Lisboa, e no concelho de Oeiras em particular, é em muito superior à oferta, particularmente para standards superiores", por isso consideravam que a colocação dos lotes municipais (152 fogos, com localização e acessibilidade privilegiadas) no mercado, contribuirá para acomodar alguma desta procura a curto-médio prazo", justificava-se.

O mesmo documento defendia que se estava - em março - numa boa altura para a venda dos terrenos pois "o aumento da procura e a falta de resposta do mercado está a traduzir-se numa acentuada subida dos valores de venda do imobiliário, o que poderá ser uma oportunidade económica para a rentabilização do património municipal".

Realce-se que o Plano de Pormenor do Almarjão, desenhado em 1994 para definir o futuro de toda a área onde existiu a Pedreira dos Húngaros, está já parcialmente construído. Foram feitos vários prédios de habitação e comércio, um grande parque urbano e uma estrada que liga, através de um viaduto, Linda-a-Velha ao alto de Algés.

Certo é que nas duas hastas públicas não surgiram interessados, apesar de a câmara ter anunciado a existência de contactos de eventuais interessados num negócio que envolvia à partida um preço base de 14 milhões de euros - pelas contas da equipa de Isaltino Morais isso correspondia a "380 euros por metro quadrado de construção para habitação e comércio".

Não surgiram interessados, mas a autarquia mantém a vontade de alienar os terrenos, como adiantou ao DN lembrando que os projetos de loteamento estão feitos e que haverá nova hasta pública. Este empreendimento irá, quando arrancar, juntar-se a um grupo de prédios já construídos e também integrados no PP do Almarjão.

Muito caro?

Logo depois da primeira tentativa de venda dos terrenos surgiram indicações de que a ausência de comprador poderia sinalizar que o valor pedido era elevado. A autarquia assim não o entendeu e manteve o mesmo preço para os seis lotes - a venda é em conjunto. E pela segunda vez o leilão ficou vazio.

Ao DN um especialista em urbanismo, que prefere manter o anonimato, explica que esta ausência pode ser explicada pelas mudanças provocadas no mercado do imobiliário desde a intervenção da troika (2011). A partir dessa altura, com a crise económica, os bancos deixaram de emprestar dinheiro tanto aos construtores como aos compradores com a facilidade com que o faziam; a nova geração de Plano Diretores Municipais têm entendimentos de intervenção diferentes dos anteriores e os principais interesses na construção e venda de imóveis está atualmente mais vocacionada para investimentos reduzidos e com o máximo de rentabilidade e rapidamente - como é o caso dos Fundos.

Ou seja, há cada vez menos apetência para mega investimentos, nomeadamente como o que será necessário fazer nos lotes da antiga Pedreira dos Húngaros, onde além do pagamento de, no mínimo, o preço base, o eventual interessado terá de pagar as taxas e as infraestruturas que faltam concluir. Tudo isto num processo longo e cujo retorno financeiro poderá demorar pelo menos entre três a quatro anos.

Perante este cenário resta esperar pelo terceiro capitulo desta iniciativa da Câmara de Oeiras que, pelo menos por enquanto, não se está a sair bem.

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