Peça a peça, o público desmonta a obra de Los Carpinteros
Los Carpinteros deixam as Carpintarias de São Lázaro hoje, com uma proposta inédita: o público foi convidado a penetrar na obra de arte e levar consigo pedaços da explosão no showroom do Ikea que era a obra de arte.
"É a primeira vez que uma obra de Los Carpinteros é desmontada publicamente", adverte a curadora, Verónica de Mello, de tesoura na mão, antes abrir as hostilidades, e ficar com uma das cadeiras amarelas usadas na obra, este showroom do Ikea que sofreu um grande impacto.
As portas abriram às 12.00 com a entrega de senhas, que impuseram ordem na entrada da obra de Los Carpinteros. Fernando Belo, que faz parte da direção das associação Cultural Carpintarias de São Lázaro, vencedora do concurso público para usar este espaço, vai dando as instruções aos visitantes, cerca de meia centena. "Seis, sete pessoas de cada vez, quem tirar as peças pode levá-las ou deitar lá fora no contentor". Foram distribuídas entre 80 e 90 senhas, nas contas de Verónica de Mello.
"A partir do momento em que desmontamos deixa de ser obra de arte, a obra passa a ser a próxima que Los Carpinteros vão fazer", refere a curadora.
"Não tenho recordação de uma coisa assim ter sido feita em Portugal", afirma Ricardo Conde, fotógrafo e diretor de arte, senha na mão, à espera da sua vez de entrar na obra de arte, o que também só foi possível na desmontagem. Pelas contas, entrará a meio da desmontagem. Pensa ficar com livros. Se ainda restarem... Os primeiros visitantes procuram espelho, madeiras e pedaços de cadeiras.
"Há um bloqueio entre a obra e espectador, normalmente", repara Ricardo Conde, conversando com o DN. "De todas as vezes que vamos ver exposições há uma linha que não podemos transpor e curiosamente, pela primeira vez na vida, na minha vida, vejo um contacto direto entra a obra e o público e é muito interessante as pessoas poderem resguardar no tempo uma parte. Cada um vai poder fazer o que quiser com ela. No seu caso, pretendia guardar. Tinha visto a peça uma semana antes. "Como teria ficado parada no tempo?", pergunta-se, tal como se questionaram os artistas.
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Uma rapariga avança para o tapete roxo, enrola-o e trá-lo para essa zona onde os visitantes esperam a sua vez ou trocam ideias sobre os 'achados', enquanto outro grupo celebra os seus tesouros: um pedaço de madeira, o que restou de uma cadeira amarela. Nada mais do que a cor atraiu esta visitante, espanhola a viver em Lisboa, para esse pedaço de memória.
"O que gostei foi de entrar no universo da obra em si", sublinha. "Isso gostei imenso": "É uma identificação com a obra mesmo. E agora quero levar um bocadinho desse universo para casa", diz Elsa Amatriaín. Já conhecia Los Carpinteros de Madrid ("E adoro!"), onde os artistas têm o seu estúdio. "Estar ali no meio da desconstrução como uma peça mais, pareceu-me uma ideia brilhante".
O tapete, enrolado, já não faz parte da peça. Janis Dellarte é o nome artístico da pessoa que o escolheu. "Adoro roxo, sou artista e preciso de um tapete para o meu atelier", resume. Fica claro olhando para os óculos roxos que usa, e outros detalhes dos seus acessórios, que adora roxo. É a própria que revela que é especialista em têxteis. Trabalha com tricô e bordados. "Tudo o que é roxo e têxtil é o que me atrai mais", ri-se. Terá outros usos o tapete? "Nunca se sabe".
Ricardo Conde sai finalmente da zona de intervenção na peça. Sobraram livros e escolheu dois (não há limite para o número de peças que se recolhem, exceto o do bom senso). Traz na mão O Compromisso, de Elia Kazan, e, por cima, A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas.
A associação cultural Carpintarias de São Lázaro também quis ficar com pedaços que hão de restar da obra. Cinco mil troços, nas contas dos artistas que formam o coletivo, Marco Castillo e Dago Rodríguez, que o público foi convidado a desfazer, fio a fio, peça a peça, até às 22.00 do 1º de Maio.
As Carpintarias estão encerradas a partir de amanhã, mas só para o público. Lá dentro, no espaço ainda em obras, caótico e cheio de fitas brancas e encarnadas que impedem a passagem, preparam-se para mostrar a obra do artista Alfredo Jaar, chileno a trabalhar a partir de Nova Iorque, a partir de 20 de maio. Tal como a instalação de Los Carpinteros, faz parte da programação da Capital Ibero-Americana da Cultura.
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