PCP recusa apelo da Fenprof e esvazia crise política

Minutos depois de António Costa ter mantido a ameaça de demissão, o PCP anunciou uma decisão que, na prática, acaba com a crise. Decreto da contagem de tempo vai ser chumbado por PS, PSD e CDS.
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"O PCP manterá a sua coerência." E por isso voltará a votar contra as propostas do PSD e do CDS que ligam o pagamento do tempo de carreira congelado aos professores (nove anos, quatro meses e dois dias) a princípios de sustentabilidade orçamental resultantes, nomeadamente, de compromissos europeus.

Dito de outra forma: com esta decisão, o PCP junta-se ao PS e ao BE, que também já tinham votado contra estas propostas do PSD e do CDS na especialidade (e que no dia 10 voltarão ao plenário, por imposição dos proponentes).

Ora, sendo estas normas de sustentabilidade chumbadas no plenário, PSD e CDS - como já tinham dito após a ameaça de demissão do primeiro-ministro - irão votar contra o decreto na votação final global, juntando-se assim ao voto contra do PS.

O decreto vai ser chumbado. E o primeiro-ministro deixará assim de ter pretexto para cumprir a ameaça de se demitir. A crise política - tudo o aponta agora - está esvaziada.

No comunicado ontem à noite emitido pelos comunistas, lê-se que "as propostas apresentadas por PSD e CDS significariam fixar um prazo de, no mínimo, 50 anos para a concretização da contagem integral do tempo de serviço, fazendo-a ainda depender das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento - que a impediriam - e, mais grave do que isso, abririam a porta à destruição da carreira estabelecendo na lei a revisão do Estatuto da Carreira Docente, objetivo há muito prosseguido por anteriores governos, nomeadamente pelo governo de maioria absoluta do PS com os resultados que são conhecidos".

Portanto, "o PCP manterá a sua coerência e prosseguirá a luta para que sejam adotadas soluções que correspondam à plena concretização dos direitos de todos os trabalhadores, não apenas em matéria de direito à progressão na carreira mas também de aumento geral dos salários, de combate à precariedade e à desregulação dos horários de trabalho, entre outros".

Antes deste anúncio, o puzzle revelava-se complicado e tudo dependia do PCP, do PEV e do PAN.

Fator de confusão tinha sido durante o dia o apelo do líder da Fenprof, Mário Nogueira, dirigido ao PCP e ao BE, para que se abstivessem face às normas do PSD e do CDS propondo a tal sustentabilidade orçamental subordinada à UE da contagem integral do tempo congelado aos professores. Essa abstenção permitiria a aprovação das ditas normas, o que por sua vez dava pretexto ao PSD e ao CDS para votarem a favor do novo decreto na votação final e global (que será no dia 10).

PS, PCP e BE já tinham chumbado essas normas na famosa reunião de quinta-feira passada da comissão de Educação. Mas o que agora se prevê é que os proponentes - PSD e CDS - as levem ao plenário. Face aos apelos de Mário Nogueira, o Bloco foi rápido a dizer que não: manteria o sentido de voto (contra). O PS também (porque vota contra tudo o que sejam alterações ao decreto original). E faltava saber a decisão do PCP face ao apelo de Nogueira (militante do PCP, note-se). A decisão foi de manter o sentido de voto contra - mas o comunicado do partido salvaguarda a posição da Fenprof: "Compreendendo preocupações manifestadas face à mudança de posição de PSD e CDS relativamente ao texto aprovado na comissão, o PCP reafirma que ponderou devidamente todas as votações."

Antes do anúncio do PCP de que também manterá o seu sentido de voto (contra, como os do PS e do BE), o "combate" estava renhido. Se o PCP se abstivesse, as normas de sustentabilidade orçamental propostas pelo PSD e pelo CDS tinham 107 votos a favor e 105 contra (PS+BE). Tudo ficaria portanto dependente do sentido de voto do PCP (15 deputados), do PEV (dois) e do PAN (um).

Anunciando agora os comunistas que também vão votar contra, a relação passa para 107 a favor e 120 contra (PS+BE+PCP). As normas serão chumbadas. E o sentido de voto do PEV e do PAN torna-se irrelevante. Sendo essas normas chumbadas, PSD e CDS deverão fazer o que prometeram: votar contra o decreto na votação final e global, juntando-se assim ao voto contra desde o início anunciado pelo PS.

Antes do comunicado dos comunistas, o primeiro-ministro tinha reafirmado, entrevistado na TVI, que se demitiria caso o novo decreto dos professores fosse aprovado em votação final e global.

"Se se confirmar [a aprovação do decreto dos professores], o governo não terá outro remédio" senão demitir-se, disse. "Espero que a AR não aprove na votação final global o que foi aprovado na comissão", insistiu. Até lá, aguardaria "serenamente" - mas reafirmando que compromissos legislativos no sentido de pagar aos professores tudo o que não lhes foi pago "põe em causa a sustentabilidade" orçamental e "comprometem a governabilidade" (atual e futura).

"Irresponsabilidades desta natureza têm imediata repercussão na dívida pública. Não podemos brincar aqui", afirmou. E portanto a condição que impõe é simples: "O que desejo é que não haja qualquer alteração ao decreto que o governo aprovou."

Na entrevista, Costa acaba a proteger a geringonça, dizendo que o BE, o PCP e o PEV não surpreenderam com a posição que assumiram. Quem surpreendeu foi o PSD e o CDS, que votaram o que antes não tinham aceitado.

Costa disse ainda que, com a ameaça de demissão do governo, "quis evitar um problema", ou seja, "evitar uma crise orçamental". "O que não é possível é manter esta incerteza. O que não é possível é dizer que esta decisão não tem custos, porque tem."

O dia começou com a líder do CDS, Assunção Cristas, a admitir que a semana lhe havia corrido mal. "Ai, certamente", afirmou, em entrevista à Rádio Renascença.

Questionada pelo jornalista sobre uma semana em que o candidato centrista às europeias, Nuno Melo, defendeu que o partido espanhol Vox não era de extrema-direita, em que militantes do CDS em Lisboa defenderam a pintura de passadeiras arco-íris e, por fim, em que deputados centristas acordaram com PSD, BE, PCP e PEV a contagem integral do tempo dos professores, Assunção Cristas resumiu a semana horribilis a um problema de comunicação.

"Há muito trabalho a fazer para aprender a comunicar", disse. Para logo contra-atacar: "Só tenho uma ponta de inveja do Partido Socialista porque, de facto, tem uma máquina de propaganda e de comunicação imensa. [Os socialistas] conseguem transformar uma mentira e absoluta mentira numa verdade de que toda a gente acaba por ficar convencida."

Cristas disse que, na questão dos professores, não houve recuo do CDS. "A nossa posição foi sempre a mesma, nunca mudou no último ano e meio. Nós sempre dissemos isso aos professores", isto é, sem a salvaguarda financeira, o CDS votaria "contra a lei que permite a recuperação total do tempo de serviço dos professores".

Essa salvaguarda, justificou-se, "ficou clara na votação, não ficou clara no nosso discurso". E a aplicação da salvaguarda de crescimento económico joga-se "a cada ano orçamental". Neste ponto, Assunção Cristas defendeu que, para se garantir crescimento económico, "é preciso uma baixa de impostos". "O nosso programa eleitoral vai pôr todo o foco aí."

Apesar da fotografia que junta deputados de PSD, BE, CDS e PCP, Cristas era taxativa: "Nunca estivemos ao lado das esquerdas, isto é muito importante, nós nunca estivemos ao lado das esquerdas em reposições sem calendário e sem compromissos claros."

A líder do CDS admitiu apenas um "consenso" com as esquerdas "em relação ao princípio de igualdade" dos professores com a restante função pública. Mas insistiu numa certeza que não estava expressa no resultado das votações de quinta-feira: "Sem salvaguarda nada feito", atirou. "Nunca houve nem haverá um calendário definitivo" para a reposição dos "nove anos, quatro meses e dois dias" que os professores reivindicam.

A crise política, tudo o aponta, acabará no dia 10, com o novo decreto da contagem de tempo dos professores a ser chumbado no plenário, em votação final e global, pela conjugação dos votos do PS+PSD+CDS.

Mas ficará marcada por ter surgido e ter sido extinta sem que se tenha ouvido uma palavra pública do Presidente da República mais falador desde que há presidentes eleitos. Marcelo Rebelo de Sousa, que regressou na quinta-feira a Portugal vindo da China e desde então se manteve sem agenda pública, partiu ontem à noite para Itália (uma reunião da Cotec), regressando hoje à noite. Na visão de Marcelo, este sempre foi um problema entre o governo e o Parlamento - daí o seu silêncio.

Sendo chumbado o novo decreto, fica em vigor o decreto original - decreto feito pelo governo e por este reafirmado, mesmo depois de um veto presidencial. Aos professores vão ser pagos dois anos, nove meses e 18 dias do tempo que lhes foi congelado.

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