Qual foi a última noite eleitoral feliz para Jerónimo de Sousa? Foi há seis anos, em 6 de outubro de 2015. Um domingo de eleições legislativas em que a CDU (coligação com o PEV que o PCP lidera) passou de 16 para 17 deputados eleitos, à custa de mais cerca de quatro mil votos (de 441,8 mil para 445,9 mil). A noite em que Jerónimo de Sousa disse que "nada impede o PS de formar o Governo" - caucionando assim a ideia de uma maioria de esquerda que António Costa já tinha na cabeça e que se tornaria famosa com o nome de "geringonça"..De então para cá a evolução do panorama eleitoral do PCP não passou de uma sucessão de maus resultados - e em todas as eleições que o partido foi a votos, de dimensão nacional ou nas regionais dos Açores e na Madeira (ver quadro na página ao lado)..Jerónimo de Sousa iniciou a sua liderança do PCP há 16 anos (novembro de 2004), pondo partido a crescer. Nessa altura os comunistas tinham 12 deputados e nas legislativas seguintes (2005) subiram para 14 e depois foram sempre subindo, deputado a deputado, até aos 17 de 2015 (embora pelo meio o partido tenha sido ultrapassado pelo BE). A reta final da sua liderança tem sido porém marcada por constantes derrotas..A última foi pequena em número de votos mas grande em dimensão política: o PCP deixou de ter representação no Parlamento açoriano. Em contrapartida, entraram o Chega, o PAN e a Iniciativa Liberal. Símbolo do desastre foi o resultado obtido pessoalmente nessa eleição pelo líder regional dos comunistas açorianos. Marco Varela decidiu ser candidato pelo Corvo. Resultado: teve dois votos. E nenhum, aliás, foi dele. Varela votou no Faial, ilha onde o partido falhou uma aposta forte em Paula Decq Mota, filha do líder histórico dos comunistas dos Açores, José Decq Mota, agora já retirado das lides..É assim que o PCP vai chegar ao seu XXI Congresso, no próximo fim de semana, no Pavilhão Paz e Amizade, em Loures: há seis eleições consecutivas a perder votos, numas eleições mais do que noutras - mas sem exceção em todas as que enfrentou. A primeira dessas derrotas (presidenciais de janeiro de 2016) ainda ocorreu na "legislatura" comunista anterior, antes do XX congresso, mas todas as outras foram depois, no mandato que agora vai terminar: uma em 2017 (autárquicas), três em 2019 (europeias, legislativas e regionais da Madeira) e agora a dos Açores, em 25 de outubro..Nas "Teses - Projeto de Resolução Política" que as estruturas do partido têm discutido desde há semanas analisam-se quatro destas destas cinco "batalhas eleitorais" (as regionais dos Açores foram depois do documento estar escrito e distribuído)..O PCP justifica as derrotas carregando nos adjetivos quando fala das responsabilidades alheias: as várias eleições decorreram num "quadro de intensa e prolongada campanha anticomunista em que o silenciamento imposto à intervenção do PCP se somou à promoção de outras forças políticas"..Mas quando fala das suas próprias responsabilidades alivia, falando apenas, sem pormenorizar, em "insuficiências e debilidades de natureza diversa que importa avaliar, corrigir e superar". E salientando, pelo meio, que o partido conseguiu "resistir à tentativa de erosão eleitoral até patamares que alguns haviam inscrito como "inevitáveis""..Nas autárquicas de 2017 a CDU perdeu dez câmaras (em 34) e mais de 60 mil votos. Mas para um partido para quem o PS não é de esquerda o que há a sublinhar é que ficou à frente do BE: "O resultado das eleições autárquicas de 1 Outubro de 2017 confirma a CDU como a grande força de esquerda no Poder Local.".A lista das dez câmaras perdidas é publicada (Alandroal, Alcochete, Almada, Barrancos, Barreiro, Beja, Castro Verde, Constância, Moura, Peniche) e essas perdas são registadas numa palavra: "negativamente". Mas sem explicações. Aliás, para o PCP, quem perde com as suas derrotas não é o partido: estas derrotas constituíram "sobretudo uma perda para as populações"..As últimas europeias constituíram, em valor absoluto de perda de votos, a maior derrota do mandato da atual direção: 188 mil a menos face às europeias de 2015 (ou seja, 45% a menos, quase metade, portanto)..Mais uma vez, as "Teses" em discussão nada explicam, registando apenas a "redução da votação e de um deputado". Mas sublinhando que, mantendo dois eurodeputados (tinha três), o partido manterá no Parlamento Europeu "uma importante representação que assumirá todos os combates pela justiça social, o progresso, a soberania, a cooperação e a paz", dando assim "continuidade ao notável trabalho" que já se vinha a desenvolver..Face às eleições regionais da Madeira, realizadas em setembro de 2019, o partido elabora um pouco mais. Tendo a CDU perdido um dos dois eleitos que tinha, considera-se que este foi "um resultado que, sem iludir a perda de um deputado e a redução da votação, não pode ser observado à margem de uma intensa e artificial operação de bipolarização e da dispersão de candidaturas estimuladas para facilitar os objectivos de PS e PSD na Região"..E, por último, as legislativas (outubro de 2019). A CDU obteve o seu pior resultado de sempre. Nunca a bancada comunista somada à do PEV somou tão pouco (ver quadro). Tradução em "comunistês": registou-se uma "redução da sua expressão eleitoral e do número de deputados eleitos", o que "constitui um factor negativo para o futuro próximo da vida do país"..Mas as eleições ficaram "marcadas", isso sim, "pela não obtenção pelo PS da maioria absoluta", tudo ocorrendo "num quadro em que PSD e CDS viram confirmada a sua condenação". De resto, "são de registar ainda alterações da composição da Assembleia da República, quer pela constituição de um grupo parlamentar do PAN quer pela eleição pela primeira vez de uma representação do Livre, da Iniciativa Liberal e do Chega.".As "Teses" incluem também considerações sobre as "próximas batalhas eleitorais", que se irão realizar "num contexto complexo, exigente, marcado pela promoção de forças e projectos reaccionários e demagógicos, pelo reavivar da bipolarização e pelo agravamento da situação económica e social do País"..As próximas eleições presidenciais (janeiro de 2021) são definidas como uma "oportunidade importante para a afirmação e defesa da Constituição e dos valores de Abril que lhe estão associados"..Quanto às eleições autárquicas (outubro de 2021), o objetivo é definido apenas como de "consolidação e reforço da CDU" - pretendendo-se "concorrer a todos os órgãos municipais e ao maior número de freguesias possível"..Sobre as próximas legislativas - em 2023, se a legislatura não for interrompida - o que os comunistas prometem é "um esforço acrescido de afirmação e alargamento da base de apoio à alternativa patriótica e de esquerda de que o PCP é portador". Sendo que esta "política alternativa" , com o respetivo "governo que a concretize", "estará tão mais próxima de concretização quanto mais forte for o PCP," na sua "intervenção, organização e influência social" mas também " eleitoral e política"..O XXI congresso dos comunistas vai realizar-se no mesmo contexto do que a Festa do Avante!: sob fortes ataques dos partidos à direita do PS, sobretudo PSD e CDS - porventura agora reforçados pelo agravamento geral da situação da pandemia..Tenderá, assim, a ser politicamente o que foi a Festa do Avante! - uma celebração da sua própria realização e do espírito de resistência dos comunistas às adversidades (discurso onde será sempre inserida a referência aos quase cem anos de existência do PCP). Isto, claro, se não forem avançadas novidades sobre a transição na liderança do partido - matéria até agora tabu..Como é hábito, os comunistas já fizeram saber que irão cumprir com disciplina exemplar todas as regras de segurança sanitária. Por exemplo: os congressistas não terão as habituais mesas corridas, apenas cadeiras (só os membros dos órgãos executivos terão esse privilégio). O número de delegados foi reduzido a 600 e todo o espaço será usado, incluindo as bancadas, com respeito pelas distâncias de segurança. O congresso não terá convidados e haverá circuitos de entrada, circulação e saída de delegados e dirigentes do partido.