O PCP quer travar o diploma do governo que permite transferir para propriedade pública os terrenos que não tenham dono conhecido e acusa o executivo de António Costa de ter "fobia à pequena propriedade". Para os comunistas a nova lei é "uma tentativa despudorada de espoliação de pequenas propriedades" que afetará sobretudo "pequenos proprietários, idosos, emigrantes" e a população rural, que serão "penalizados e espoliados do que é seu por direito"..O diploma do governo prevê que os terrenos sem dono conhecido fiquem sob administração do Estado durante 15 anos. Nesse período podem ser arrendados a terceiros, mas não vendidos. Se ao fim de década e meia ninguém os reclamar revertem definitivamente para o domínio público. Se, pelo caminho, o proprietário provar a titularidade de terreno, este será restituído sem encargos.."Não é aceitável que, depois de as populações do interior e do mundo rural terem sido abandonadas à sua sorte, de lhes terem sido roubados os serviços públicos, os empregos, e até as juntas de freguesia, depois de as terem empurrado para a emigração, até as parcelas de terreno, que gerações tentaram amealhar, lhes sejam agora retiradas", argumenta a bancada comunista, no texto da apreciação parlamentar..O facto de a tomada de posse pelo Estado ser provisória durante 15 anos não descansa o PCP: "No caso do legítimo dono aparecer passado um ano, no caso do prédio usurpado estar já arrendado, o legítimo proprietário não apenas tem de assumir um contrato em que não teve intervenção como ainda terá de pagar benfeitorias que não pediu.".PCP contra proposta do governo, parte II.Não é a primeira vez que o PCP se atravessa no caminho do governo nesta matéria. Em 2017 esteve em discussão na Assembleia da República uma proposta semelhante àquela que agora foi aprovada pelo executivo, mas, apesar de ter sido objeto de negociações entre os partidos da geringonça, a proposta acabou então chumbada pelo voto conjunto do PCP, PSD, CDS e PEV. Na altura, o governo queria colocar as terras sem dono num banco de terras, uma situação que a bancada comunista nunca aceitou. Na nova lei, que já não passou pelo Parlamento, é criada uma empresa pública para gerir as terras sem dono registadas a favor do Estado..Para o grupo parlamentar comunista, o facto de não haver um registo de propriedade de um terreno não pode levar à conclusão de que este não tem dono, dado que em muitos casos as terras passaram de geração em geração sem que os registos fossem atualizados. Assumir que a falta de registo é sinónimo da não existência de um proprietário demonstra a "falta de conhecimento da realidade dos territórios e aldeias do interior do país, ancestralmente habituadas ao amanho das suas propriedades, em que em muitos casos a 'oficialização' registral era secundarizada", dizem os comunistas..A questão das terras sem dono está ligada à implementação do sistema de informação cadastral simplificado, que se iniciou em novembro de 2017, com um projeto-piloto em dez concelhos afetados pelos incêndios de 2017 - Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Góis, Pampilhosa da Serra, Penela, Sertã, Caminha, Alfândega da Fé e Proença-a-Nova. Este sistema tem como objetivo definir a localização exata dos prédios rústicos e mistos, e os seus limites, permitindo também uma representação gráfica georreferenciada - o objetivo último é que se estenda a todo o território nacional. No âmbito deste sistema foi criado um procedimento especial para o registo de terrenos omissos, por forma a identificar a titularidade das propriedades que não constam da base de dados do registo predial..Para o PCP, isto não chega. "É preciso referir que o governo, no âmbito do processo de cadastro simplificado, ficou de fazer uma avaliação da situação no fim do primeiro ano. E dessa avaliação pode concluir-se que o fundamental está por fazer, registando-se resultados muito distintos entre os diferentes concelhos já analisados", escrevem os comunistas, defendendo que resultados tão distintos "impõem que primeiro se avalie e situe a realidade de que se está a falar e dimensionar a questão dos denominados prédios sem dono conhecido e então depois se faça a lei"..De acordo com dados avançados há poucos dias pelo Ministério da Justiça à Lusa, o projeto-piloto permitiu a georeferenciação de 51,3% da área total dos dez municípios, tendo sido registados cerca de 21 800 prédios rústicos. "Embora não possa ser considerada terra sem dono, temos neste momento identificada a terra em relação à qual não foi identificado proprietário", indicou o Ministério da Justiça, sem revelar o número de prédios nesta situação..A proposta de lei para alargar o Sistema de Informação Cadastral Simplificada a todo o território português foi a plenário a 21 de dezembro, no Parlamento, e baixou ao trabalho em comissão sem ir a votos. Está atualmente em fase de audições num grupo de trabalho criado especificamente para discutir esta matéria.