Entrar na Comic Con Portugal neste ano vai ser um pouco como entrar na Nova Iorque do universo Marvel. No pórtico de entrada estarão a Torre de Os Vingadores, o Sanctum Sanctorum, o edifício onde mora Dr. Stranger, ou o Baxter Building que aparece nas histórias do Quarteto Fantástico, entre muitos outros locais icónicos. Será um aviso aos visitantes: depois da morte de Stan Lee, em novembro do ano passado, esta edição da Comic Con Portugal, que se realiza a partir de quinta-feira no Passeio Marítimo de Algés, presta homenagem ao histórico autor e editor da Marvel..Para além do pórtico, haverá uma exposição e vários painéis dedicados à obra de Stan Lee e, preparem as máquinas fotográficas, muitas das suas personagens vão andar à solta pelo recinto do evento. "Era o mínimo que poderíamos fazer", diz Paulo Rocha Cardoso, o diretor da Comic Con Portugal. "Sem Stan Lee não existiria Comic Con. A Comic Con começa em 1970 em San Diego com alguém que quer trocar bandas desenhadas." A homenagem terá certamente um toque especial, uma vez que Paulo Rocha Cardoso era um grande fã de Stan Lee: "Foi ele que me fez gostar deste universo, foi a pessoa que fez a diferença em mim."..Em outubro de 2016, Paulo Rocha Cardoso estava em Nova Iorque e recebeu o convite de um amigo para participar num evento. Ele não sabia que nesse dia o mayor de Nova Iorque iria anunciar a criação de um "Dia de Stan Lee" nem poderia imaginar que o próprio Stan Lee iria ali estar. "Toda a gente me pergunta como é que foi ir pela primeira vez à Comic Con, em San Diego, e foi incrível, foi como quando um miúdo vê pela primeira vez um jogo da sua equipa de futebol ou um concerto da sua banda preferida, foi muito emocionante. Mas, para mim, o dia mais importante foi este em que conheci o Stan Lee. Esse é que era o sonho." O outro sonho - o de trazer Stan Lee à Comic Con Portugal - acabou por não se concretizar, apesar de, todos os anos, desde a primeira edição em Portugal, em 2014, ter tentado..Um geek fã de X-Men.Desde miúdo, Paulo Rocha Cardoso sempre foi "um geek". Um geek é, como saberão todos os que veem a série A Teoria do Big Bang, alguém que se interessa muito por assuntos científicos ou tecnológicos. Paulo lia muito, gostava muito de cinema e televisão e, acima de tudo, gostava muito de banda desenhada e de videojogos. Assim que teve o seu primeiro computador, um Spectrum, não descansou enquanto não conseguiu programar, nem que fosse uma coisa muito simples, no Hello, World!. "Foi uma sensação incrível, poder dizer eu fiz isto, eu criei isto!", recorda o CEO da Comic Con Portugal, atualmente com 42 anos..Mas, acima de tudo, o seu maior interesse era a banda desenhada. Ele lia todo o tipo, sem distinção de géneros ou de estilos, desde os livros do Tintin e do Lucky Luke às histórias da Disney que na altura eram publicadas em Portugal pela editora brasileira Abril. Mas a sua BD preferida, tem de admitir, era a que tinha super-heróis. "Era um ávido consumidor de X-Men, do Super-Homem, do Homem-Aranha. Fazia as coleções e ficava todas as semanas à espera que um número novo aparecesse no quiosque", conta. Esses livros e revistas, muito lidos e até um pouco estragados, continuam ainda hoje nas estantes da sua casa.."A banda desenhada moldou muito daquilo que é a minha personalidade", admite. "Os super-heróis eram os meus ídolos e aprendi com eles os valores, a vontade de fazer o bem e de mudar o mundo." Na juventude, quando teve de fazer escolhas na sua vida, muitas vezes recorreu aos exemplos dos seus super-heróis: "Muitos dos super-heróis não têm poderes, o que os torna diferentes são as escolhas que eles fazem. Na nossa vida também podemos escolher fazer o bem ou fazer o mal.".Não é à toa que a banda desenhada é considerada a nona arte, diz. "Há um argumento, uma história que é escrita por um autor. E depois há um ilustrador que dá corpo àquele universo e que cria os planos para dar um maior suspense à história. É como ver um filme em páginas de livro. E isso atraía-me muito, mais do que os filmes", conta. Isso só começou a mudar em 2008 quando viu Iron Man, que foi o primeiro filme produzido pela Marvel.."Já tinha havido outros filmes de super-heróis, como o Super-Homem ou o Homem-Aranha, mas sentíamos sempre que faltava alguma coisa. Este veio mudar tudo porque a Marvel tomou conta da criatividade dos filmes e tornou-os parte do seu universo", explica. "Foi a partir daqui que esta categoria se tornou tão importante no cinema. E eu acredito que não é passageira. Não é como outros géneros que já existiram - como os filmes de cowboys ou de vampiros, que entretanto desapareceram. O mundo dos super-heróis não vai deixar de existir porque nós todos crescemos com estas personagens e este universo tem a capacidade de nos emocionar como nenhum outro.".Antes de ser o homem da Comic Con Portugal, Paulo Rocha Cardoso andou à procura da sua vocação no curso de Direito e depois do curso de Engenharia Informática. Acabou por descobrir que o que gostava, afinal, era de Marketing. Já trabalhava nesta área quando viu Iron Man e foi também mais ou menos por esta altura que foi pela primeira vez a uma convenção da Comic Con, a San Diego. E embora diga que nessa altura ainda não sonhava em trazer a convenção (con é a abreviatura para convenção) para Portugal, é justo dizer que foi aí que tudo começou..O sonho tornado realidade.A Comic Con Portugal começou oficialmente a nascer em 2013. "Tivemos muitas, muitas, muitas reuniões em que nos disseram que não, que não era possível, que isto não ia acontecer", conta Paulo Rocha Cardoso. "Primeiro imagina-se o sonho e depois vive-se o pesadelo. Foi preciso lutar muito." Foi preciso convencer os parceiros estrangeiros de que Portugal valia a pena e depois também conquistar os parceiros nacionais, para pôr de pé a primeira convenção na Exponor, em Matosinhos, em 2014. Depois de quatro edições de sucesso, no ano passado o evento mudou-se para o Passeio Marítimo de Algés..Portugal não tem propriamente uma indústria de entretenimento popular, mas aqui temos acesso a tudo o que se faz nos outros países. E esse acesso é cada vez mais fácil, o que permite o desenvolvimento de nichos e subculturas muito diversificadas, com fãs que estão em perfeita sintonia com milhões de outras fãs do resto do mundo. Isso acontece tanto no cinema como na literatura, na televisão ou na banda desenhada. "A Comic Con é o evento da indústria. É claro que sabemos que temos um mercado muito pequeno, nunca iremos ter uma grande apresentação de Vingadores ou de X-Men em Portugal. Mas o programa é pensado com os parceiros portugueses e com aquilo que faz sentido para o público português. Na Comic Con Portugal a palavra-chave é Portugal", assegura o responsável..É por isso que alguns dos nomes mais esperados são os atores de séries como Casa de Papel , Stranger Things ou Walking Dead . "Não faz sentido trazer atores de séries que não passam em Portugal ou que passam mas não têm muita adesão", explica Paulo Rocha Cardoso..Nesta edição, o evento terá uma organização bastante diferente do que era habitual. Em vez de o recinto estar dividido por temas (cinema, televisão, banda desenhada, literatura, anime, manga, cosplay, música, kids, new media, youtubers) vai estar dividido em três grande áreas: uma área de programação (onde acontecem as apresentações, os debates, as sessões de autógrafos, etc.), um grande centro comercial (onde será possível comprar todos os produtos colecionáveis, alguns deles exclusivos para Portugal) e uma outra área de experiência - e aqui podem acontecer coisas como experimentar jogos, participar em concursos e ver filmes, e outras mais incríveis como "dar um salto e experimentar voar como um super-herói". .Ao contrário dos eventos mais específicos (como aqueles que se dedicam só ao universo do gaming e dos youtubers, ou os festivais de cinema, ou os encontros de cultura japonesa), a Comic Con pretende ser abrangente e juntar num só espaço as grandes referências do momento de cultura pop. "Cultura pop é algo que é reconhecido por todos, é das massas", explica Paulo Rocha Cardoso. "Quando vemos um símbolo do Batman não precisamos que tenha legenda, já sabemos o que é. A cultura pop é isso mesmo, é uma linguagem universal.".Essa diversidade é um dos segredos do sucesso da Comic Con, assegura. "Nós conseguimos ver princesas da Disney abraçadas a Darth Vaders, ou Sailor Moons agarradas a Tartarugas Ninja ou a personagens de Star Wars. O nosso lema é 'Be whatever you want' - podes ser o que tu quiseres. Na Comic Con todos os universos se unem. Não há ninguém que possa sentir-se desenquadrado ali, porque há sempre alguma coisa que nos interessa.".A poucos dias de começar mais uma edição da Comic Con, Paulo Rocha Cardoso divide-se entre o fã entusiasmado que vai ver a montagem no recinto e não resiste a "abraçar um dinossauro" e o CEO que está sempre a receber chamadas telefónicas e tem de pensar em todos os pormenores do evento. "Existe o fã e existe o empresário, são coisas diferentes. O fã está sempre a querer o impossível, o empresário tem de fazer o que é possível." Nos últimos anos, Paulo Rocha Cardoso habituou-se a esta confusão entre trabalho e lazer, o que é bom porque faz algo de que gosta muito mas também tem os seus inconvenientes: "Ir ver um filme nunca é só lazer e quando vou a um evento estou sempre a pensar no que poderia trazer para cá." Se tudo correr bem, haverá muito mais edições de Comic Con Portugal, mas Paulo Rocha Cardoso já tomou uma decisão para o futuro: "A primeira coisa que eu vou fazer quando sair deste universo é ir a uma Comic Con como fã. Só para desfrutar."