Paulo Guedes passa de "superministro" a "super superministro" de Bolsonaro
Todas as manhãs, Jair Bolsonaro sai de casa, no Palácio do Alvorada, em Brasília, e detém-se uns minutos a falar com a imprensa, perante uma pequena claque que aclama o presidente da República e injuria os jornalistas. É um ritual que gosta de fazer sozinho, embora de vez em quando se faça acompanhar - até já levou uma vez um humorista ao local. Na segunda-feira, ainda se sentiam os efeitos da ressaca da demissão do ministro da justiça Sergio Moro, resolveu convidar Paulo Guedes, o titular da economia.
"Acabei mais uma reunião aqui tratando de economia e o homem que decide economia no Brasil é um só, chama-se Paulo Guedes. Ele nos dá o norte, as recomendações e o que nós realmente devemos seguir", afirmou Bolsonaro, antes de dar a palavra a Guedes, um dia apelidado de "superministro" pela imprensa e de "posto ipiranga" pelo presidente, numa alusão local a alguém que tudo sabe e tudo resolve.
O movimento do presidente da República é compreensível: com a saída de Moro, que afastou definitivamente a ala pro-Operação Lava Jato do governo, só sobra Guedes, um tubarão do mercado financeiro de 70 anos, conhecido por defender políticas ultraliberais na economia, ao não fosse ele um veterano da Universidade de Chicago, como pilar de credibilidade ao lado de Bolsonaro.
Os generais geram mais desconfiança do que credibilidade, num país saído há 30 anos de uma ditadura militar, e os ministros mais elogiados, da agricultura ou da infraestrutura, são considerados técnicos sem apelo popular.
Entretanto, Luiz Henrique Mandetta, que ganhou muita simpatia popular durante a crise no coronavírus, demitiu-se da Saúde por defender as recomendações da organização mundial, ao contrário do presidente.
Sobram a ala ideológica, representada pelos folclóricos e fanáticos titulares da educação, relações exteriores ou ambiente, e Guedes.
"Em meio ao turbilhão de atos e declarações estapafúrdias das últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro mostrou ao menos um lampejo de sensatez ao esvaziar uma crise que se insinuava na condução da política económica", resumiu o editorial do jornal Folha de S. Paulo, considerado pelo Palácio do Planalto o mais hostil ao executivo.
A tentativa de Bolsonaro agradar Guedes não surge, portanto, apenas no contexto da perda do ponto de vista eleitoral da saída Moro. O titular da economia estava inconformado, como nunca, desde o início do seu trabalho, com o presidente e com a ala fardada do Planalto.
Foi aos militares, e não aos neo-liberais do governo liderados por Guedes, que Bolsonaro entregou a missão da condução da recuperação da economia face à pandemia. E esses mesmos militares pretendiam levar adiante um programa de obras que poderia ampliar os gastos públicos em 215 mil milhões de reais [perto de 40 mil milhões de euros] até 2024.
Adepto ferrenho da redução do tamanho do estado e da despesa pública, Guedes, em surdina, apelidou o plano de "Dilma 3", numa alusão aos projetos com forte investimento estatal promovidos pela presidente Dilma Rousseff, do esquerdista PT, no primeiro e no segundo mandatos.
Com Guedes a "dar o norte", citando Bolsonaro, o governo mantém sob controlo a Faria Lima [equivalente à Wall Street norte-americana], onde já se falava em impeachment: consultorias do mercado financeiro de São Paulo dispararam para os contatos dos seus clientes relatórios sobre as regras da Constituição para a substituição do presidente da República quando a saída se dá na primeira metade do mandato, revelou a revista Época.
Porque o panorama económico brasileiro - e não só brasileiro - vem deixando todos os agentes alerta. Antes da pandemia, o desempenho da economia (leia-se de Guedes e de Bolsonaro) já era uma desilusão, com o preço do dólar a bater recordes e o PIB a crescer tímidos 1,1 em 2019.
Mas após o coronavírus, o Focus, relatório do Banco Central que compila as projeções de mais de 100 economistas de bancos, de corretoras, de agências de câmbio e de outros participantes do mercado financeiro e do setor empresarial mostra como as expectativas do mercado são de queda do PIB brasileiro em 2020.
Segundo o Nexo Jornal a projeção do Focus, registada em abril, foi de uma retração de 1,96%.
Uma queda, ainda assim, consideravelmente menor do que a prevista pelo Banco Mundial e pelo FMI.
O Banco Mundial lançou um estudo dia 12 a prever uma queda de 5% do PIB brasileiro em 2020, com base, sobretudo, na queda das exportações, na redução do preço do petróleo e nos efeitos, claro, do combate financeiro ao coronavírus.
Da mesma forma, o FMI divulgou dois dias depois a projeção de que a economia brasileira deve encolher 5,3% em relação ao já fraco resultado de 2019.
Em resumo, se as previsões dos órgãos internacionais se concretizarem, o ano de 2020 irá tornar-se o pior para a economia brasileira desde o início do século 20, a partir de quando há dados disponíveis: de 1901 até 2019 nunca a atividade económica brasileira, medida pelo PIB, caiu mais do que 5% em um ano, apesar das guerras, da Grande Depressão, das crises financeiras e da hiperinflação de 1990.
Esse ano, decisivo para a queda de Collor de Mello, é o de pior desempenho de sempre, seguido de 1981, de 2015, decisivo para a queda de Dilma, e de 1931.
É nesta soma de contextos - o eleitoral, para diminuir o impacto da saída de Moro, o político, tirando os generais do caminho e devolvendo aos neo-liberais o poder de decidir sobre a crise, e económico, com a ameaça de resultados negativos recorde - que se enquadra a declaração de amor de Bolsonaro a Guedes, cada vez mais um super superministro.
Mas o presidente fizera declarações do tipo a Moro - e o resultado está a vista.
"Guedes herdou a carta branca de Moro", sintetizou o jornalista Elio Gaspari em O Globo. "Quando Bolsonaro diz que Paulo Guedes é "o homem que decide a economia", isso significa que, quando for o caso, poderá ser descartado, com a mesma argumentação usada para defenestrar Sergio Moro".