Passivo das câmaras baixou, mas há 30 que se endividaram mais
As dívidas das autarquias caíram no ano passado para o valor mais baixo em 11 anos, mas, apesar das limitações impostas pela lei e dos vários programas de regularização aprovados nos últimos anos, há 30 câmaras que agravaram o endividamento num montante total de 43 milhões de euros.
Ao todo, de acordo com a análise do DN/Dinheiro Vivo aos dados publicados no Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses 2016, publicado pela Ordem dos Contabilistas Certificados, 278 autarquias conseguiram reduzir o seu passivo, encolhendo o endividamento global das câmaras para 5,1 mil milhões de euros em 2016. É o valor mais baixo desde 2005.
São menos 1,5 mil milhões (-22,7%) do que no final de 2013, ano em que se realizaram as últimas eleições autárquicas. Se recuarmos ainda mais no tempo, verificamos que o passivo global baixou 2,8 mil milhões face a 2009, embora o endividamento tenha sido agravado em 33 municípios.
Recorde-se que em 2012, já com a troika em Portugal, o governo de Passos Coelho e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) acordaram a criação do Programa de Apoio à Economia Local (PAEL). Um programa que estabeleceu uma linha de crédito de mil milhões de euros para as autarquias poderem regularizar o pagamento das suas dívidas mais antigas (mais de 90 dias), ficando sujeitas à execução de um plano de ajustamento financeiro.
No total, 103 municípios recorreram a esta linha de apoio financeiro entre 2012 e 2015. No ano passado não houve qualquer utilização, ano em que só se procedeu a amortização do capital em dívidas. Destas 103 autarquias, 20 acabaram de liquidar o capital em dívida em 2016, estando 397,2 milhões de euros ainda em dívida em dezembro do ano passado.
Em 2008, já tinha sido aprovado outro programa com o mesmo fim: o Programa de Regularização Extraordinária de Dívidas do Estado (PREDE), que apoiou 92 municípios com mais de 201,3 milhões de euros. No final de 2016 ainda estavam por amortizar 93,4 milhões .
Lamego foi a que mais aumentou
A lista das autarquias que viram o seu passivo aumentar nos últimos quatro anos é liderada pela Câmara de Lamego. Esta autarquia de média dimensão do distrito de Viseu tinha um passivo exigível de 39,8 milhões de euros no final de 2016, mais 10,3 milhões do que em 2013. Isto apesar de ter recebido 6,4 milhões de euros no âmbito do PREDE e de ter recorrido ao PAEL.
Questionado pelo DN/Dinheiro Vivo, o gabinete de comunicação da autarquia presidida por Francisco Lopes (coligação PSD/CDS), começou por afirmar que "a dívida total, considerando a dívida do município e as responsabilidades das empresas municipais e participadas, baixou de 31 de dezembro de 2015 para o final do ano passado, contrariamente ao que indicia o anuário financeiro". Os dados do anuário indicam que o passivo subiu 9,2 milhões face 2015.
"Como a dívida total é a soma da dívida do município com a dívida ou responsabilidade do município nas empresas locais e participadas, com a extinção das empresas municipais Lamego Convida e Lamego Renova, a dívida destas empresas deixou de estar contabilizada em participações e passou a integrar, de facto, a dívida direta do município. Assim, aumentou a dívida direta do município mas desceu a do setor local, resultando uma melhoria global em 2016, com a redução de 1 673 754euro euros", explica o gabinete de imprensa.
A nota refere ainda que "quanto à dívida da parceria público-privado Lameurbe SA, na qual o município detém uma participação de 20% do capital e em que decorre uma eventual responsabilidade de 1 667 751 euros, já foi decidido alienar esta participação, pelo que este valor irá também deixar de contar para a dívida do município", reduzindo-a.
Depois de revelar que a dívida total da câmara deverá fixar-se em 37,5 milhões de euros no final de 2017, a autarquia faz questão de defender que "o critério mais adequado para aferir o verdadeiro peso da dívida é a capacidade do município em cumprir com todas as suas obrigações, o que acontece com Lamego, que não tem faturas por pagar a mais de 90 dias e terminou o ano de 2016 com um prazo médio de pagamentos de 56 dias".
O segundo lugar da lista é ocupado por Matosinhos - a câmara presidida por Eduardo Pinheiro fechou o ano de 2016 com um passivo de 62,8 milhões de euros, um acréscimo de 9,3 milhões face a 2013. No terceiro posto surge a pequena câmara de Vila do Porto, na ilha de Santa Maria, nos Açores, com um agravamento de 4,1 milhões para 4,9 milhões.
Entre as restantes autarquias cujo passivo aumentou destaque para as câmaras que chegaram a receber apoios do PREDE. Foi o caso da Azambuja, Caminha e da Maia. Neste último caso, o financiamento daquele programa ascendeu a 12,5 milhões. No final de 2016, esta autarquia do distrito do Porto, liderada por Bragança Fernandes (PSD), tinha um passivo de 50,6 milhões, mais 597,3 mil euros do que em 2013. Refira-se, no entanto, que em 2007 o passivo era de 105,4 milhões e foi sucessivamente baixando até aos 37,6 milhões em 2014. No ano seguinte voltou a aumentar para 44,4 milhões e o ano passado novamente para 50,6 milhões.
Lisboa com a maior redução
A câmara que registou a maior redução foi a de Lisboa, liderada por Fernando Medina (PS), ainda que continue a ser a autarquia com o passivo mais elevado. No final de 2016, atingia os 636,1 milhões de euros, uma descida de 103,8 milhões face a 2013. Se compararmos com 2009, a diminuição foi ainda mais significativa: 532,4 milhões de euros.
Nos lugares seguintes aparecem Sintra, Porto, Cascais, Funchal e Vila Nova de Gaia (ver infografia). Neste último caso, e apesar de ter reduzido o passivo em 31,2 milhões face a 2013, o município liderado por Eduardo Vítor Rodrigues (PS) continua a ser a segunda autarquia com o maior passivo: 170,1 milhões. Posição, diga-se, que ocupa desde 2006. Confrontado com estes dados, o socialista explicou o aumento com empréstimos bancários, garantindo que a dívida aos fornecedores tem vindo a diminuir (ver entrevista ao lado).
O DN/Dinheiro Vivo tentou obter ainda um comentário do presidente da Câmara de Santa Cruz das Flores, nos Açores, a autarquia com o passivo mais baixo, mas sem sucesso até ao fecho desta edição. O passivo desta pequena autarquia açoriana foi de 264,9 mil euros no final de 2016, uma descida de 316,7 mil euros face a 2013.
Os autores do anuário, coordenado por João Carvalho, professor universitário e presidente do colégio de contabilidade pública da Ordem dos Contabilistas Certificados, destacam a descida da dívida a médio e longo prazo em 2016 para 3699,2 milhões de euros (-10,4%), sendo 2468,3 milhões referentes a dívidas a instituições de crédito e 583,1 milhões referentes a dívidas dos programas lançados pelo Estado.
A descida da dívida a curto prazo para 1233,2 milhões em 2016 é outro dos pontos positivos apontados. "O rácio da dívida total dos municípios/média da receita corrente cobrada nos últimos três exercícios foi de 52%, sendo um bom indicador da melhoria da situação global de endividamento das autarquias, não só porque diminuiu em relação ao ano anterior como também está muito abaixo do limite permitido pela Lei das Finanças Locais de 150%."