Parlamento. Regressam os dias das agendas fraturantes
A discussão da eutanásia prossegue no Parlamento. Com vários projetos já aprovados na generalidade e agora em discussão na especialidade, os deputados voltam nesta quinta-feira ao tema. Desta vez, porém, o que está em causa é uma proposta de referendo.
O que está em cima da mesa é uma resolução que propõe uma pergunta: "Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?" A resolução, por sua vez, nasceu de uma iniciativa popular dinamizada por movimentos católicos.
O destino da iniciativa já é conhecido: não vai haver referendo nenhum. Quando a resolução for a votos, na sexta-feira, a esquerda toda unida - PS, BE, PCP, PEV e PAN - votará contra. Isto para não falar do presumível voto contra também das duas deputadas não inscritas, Joacine Katar Moreira (ex-Livre) e Cristina Rodrigues (ex-PAN).
À direita, só há a certeza dos votos a favor do CDS (cinco deputados) e do deputado único do Chega. Segundo a Lusa, o deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, só anunciará o seu sentido de voto no debate. No PSD há liberdade de voto, uma decisão tomada na segunda-feira passada numa reunião da Comissão Política Nacional do partido. Já na votação na generalidade dos diplomas despenalizadores da morte assistida isso tinha acontecido.
A procriação medicamente assistida (PMA) volta nesta sexta-feira a debate, com quatro propostas que visam permitir a inseminação pós-morte - ou seja, que um processo já iniciado possa prosseguir ainda que, de permeio, ocorra a morte do parceiro.
A inseminação pós-morte já é permitida pela lei portuguesa, mas apenas nos casos em que já se realizou o ato de inseminação. "É lícita a transferência post mortem de embrião para permitir a realização de um projeto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai, decorrido que seja o prazo considerado ajustado à adequada ponderação da decisão", diz expressamente o texto da lei, que também é claro a vedar esta hipótese nos casos em que, à data da morte, a inseminação não tenha ocorrido.
"Após a morte do marido ou do homem com quem vivia em união de facto, não é lícito à mulher ser inseminada com sémen do falecido, ainda que este haja consentido no ato de inseminação", estabelece o atual quadro legal.
É precisamente este artigo que PS, BE e PCP querem retirar da lei, prevendo expressamente a possibilidade de inseminação após a morte. E, em todos os casos, com um artigo a ressalvar que a medida se aplica a situações já existentes. Não é por acaso: na origem deste processo legislativo está o caso concreto de uma mulher que pretende engravidar do marido que morreu, mas que não o pode fazer por impedimento legal.
A história de Ângela Ferreira foi dada a conhecer numa minissérie documental emitida na TVI. À Lusa, Ângela contou que o marido, de 29 anos, morreu vítima de cancro a 25 de março de 2019, quando o casal estava em processo de fertilização, que tinha iniciado por temer que os tratamentos agressivos contra o tumor os impossibilitassem de ter filhos. Hugo, o marido, deixou um documento escrito autorizando a continuidade do processo de PMA.
Só que a lei não o permite, e Ângela Ferreira começou então uma batalha pessoal para alterar o atual quadro legal. Lançou uma petição pública sobre o tema, que chegou ao Parlamento com 98.500 assinaturas. Depois lançou uma iniciativa legislativa de cidadãos (uma figura legal que permite aos cidadãos apresentar projetos legislativos à Assembleia da República) que rapidamente alcançou as 20 mil assinaturas necessárias para ser admitida. Esta iniciativa estará hoje também a discussão, em paralelo com os projetos dos partidos.
A discussão que decorre nesta tarde no plenário da Assembleia da República já esteve agendada, em março, mas acabou adiada por causa da pandemia de covid-19. Com projetos em tudo semelhantes de PS, BE e PCP, a medida vai ser aprovada - o PS vai votar a favor das várias propostas.
Menos certo é o destino de dois outros projetos de lei, do BE e do PAN, sobre a gestação de substituição. A possibilidade de uma mulher gerar um filho de terceiros já esteve prevista na lei portuguesa (foi aprovada no Parlamento em 2016), mas o Tribunal Constitucional (TC) pronunciou-se por duas vezes pela inconstitucionalidade de várias normas previstas na lei. Segundo o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, "atualmente não existe enquadramento legal que regule a gestação de substituição em Portugal, pelo que não é legal a prática desta técnica".
BE e PAN tentam agora ultrapassar as duas normas que motivaram a segunda declaração de inconstitucionalidade do TC, insistindo que o facto de a lei só prever o arrependimento da gestante até ao inicio dos tratamentos de fertilização representa uma "restrição excessiva" dos seus direitos.
Agora, o BE propõe o consentimento livremente revogável "por vontade da gestante, até ao registo da criança nascida". Já o projeto do PAN estabelece que a gestante pode mudar de ideias quanto à entrega da criança "até ao prazo de 20 dias imediatos ao nascimento".
O CDS apresenta também um projeto de lei que propõe aumentar de três para cinco os ciclos de tratamentos de segunda linha de PMA comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde.