Tratamentos de fertilidade voltam graças a norma transitória
O Bloco de Esquerda apresentou esta quarta-feira um projeto de lei que cria uma norma transitória, permitindo que se mantenham anónimas as doações de gâmetas e embriões anteriores a 24 de abril, dia em que foi proferido o acórdão do Tribunal Constitucional (TC), que considerou essa prática inconstitucional. Acrescenta que estas doações pode ser utilizadas até cinco anos após a regulamentação da lei.
O bloquista Moisés Ferreira refere que o objetivo é que as alterações à lei n.º 32/2006 (procriação medicamente assistida, PMA) sejam discutidas ainda em novembro, logo após o debate do Orçamento de Estado. O PSD tem um projeto no mesmo sentido nas mãos de Ângela Guerra, esperando a deputada que dê entrada no Parlamento até esta quinta-feira. E também o PS estuda nova regulamentação, o que está a cargo de Isabel Moreira.
É um artigo novo que permite, ainda, que os dadores cujas dádivas tenham sido utilizadas até 24 de abril mantenham a identidade confidencial, a não ser que manifestem vontade em quebrar o anonimato. O Bloco sublinha que estas alterações não põem em causa o acesso a informações de natureza genética ou no caso de haver impedimento legal à realização de um casamento.
"Vamos ao encontro da decisão do TC - sempre dissemos que iríamos respeitar o acórdão - e às expectativas e direitos dos dadores e beneficiários, permitindo uma norma transitória para que sejam concluídos os tratamentos com recurso a doações anónimas, interrompidos de forma abrupta com o acórdão do Constitucional", explicou ao DN Moisés Ferreira.
Ângela Guerra tem trabalhado no mesmo sentido: "A proposta visa resolver as situações suspensas ao abrigo do regime de confidencialidade, situações que nos foram relatadas pelo CNPMA, associações, centros, etc. Há vidas suspensas e material genético que não se sabe que destino terá".
Cláudia Vieira, presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade, espera que as iniciativas parlamentares sejam aprovados o mais rapidamente possível. E é nesse sentido que têm reunido com os partidos com assento parlamentar, também com a Comissão de Saúde, só faltando o encontro com o PS, marcado para esta quinta-feira. Entregam um tubo de ensaio com uma mensagem de beneficiários da PMA a cada um dos deputados, um ato simbólico para os sensibilizar para a situação.
"Apresentámos as nossas preocupações em relação aos tratamentos de fertilidade, com especial ênfase para o pós acórdão do TC. Não está em causa a quebra do anonimato, o que está em causa são os tratamentos com recurso a doadores anónimos que foram suspensos", explicou ao DN Cláudia Vieira. Em especial "os milhares de embriões criopreservados". Alguns de famílias que já têm um filho resultante de um primeiro embrião e que congelaram os outros para lhes darem irmãos com as mesmas características físicas.
A dirigente associativa estima que estarão em causa cinco mil embriões e duas mil famílias com os projetos de natalidade interrompidos. Acrescenta que a situação agrava-se no público, onde os tratamentos estão totalmente suspensos, até porque, à falta de dadores em Portugal, têm recorrido a Espanha, em que vigora o anonimato.
Lembra que passaram cinco meses desde a decisão do TC. "Para estas famílias é muito tempo, algumas já não poderão recomeçar, depois de todo o tempo e dinheiro envolvido". Avança que um tratamento de fertilidade custa seis a sete mil euros, o que significa voltar a gastar todo esse dinheiro. E há quem não o tenha.
"Não se podem mudar as regras a meio do jogo sem estabelecer um período de transição", critica.
O TC considerou que os artigos 8, 14 e 15 da lei nº 32/2006 violavam a constituição e que se devia permitir que as pessoas nascidas com recurso a doação de gâmetas (óvulos e espermatozoides), embriões e barrigas de aluguer conhecessem a identidade dos dadores. Uma decisão que resultou da análise aos artigos sobre a gestação de substituição (barrigas de aluguer), 8 e 14, respetivamente, alterando práticas médicas permitidas durante 11 anos.
Os deputados deixam para mais tarde a discussão sobre barrigas de aluguer. A norma transitória diz respeito ao artigo 15.º, sobre a confidencialidade dos dadores.
No seu pelo projeto de lei. o BE clarifica que as pessoas nascidas em consequência de tratamentos ou procedimentos de PMA com recurso a dádivas só podem obter essa informação com a idade igual ou superior a 16 anos. E que esse pedido deve ser feito ao CNPMA, a entidade que concentra as informações relativamente às doações.
https://www.dn.pt/portugal/interior/as-familias-nao-vao-dizer-as-criancas-que-nasceram-de-uma-doacao-9424470.html
https://www.dn.pt/portugal/interior/doadoras-de-ovulos-aceitam-quebrar--o-anonimato-9345139.html