Novo Parlamento Europeu toma posse no próximo dia 2 de julho. Tem 751 eurodeputados, porque o Reino Unido ainda não saiu da UE. 21 são portugueses. Este hemiciclo (para a legislatura de 2019-2024) é o mais fragmentado de sempre. Mas isso pode não ser necessariamente mau. Obriga a mais compromisso entre os grupos políticos. Há duas hipóteses de geringonça no horizonte, uma progressista, outra nacionalista. O primeiro embate acontece dentro de momentos..O declínio do bipartidarismo e dos grandes partidos.O Partido Popular Europeu e os Socialistas e Democratas foram, desde sempre, os maiores grupos políticos europeus. Desde sempre repartiram entre si, num acordo de cavalheiros, não escrito, o mandato de presidente do Parlamento Europeu. Num ora mandas tu ora mando eu. Os outros grupos, por norma, ficavam a assistir àquilo que acontecia no hemiciclo por vontade da lógica do bipartidarismo. Muitos eurodeputados eram acusados de nem trabalharem. Ao longo do tempo essa realidade foi evoluindo e após as eleições europeias da passada semana mudou consideravelmente..O resultado do escrutínio nos 28 países da União Europeia foi o Parlamento Europeu mais fragmentado da história. A CDU da chanceler alemã Angela Merkel deixou de ser o maior partido nacional na eurocâmara, igualada pelo Partido do Brexit, do britânico Nigel Farage, e pela Liga do italiano Matteo Salvini. A CDU tem 29 eurodeputados, o Brexit 29 e a Liga 28. A CDU de Merkel e o Fidesz de Viktor Orbán são os partidos que melhores resultados obtiveram no que ao PPE diz respeito (embora o segundo esteja atualmente suspenso do grupo). No campo dos socialistas salvaram-se o PSOE espanhol, o PS português e pouco mais. O espanhol Pedro Sánchez, muito por razões internas mas também por ter como cabeça-de-lista o ex-presidente do Parlamento Europeu Josep Borrell, tornou-se uma espécie de líder acidental dos S&D..A prova da queda do domínio do PPE foi visível já neste Conselho Europeu de 28 de maio, em que praticamente ninguém, exceto Merkel, defendeu a candidatura do alemão bávaro Manfred Weber para a presidência da Comissão Europeia. Os restantes líderes, com o francês Emmanuel Macron à cabeça, são contra Weber. Dizem que não tem CV. Nunca foi ministro ou primeiro-ministro. Isto apesar de o PPE ter sido o partido mais votado. Embora sem clara maioria. Os tratados dizem que a eleição do líder da Comissão deve refletir os resultados das eleições europeias. Isso, neste caso, significa o quê? Difícil afirmar face à fragmentação e tantos quase vencedores..Em Bruxelas, o português António Costa disse: "Depois de pelo menos 15 anos consecutivos de presidentes [da Comissão] do PPE, creio que chegou a altura de mudar." Isto apesar de um desses presidentes ser português: Durão Barroso. A prova de que o bipartidarismo tem os dias contados é que os nomes dos liberais Margrethe Vestager e Guy Verhofstadt, ela dinamarquesa e ele belga, são falados como hipóteses sérias para os cargos de presidente da Comissão e do Parlamento. Antigamente isso não costumava acontecer..O Renascimento de Macron, os liberais e os progressistas em defesa da UE.Há muito vem sendo falado, mas na noite das eleições europeias foi dada a confirmação de que o partido do presidente francês, La Republique en Marche!, solicitou ao PE que os seus eurodeputados, eleitos pela lista Renascimento, integrem o grupo político dos liberais do ALDE. Este é agora o maior partido deste grupo, que já integrava formações como os liberais-democratas britânicos ou o Ciudadanos espanhol. Mas outros se poderão juntar, como os húngaros do Momentum e os romenos da USR e até mesmo o italiano 5 Estrelas..Nos últimos meses multiplicaram-se os contactos e as manifestações de apoio entre líderes como Emmanuel Macron (direita liberal), António Costa (centro-esquerda), Mark Rutte (liberal), Xavier Bettel (liberal), Pedro Sánchez (centro-esquerda), Alexis Tsipras (esquerda), Guy Verhofstadt (liberal) ou Vince Cable (liberal-democrata). Com que objetivo se juntam pessoas aparentemente tão diferentes entre si? Que no PE até têm os seus partidos noutros grupos? Responder à fragmentação do PE com uma geringonça. Uma geringonça que permita compromissos, não só na repartição de cargos, mas também na aprovação de legislação. E na missão de salvar o adquirido pela União Europeia, travando a escalada dos eurocéticos, populistas, nacionalistas e extremistas de direita. Uma aliança de progressistas. Formal e informal. Ao mesmo tempo..A onda verde que agora todos querem surfar.Os partidos verdes cresceram em vários países e, em termos absolutos, o seu grupo político no PE passa de 50 eurodeputados para 69 na legislatura 2019-2024. Portugal, que no hemiciclo cessante não tinha nenhum deputado nos Verdes, vai passar agora a ter um eleito pelo PAN..Na Alemanha, os Verdes foram o segundo partido mais votado, a seguir à CDU de Merkel, ultrapassando mesmo o SPD. Em França conseguiram o terceiro lugar, a seguir à União Nacional de Marine Le Pen e ao Renascimento de Macron, tendo o sido o mais votado pelos jovens com idades entre os 18 e os 24 anos. No Reino Unido, os Verdes ficaram em quarto lugar, mesmo à frente do Partido Conservador da primeira-ministra demissionária Theresa May. Na Finlândia foram os segundos, na Dinamarca e na Irlanda os terceiros e na Suécia ficaram também em quarto lugar..Na Alemanha, os Verdes já chegaram a estar no governo, com Joschka Fischer, que foi vice-chanceler e ministro dos Negócios Estrangeiros de Gerhard Schroeder no período entre 1998 e 2005. Apesar de tudo, a sua liderança é hoje em dia diferente, muito menos ideológica e mais pragmática. Exemplo disso é a própria líder dos Verdes no PE, a alemã Ska Keller, de 37 anos, também candidata a líder da Comissão. Alheio a esta onda verde também não será o efeito Greta Thumberg e a sua greve estudantil pelo clima, seguida pelos jovens na UE, como se tem visto também em Portugal..Vozes há também que já começaram a incluir naquela geringonça também os Verdes. "Diria que é legítimo pensar nisso. Os Socialistas e Democratas, os Liberais e os Verdes podem ter uma ligação... Uma nova abordagem progressista e pró-europeia pode ser atrativa. Porque não? Porque não?", disse o socialista francês Pierre Moscovici, comissário dos Assuntos Económicos, nas Conferências do Estoril..A disputa por Orbán.Quando aceitou ser cabeça-de-lista da Força Itália, Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro italiano, de 82 anos, admitiu como objetivo, desde logo, travar a deriva de Salvini a partir de Bruxelas e Estrasburgo. E já começou a mostrar como. Enquanto o líder do partido de extrema-direita Liga e ministro do Interior italiano quer trazer o Fidesz de Orbán para o seu novo supergrupo político no PE, Il Cavaliere garante que pode convencer o primeiro-ministro húngaro a não sair do PPE.."Tenho certeza de que consigo convencer Orbán a permanecer no PPE e outros do PPE a aceitar a permanência do seu partido", declarou Berlusconi, nesta semana citado pelo jornal italiano La Stampa. Há mesmo quem chame a esta missão de Il Cavaliere "a última bunga bunga de Berlusconi" - numa referência às festas sexuais com jovens que o primeiro-ministro oferecia na sua mansão de Arcore, na zona de Milão..Farage, Salvini e Le Pen: uma luta de egos.Os eurocéticos, populistas, nacionalistas e extremistas de direita cresceram menos do que o esperado nestas europeias e isso significa que, também no caso deles, será preciso união e compromisso para aumentar peso e influência. Neste momento, estão essencialmente espalhados por três grupos políticos no PE: ECR, EFDD e ENL. Uma aliança, a existir, viria de uma fusão entre os dois últimos. Mas para isso seria preciso um entendimento entre Nigel Farage, Matteo Salvini e Marine Le Pen. A questão é que cada um deles tem um ego maior do que o outro e não abre mão do papel de protagonista principal..Na terça-feira, Farage abandonou uma reunião destinada a formar esse supergrupo no PE, depois de Salvini e de Le Pen terem recusado a exigência de que o seu staff fosse transferido para o novo grupo com a mesma folha salarial que tem atualmente. No entender do líder do Partido do Brexit ele é "uma estrela de qualidade e um rosto conhecido" do qual eles precisam para a sua ideia de um grupo da Europa das Nações descolar..Salvini e Le Pen têm dúvidas e pagam para ver. Por um lado, porque, se o 5 Estrelas (que em Itália é parceiro de coligação da Liga) sair do EFDD para se juntar ao ALDE, o Partido do Brexit é a única formação com alguma relevância a permanecer nesse grupo. E, além disso, há que ter em linha de conta que, para todos os efeitos, o Reino Unido tem de sair da União Europeia até à data-limite de 31 de outubro. E com ele todos os seus eurodeputados britânicos, incluindo Farage e o seu Partido do Brexit. A geringonça nacionalista parece, para já, mais difícil de montar e de pôr a funcionar.