Parlamento condena violência na Venezuela. E as barricadas extremaram-se como em Caracas
Sem consenso, a Assembleia da República votou esta sexta-feira três votos sobre a situação da Venezuela, mas em barricadas tão extremadas como as que se vivem no dia-a-dia dos venezuelanos.
De um lado, PSD e CDS que pediram o "pesar" e a "condenação" pela "morte de manifestantes na Venezuela", do outro o PCP que pediu a "condenação da nova operação golpista e da campanha de desestabilização e de agressão contra a Venezuela que atinge o seu povo e a comunidade portuguesa neste país". No meio, a bancada socialista apresentou um voto "de solidariedade pela resolução pacífica e democrática da situação na Venezuela".
Na hora das votações, só o texto do PCP acabou chumbado, com deputados à direita a protestarem com o teor do voto comunista ("vergonha", "vão viver para a Venezuela", gritaram alguns) e a aplaudirem a rejeição desse mesmo texto. PSD, PS, CDS e PAN votaram contra, o BE absteve-se e PCP e PEV estiveram a favor um texto que bebe na retórica do regime de Caracas.
Na descrição dos comunistas, "a República Bolivariana da Venezuela e o povo venezuelano têm vindo a ser vítimas de uma continuada ação de desestabilização e agressão - tentativas de golpes de Estado, boicotes, açambarcamento e especulação, violência e terrorismo, sanções, bloqueio económico, financeiro, político e diplomático, confiscação ilegal de bens e recursos financeiros no valor de dezenas de milhares de milhões de dólares e mesmo a ameaça de intervenção militar por parte dos EUA - que está na base de problemas da economia da Venezuela e de dificuldades que o seu povo e a esmagadora maioria da comunidade portuguesa neste país enfrentam".
Para o PCP, "atualmente" está em curso "uma nova operação golpista orquestrada e comandada pelos EUA que, através da 'auto-proclamação' de um presidente fantoche - promovido por Trump e logo apoiado por Bolsonaro e outros - em afronta à ordem constitucional da Venezuela, ao Estado democrático de direito e ao normal funcionamento das instituições, procura afastar o legítimo Presidente Nicolás Maduro, eleito livre e democraticamente, consoante a vontade expressa pelo povo venezuelano".
Ficou sem efeito o que os comunistas propunham, de que a Assembleia da República "condena a operação golpista, o bloqueio, o confisco de bens e as reiteradas ameaças de intervenção militar por parte dos EUA contra a Venezuela", pedindo "uma atitude de respeito pelo direito do povo venezuelano a decidir o seu futuro, sem ingerências externas" e desafiando o "Governo a assumir uma postura soberana que se paute pela rejeição e não alinhamento com a escalada de ingerência e agressão dirigida pelos EUA e apoiada pela UE [União Europeia] contra a Venezuela".
É este parágrafo que explica por que é que a bancada comunista votou contra o texto do PS. Os socialistas alinharam os argumentos que Governo de Lisboa e Bruxelas têm apresentado como solução para a crise venezuelana.
O texto do PS - aprovado com os votos a favor do PSD, PS, CDS e PAN, a abstenção do BE e contra do PCP e PEV - defende que "é fundamental que a resolução do conflito político se faça pela via democrática, num processo pacífico e sem ingerências", a "via à qual a União Europeia e Portugal têm apelado".
Segundo os socialistas, "os países da UE reiteraram o não reconhecimento das eleições presidenciais de maio como livres e justas, confirmaram a sua confiança na legitimidade da Assembleia Nacional e apelaram à rápida convocação de eleições que reponham legitimidade democrática e estabilidade política ao país".
A Assembleia da República condenou, pela mão do PS, "os atos de violência que vitimaram dezenas de pessoas em protesto pacífico, transmitindo o seu pesar e solidariedade às suas famílias", manifestou "toda a sua solidariedade para com a comunidade portuguesa residente na Venezuela" e acompanhou "o apelo da União Europeia para uma resolução pacífica e democrática do conflito, considerando que apenas a realização de eleições poderá solucionar o conflito político atual".
Já o PSD e o CDS exprimiram, no seu texto, "o seu pesar pela morte de manifestantes na Venezuela", apelando "a uma resolução pacífica que salvaguarde a segurança da grande comunidade portuguesa e lusodescendente na Venezuela", "que respeite e reconheça o mandato democrático da Assembleia Nacional e do seu presidente Juan Guaidó e que reponha a normalidade democrática através da realização de eleições livres na Venezuela".
O Parlamento dividiu-se uma vez mais, mas viabilizou o texto consensualizado em comissão pelos dois partidos da direita: PSD, PS, CDS e PAN estiveram de acordo com o voto proposto, enquanto que o BE, neste texto, se juntou ao PCP e ao PEV no voto contra.
Os bloquistas anunciaram declarações de voto sobre as suas abstenções nos votos propostos pelos socialistas e comunistas.