Parlamento aceita reservas dos militares sobre regime de avaliação
Os partidos aprovaram, por unanimidade, discutir em plenário eventuais alterações ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR) que permitam ao Parlamento, por via indireta, intervir na melhoria do regime de avaliação dos soldados.
A decisão foi tomada esta terça-feira na Comissão parlamentar de Defesa, com base nas conclusões do relatório - entregue pelo socialista Jorge Gomes - sobre uma petição com 4542 assinaturas a pedir a "suspensão de eficácia do regulamento de avaliação do mérito dos militares das Forças Armadas".
Na base dessa opção está o facto de já existirem dois projetos de resolução para apreciação sobre o EMFAR, um da autoria do BE e outro do PCP, pelo que Jorge Gomes sugeriu "remeter outras considerações para uma discussão mais ampla em plenário".
O Parlamento "não tem autonomia" para responder à posição dos peticionários, "por caber ao Governo a regulamentação" do sistema de avaliação dos militares, "mas tem possibilidade de mexer no EMFAR, a partir do qual o Governo seria forçado" a alterar o documento, explicou Jorge Gomes.
Com Bruno Vitorino (PSD) a dizer que se revia na posição do relator, Diogo Leão (PS) a afirmar que "cabe à Assembleia da República dar voz a esta petição" e João Vasconcelos (BE) sem "nada a objetar", João Rebelo (CDS) deixou um alerta "para as limitações do Parlamento" numa matéria relevante como a dos potenciais efeitos negativos para a instituição militar que podem resultar do sistema de avaliação do mérito.
Na base da petição esteve a Associação Nacional de Sargentos (ANS), segundo a qual as alterações feitas no regulamento após a entrada em vigor do atual EMFAR (2015) destroem o espírito de corpo e subvertem as carreiras militares.
O sargento-mor Lima Coelho, diretor do jornal da ANS, sintetizou o que está em causa para os sargentos: "Quando se valoriza mais a impressão que se tem do militar em vez do respetivo tempo de serviço e efetivo desempenho, isso vai trazer sérios danos" à instituição militar.
E "quando as promoções por escolha começam em postos ainda mais baixos, isso vai subverter a carreira militar" porque a secundarização dos aspetos "mais militares" fará com que os graxismos e o servilismo sejam mais valorizados", insistiu Lima Coelho.
O novo regulamento - com base numa proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior - criou pela primeira vez um sistema de avaliação único e comum aos três ramos das Forças Armadas e alterou o peso relativo dos diferentes fatores de apreciação.
A avaliação individual vale agora 35% a 40%, a antiguidade no posto 25% e a formação individual entre 25% e 30%. Os restantes 10% correspondem a louvores e punições, "o que acaba por lhe conferir um peso diminuto na avaliação global" do militar, observou o deputado Jorge Gomes.
Mas a ANS sustenta que um dos grandes problemas reside precisamente nesses 10%: a pontuação resultante de um louvor dado pelo Presidente da República ou por um membro do Governo é muito superior à do louvor dado pelo comandante de uma unidade.
"Quantos militares têm possibilidade de trabalhar na Presidência da República ou no Ministério da Defesa?", perguntou Lima Coelho, argumentando que "quem fica no ramo a dar no duro" acaba por ficar em desvantagem face a quem desempenhou funções junto dos gabinetes políticos.
Acresce a questão de as decisões aprovadas em sede de cada conselho das classes (Marinha), das armas (Exército) e especialidades (Força Aérea) poderem ser alteradas pelos chefes militares de cada ramo "como bem entenderem" - mais uma razão para Lima Coelho afirmar que "o regulamento não é para militares mas para carreiristas".
O antigo presidente da ANS alertou ainda para uma aparente distorção num regulamento que se pretendia comum e é reconhecido como tal pelos deputados: enquanto o primeiro avaliador no Exército e na Força Aérea é um sargento-ajudante, na Marinha já é um sargento-chefe (o posto acima).