Para vencer esta fase, quarta dose deve ser dada a profissionais da saúde e a testagem ser gratuita
No início do mês, o regresso à normalidade parecia estar a chegar. A sensação vinha do abandono da máscara em todos os espaços, menos nas áreas de saúde e nos transportes públicos, e com o anúncio da ministra Marta Temido de que não fazia sentido antecipar a quarta dose, a segunda de reforço, contra a covid-19, nesta altura, por não ser necessário. A pandemia parecia estar controlada, alguns analistas afirmavam que, mesmo que houvesse um ressurgimento de casos, como houve no Carnaval, a situação estava controlada.
O Governo decidiu aliviar outro mecanismo que até aqui teve impacto no controlo da infeção, a testagem gratuita. Assim, no início do mês, os testes de diagnóstico passaram a ser pagos, pelo menos a 25 euros nas farmácias, mas ao fim de três semanas a taxa de positividade já está nos 42%, quando, segundo os critérios internacionais deveria ser de 4%. Em cada dez pessoas que fazem teste, oito estão infetadas, uma taxa que o país nunca registou.
O fim destas medidas foi sustentado com a premissa que poderiam regressar, caso a situação assim o exigisse. O certo é que o país vive uma nova onda e só o início do processo de vacinação da quarta dose para idosos com mais de 80 anos e pessoas vulneráveis, como transplantados e doentes oncológicos, foi antecipado para a próxima semana, quando estava previsto para o final de agosto e princípio de setembro.
O pneumologista e ex-coordenador do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos, Filipe Froes, diz ser preciso mais para se ultrapassar "esta fase de transição, entre o fim da pandemia e o início de uma nova normalidade".
Portugal volta a viver nova onda. O professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Carlos Antunes, confirmou ao DN esta semana, que "vivemos uma nova onda bem definida do ponto matemático e epidemiológico. O aumento do número de casos disparou em 50% da semana passada para esta, nos mesmos dias. A tendência é de crescimento em velocidade cruzeiro em todas as regiões e faixas etárias".
Ontem, a DGS divulgou que, no dia 12, foram registadas mais 26 314 novas infeções por covid-19 e 29 óbitos. Em apenas quatro dias, desta semana o país atingiu quase os 100 mil (96 246) casos e os 110 óbitos. A saber: 20 487 infeções, a segunda-feira e 29 óbitos, 24 572 na terça e 27 óbitos e 24 876 na quarta e 25 óbitos .
Desde o dia 22 de abril que o R (t), índice de transmissão vinha a subir, e nesta semana disparou, talvez pela nova linhagem da Ómicron, BA.5, que se está a sobrepor à BA.2, mas também pelo abandono do uso de máscara. O pneumologista Filipe Froes confessa não ter estranhado o aumento de casos, diz mesmo que era expectável, e critica o facto de a testagem gratuita ter sido abolida e que o reforço da vacinação se destine só aos mais idosos e mais vulneráveis.
"A fase de transição que estamos a viver tem características e especificidades próprias, que deveriam ter sido percecionadas, para se perceber o impacto que poderiam ter na comunidade e o que deveria ter sido feito para minimizar as suas consequências", argumenta. O médico considera que para se avançar no regresso à normalidade há três vertentes fundamentais que têm de ser acauteladas, que impõem, por exemplo, algumas medidas diferentes das que foram tomadas pelo Governo.
Agora, "o objetivo é manter o controlo da pandemia, prevenir a gravidade da doença e promover a normalidade sócio-económica, e, para isso, há que continuar a atuar na diminuição da circulação do vírus e na sua transmissão". O que só é possível, sublinha, "se se mantiver uma estratégia de diagnóstico precoce" e se "a acessibilidade à testagem for fácil e gratuita".
Esta foi, precisamente, uma das medidas que o Governo deixou cair no início do mês. "A testagem gratuita é um dos mecanismos de combate à doença que tem impacto na circulação e na transmissão do vírus na comunidade", porque "se os testes não forem gratuitos e a pessoa entender que não o faz, está-se a promover a manutenção da transmissão do vírus na comunidade. Não se está a poupar o que quer que seja".
Pelo contrário, reforça, "a manutenção da testagem gratuita é um investimento no combate da pandemia e na normalização social e económica". Esta semana, o Governo fez saber que os testes gratuitos teriam de ser referenciados pela Linha SNS 24, que terá capacidade para os prescrever automaticamente aos casos suspeitos.
A nível do controlo da transmissão, o médico é defende a promoção da vacinação de reforço para vários grupos da sociedade e não só para os mais idosos e vulneráveis, voltando a referir que deve ser equacionada a hipótese de teletrabalho, sempre que possível, e a aposta nas condições de ventilação e de arejamento.
"São precisas medidas que não são farmacológicas, como o reforço da vacinação a dois grandes grupos populacionais importantes: os que estão em contacto direto com os mais vulneráveis, como os profissionais de saúde, e os que têm profissões mais expostas ao contacto social, como motoristas, empregados de balcão e de restaurantes. O único critério não pode ser só o da idade ou das pessoas com comorbilidades", explica, dando como exemplo o que está a acontecer nos EUA: "A quarta dose está a ser dada a pessoas com mais de 50 anos, não para proteger mais contra a gravidade, mas sobretudo para prevenir a transmissão do vírus".
Embora destaque que a prevenção da gravidade é a segunda vertente fundamental para se ultrapassar a fase que estamos a viver. E tal só será possível se os que correm mais riscos se protegerem e se todos os nós também. " As pessoas que fizeram transplantes ou os doentes oncológicos, com doença ativa e sujeitos a terapêuticas, têm de continuar a proteger-se, usando máscara, por exemplo, mas todos temos o dever de os proteger da forma mais adequada".
A terceira fase fundamental desta fase de transição é "o regresso à normalidade e, para este, é importante que se mantenham as redes de vigilância e de monitorização epidemiológica e clínica", bem como, e para haver uma melhor perceção dos riscos, "uma informação por parte da DGS que não seja manifestamente insuficiente".
O médico não defende o regresso da máscara como uma obrigatoriedade, mas como recomendação às pessoas mais vulneráveis e aos infetados, quando não tiverem sintomas e puderem trabalhar. Por outro lado, não considera também que esta fase de transição vá ser muito prolongada, mantendo-se no final desta primavera e início de verão. Mas é preciso agir adequadamente.
Quarta dose para idosos
As pessoas com 80 ou mais anos e as residentes em Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI) vão ser vacinadas com a segunda dose de reforço já a partir de segunda-feira, dia 16 de maio. A meta traçada pela ministra, final de agosto e princípio de setembro, é assim antecipada. Todos os elegíveis começarão a ser convocados por agendamento local, através de SMS ou por chamada telefónica, como já aconteceu noutras fases da vacinação. A população elegível é de cerca de 750 mil pessoas, que devem ser vacinadas com um intervalo mínimo de 4 meses após a última dose ou após um diagnóstico de infeção por SARS-CoV-2, ou seja, este reforço abrange também as pessoas que recuperaram da infeção.
Crianças imunodeprimidas levam reforço
As crianças e jovens entre os 12 e 15 anos com condições de imunossupressão, identificadas na norma 002/2021, também passam a ser elegíveis para receber uma dose adicional de vacina contra a covid-19, na sequência de parecer favorável da Comissão Técnica da Vacinação para a Covid-19. Os jovens com estas condições serão vacinados de acordo com orientação e prescrição médica.