Para ser "colete amarelo", basta vestir um. Grupos extremistas infiltram-se no movimento

A extrema-direita e a extrema-esquerda estão a aproveitar o movimento, sem líder ou organização própria, para espalhar o caos. Da esquerda, Jean Luc Mélenchon (França Insubmissa), à direita, Marine Le Pen (União Nacional), prometem-se moções de censura ao Governo
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Até que ponto os "coletes amarelos" são responsáveis pelo vaga de violência, vandalismo e caos que este sábado varreu várias cidades francesas, com o epicentro em Paris - onde nem o Arco do Triunfo, símbolo nacional e da República, escapou?

Entre os políticos que simpatizam com os "coletes amarelos" as denúncias de violência são apontadas a grupos radicais - de extrema-direita e extrema-esquerda, conforme o caso de quem fala. A questão é que um movimento espontâneo, sem programa, sem líder, sem a organização própria de um partido ou de um sindicato, nascido nas redes sociais, fica permeável a intromissões extremistas. Para se ser um "colete amarelo" basta vestir um. E nesta altura, poucos arriscam a atribuição perentória das responsabilidades.

A oposição a Emmanuele Macron tem mostrado simpatia pelo movimento, da esquerda à direita, da extrema-esquerda à extrema-direita. A prová-lo, o facto de tanto Marine Le Pen, líder da União Nacional (herdeira da ex-Frente Nacional de extrema-direita), como Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, da esquerda populista, terem anunciado a mesma intenção: a apresentação de moções de censura ao Governo. A simpatia pelos "coletes amarelos" estende-se a Nicolas Dupont Aignan que, nas últimas presidenciais se aliou a Le Pen, e aos Republicanos, da direita mais clássica e até o ex-presidente socialista François Hollande já reuniu com os ativistas.

Há uma semana, por exemplo, no segundo sábado de luta dos "coletes amarelos", já a Reuters reportava que uma batalha campal que se viveu então em Paris estava relacionada com grupos de extrema-direita e extrema-esquerda infiltrados. E agora parece cada vez mais evidente que os grupos radicais estão a mesmo usar o movimento para se manifestar e espalhar o caos.

Os slogans nacionalistas e os líderes presentes

Neste último sábado, 1 de dezembro, o Libérationidentificou várias figuras de movimentos nacionalistas e de extrema-direita, bem como símbolos e slogans. Yvan Benedetti, antigo presidente do grupo ultranacionalista "A Obra Francesa", dissolvido em 2013, foi uma das pessoas identificadas na Praça da Estrela, onde está o Arco do Triunfo; na Praça de Ternes, as montras das lojas e o mobiliário urbano tinha graffitis do GUD - uma organização estudantil de extrema-direita. Também foi vista a inscrição "Justiça para Esteban", numa referência ao skinhead Estaban Morillo, condenado a 11 anos de prisão pela morte de Clément Méric em 2013.

Como era de esperar, só o República em Marcha, de Emmanuel Macron, e uma parte dos ecologistas, do ministro do Ambiente, François de Rugy, não estão ao lado do movimento dos "coletes amarelos".

Marine Le Pen sacode a água do capote e aponta responsabilidades à extrema-esquerda: "Macron só fala sobre os bandidos, toda a gente sabe que eles são de extrema-esquerda. São os mesmos que semearam a devastação no 1º de Maio". No Twitter, a líder da União Nacional escreveu ainda: "Parabéns aos 'coletes amarelos' que com os seus corpos,e cantando a Marselhesa, protegeram a chama do soldado desconhecido contra os bandidos. Vocês são povo da França de pé contra a escória."

Melénchon, por seu turno, escreveu: "Sempre fui contra a violência. Sempre o disse e sempre o escrevi."

A rede social tem, aliás, sido bastante usada pelos políticos franceses para comentar os confrontos violentos de Paris. O ministro francês do Interior tem recorrido ao Twitter constantemente para denunciar os radicais. "Os bandidos instrumentalizaram os 'coletes amarelos'." E mais: "Os culpados desta violência não querem mudanças, não querem melhorias, querem o caos: traem as causas que afirmam servir e que manipulam. Serão identificados e responsabilizados pelos seus atos no tribunal"; "Aqueles que lá estavam não eram coletes amarelos. Eles vieram ferir, degradar, saquear, matar".

Christophe Castaner apelou ainda aos "coletes amarelos" para que não se deixem instrumentalizar pelos grupos facciosos e não embarquem em cenas de violência.

Há uma semana, Castaner já tinha atribuído responsabilidades à extrema-direita e a Marine Le Pen pelos distúrbios então registados na sequência da segunda manifestação dos "coletes amarelos". O ministro falou mesmo "em mobilização de extrema-direita". Mas a líder da União Nacional espondeu que se limitou a perguntar por que razão os "coletes amarelos" não se podiam manifestar nos Campos Elísios.

No último sábado, foi precisamente aqui que começaram s confrontos, logo pela manhã. A resposta musculada da polícia - com gás lacrimogénio, balas de borracha e canhões de água - não foi suficiente para dispersar os manifestantes. A contestação alastrou-se por outras artérias de Paris, nomeadamente a bairros mais distintos, e a outras cidades francesas. Paris acordou com a marca do caos do dia anterior: carros carbonizados, edifícios vandalizados, montras e paragens de autocarro partidos...

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