"Para a Finlândia, enquanto vizinha, o que nos preocupa são as mudanças bruscas na Rússia"
Esteve em Lisboa para o encontro informal de ministros dos Negócios Estrangeiros da UE. A Bielorrússia dominou a agenda?
Não foi o assunto principal. Debatemos muitas coisas: UE-África, parcerias a Leste, que incluem Geórgia, Arménia, Azerbaijão, Ucrânia, etc., e a Bielorrússia foi apenas uma parte deste debate. Durante o almoço discutimos questões do Médio Oriente, tivemos como convidado o ministro jordano, Ayman Al Safadi, o que foi excelente. Com o recente cessar-fogo entre o Hamas e Israel, tínhamos muitas perguntas para o ministro jordano sobre a forma como analisa a situação, como é que chegamos a um processo de paz que leve à criação de um Estado palestiniano e permita uma solução de dois Estados sem voltar a um novo conflito. Safadi apelou a que a UE tenha uma posição comum. Não é novidade que na Europa temos uma variedade de opiniões neste assunto. Por isso os EUA influenciam mais, porque têm uma só posição. Mas claro que também discutimos a Bielorrússia. O choque já foi expresso pelos chefes de Estado e de governo quando o assunto foi discutido em Bruxelas. Mas se perguntar se a Finlândia acha normal que qualquer país que identifique um passageiro indesejado num avião no ar tenha a possibilidade de o obrigar a aterrar, a resposta é não: isso criaria um mundo que seria uma selva. Já comuniquei esta posição ao ministro dos Negócios Estrangeiros da Bielorrússia, Vladimir Makei. Disse-lhe que o que eles estão a fazer é a mudar as regras do tráfego aéreo. Neste momento qualquer pessoa começa a pensar: "será que o meu avião vai passar por cima deste ou daquele país?" Era um avião europeu, da companhia irlandesa Ryanair, que vinha de uma capital europeia, Atenas, e ia para outra capital europeia, Vilnius. E se temos de ter medo que algo nos possa acontecer enquanto viajamos entre cidades da União Europeia, num avião europeu, é demais. As notícias de que estes opositores estão a ser maltratados, forçados a confessar, também são perturbadoras. A nossa preocupação na Finlândia é não só que tenha havido tantas detenções, mas também que alguns menores tenham sido condenados a longas penas. Isso é totalmente inaceitável. Infelizmente é onde estamos.
A UE já impôs sanções à Bielorrússia no passado, mas não parecem ter tido grande efeito. É preciso fazer mais desta vez?
O caminho que a UE seguiu nesta situação da Bielorrússia foi o de tentar evitar sanções que tivessem consequências para os cidadãos comuns, no seu dia a dia, na hipótese de conseguir emprego, etc. Concentrámo-nos em sanções individuais a pessoas diretamente envolvidas em crimes ou violência, no espancamento dos manifestantes, em julgamentos que não tenham sido imparciais, etc. Mas agora a decisão de impedir a companhia aérea da Bielorrússia de voar para a UE e de retirar os voos do espaço aéreo bielorrusso já está a ter um impacto dramático na economia. E isso vai deixar a Bielorrússia ainda mais dependente da Rússia. Mas estas são as ferramentas que nós, enquanto UE, podemos usar. O que é muito positivo é que temos sido unânimes nesta questão. Desde o início. Quando, em agosto, houve eleições e os líderes da oposição foram detidos e não puderam participar, os países da UE foram unânimes na condenação e na defesa do Estado de direito, dos direitos humanos. O fardo tem caído mais sobre os países vizinhos: Lituânia - há vários opositores a viver em Vilnius -, Ucrânia, etc. Svetlana Tikhanovskaya visitou a Finlândia e reuniu-se com o nosso Presidente, com a primeira-ministra, comigo, e o que ela pediu foi para que houvesse diálogo com o regime. Contactei imediatamente Minsk a dizer que estava ali a líder da oposição com um pedido, humilde, para falar com o governo. E a resposta foi: "Não falamos com a oposição no estrangeiro." Bom, mas eles só estão no estrangeiro porque vocês os expulsaram! Este atual impasse é lamentável.
Falou da Rússia. Nos últimos meses a relação entre a UE e Moscovo deteriorou-se, também por causa da detenção do opositor Alexei Navalny. Para nós, em Portugal, a Rússia é um gigante distante, mas para a Finlândia é uma ameaça bem próxima...
Temos 1300 km de fronteira comum, uma longa história comum, e claro que nos habituámos a uma comunicação diária com a Rússia. Todos os anos há um milhão de travessias da fronteira e estamos a emitir muitos vistos Schengen para a Rússia. Nestes tempos de pandemia, a fronteira está fechada, mas estamos a ver o que podemos abrir para voltar à normalidade. As cidades russas mais próximas, como São Petersburgo, têm uma forte cooperação económica com a Finlândia e as empresas finlandesas empregam muitos russos. No Norte, na região do Ártico, há cooperação entre os povos sami, indígenas, da Finlândia e da Rússia. Há uma semana estive em Reiquejavique para uma reunião do Conselho do Ártico e estavam lá o secretário de Estado americano, Antony Blinken, e o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov. Éramos oito ministros dos países do Ártico - os nórdicos, Canadá, EUA e Rússia. Há tensões, mas sabemos que temos de cooperar. Há um desejo de manter o Ártico de fora da competição militar. Há muitas facetas nesta relação com a Rússia, há assuntos em que discordamos - Navalny, anexação na Crimeia, direitos humanos, tratamento das minorias sexuais na Chechénia -, apesar disso, comunicamos. Se olhar para a Rússia, o que nos preocupa enquanto vizinhos são as mudanças bruscas que vimos ao longo da história. A revolução russa, depois a era Estaline, Krushev, Brejnev, Gorbachev, Putin. Para os vizinhos, cada um destes momentos trouxe mudanças notáveis. Mudou a ideologia, mudou o comportamento. Claro que gostávamos de ter um vizinho previsível, seria uma vantagem para nós perceber o que se segue. Por isso é importante haver finlandeses a trabalhar na Rússia, investimento, uma comunidade empresarial, contactos pessoais.
Há espaço para diálogo, apesar das divergências, mas nunca se sabe qual a próxima mudança?
Sim, há diálogo, mas gostaríamos de saber qual o próximo rumo. Desejamos que venha aí o melhor: desenvolvimento democrático, economia de mercado. Para as empresas finlandesas, a Rússia é um ambiente desafiador, mas oferece oportunidades de negócio. Agora estamos num momento muito particular. Quando os Srs. Blinken e Lavrov se reuniram em Reiquejavique, ficámos a saber que estava próxima a cimeira EUA-Rússia em Genebra [Biden e Putin reúnem-se na Suíça a 16 de junho]. E joga a nosso favor que as duas potências falem uma com a outra. É bom para a Europa. Mais uma vez, não queremos ter uma surpresa.
A presidência portuguesa do Conselho da UE está quase a terminar. Que balanço faz destes meses?
Tenho de dar os parabéns a Portugal. Em primeiro lugar, as condições eram extremamente difíceis com a covid. Como planear encontros sem nos podermos encontrar? Muita coisa teve de ser feita digitalmente. E tiveram de lidar com muitos assuntos de política externa - Índia, China -, também com o plano de recuperação económica, a pandemia, os certificados de vacinação, e tudo isto Portugal conseguiu gerir. No caso da política externa, eu e Augusto [Santos Silva] temos uma coisa em comum: ambos fomos altos representantes da UE em tarefas no estrangeiro. Ele foi a Moçambique por causa de Cabo Delgado e eu à Etiópia por causa de Tigray. Este é um fenómeno novo, que os ministros recebam este tipo de tarefa do alto representantes para a política externa, Josep Borrell. A UE tem tido visibilidade na política externa, estamos a fazer coisas, é importante.
A forma como a UE lidou com a pandemia - distribuição de vacinas, encerramento de fronteiras, o certificado verde digital - tem sido muito criticada. O que podíamos ter feito diferente?
Quando a covid começou, em março de 2020, a Finlândia decidiu tomar medidas drásticas e houve um enorme debate com a vizinha Suécia. Eles achavam que estávamos a entrar em pânico (risos). Apesar da nossa amizade, discordámos totalmente na forma de lidar com este assunto. Eles quiseram manter a sociedade o mais normal possível e nós estávamos a fechar quase tudo. Finalmente, acho que todos perceberam que a situação era grave e exigia que se tomassem medidas drásticas. Concordo que no inicio houve dúvidas na UE: fechar ou não as fronteiras? Usar máscara ou não? Deixar entrar as pessoas ou não? Não foi fácil. A Europa não estava preparada para este tipo de catástrofe, estamos a aprender à medida que vamos fazendo. Também com as vacinas tem sido um caminho difícil. Mas se agora compararmos a capacidade da Europa no apoio à Covax, apesar de vermos mais bandeiras da Rússia ou da China, a ajuda da Europa é maior. E agora que os EUA mudaram de posição, estamos todos de acordo.
Com a Administração Biden, a posição dos EUA mudou também em termos de política externa?
Totalmente. Antes Trump defendia o Brexit, apoiando a saída do Reino Unido da UE, focado na relação especial entre Washington e Londres. Hoje a Administração Biden voltou a apostar nos contactos entre Washington e Bruxelas com os países da NATO. É um alívio. Estávamos há pouco a falar da Rússia e de como não queremos surpresas. Com uma superpotência como os EUA passa-se o mesmo. E durante a Administração Trump tivemos tantas surpresas! Era doloroso de seguir aqui da Europa. Agora as coisas são mais previsíveis. É decisivo estarmos na mesma onda em relação às alterações climáticas, mas também nas questões de saúde, questões multilaterais. Essa foi uma prioridade da presidência portuguesa e é uma posição que partilho.
Trabalhou para as Nações Unidas alguns anos. Essa experiência, conhecer países, estar no terreno, é importante enquanto MNE?
É importante. Trabalhei para a ONU de 1999 a 2005. E nesses seis anos tive oportunidade de estabelecer um novo ramo de avaliação de impacto ambiental pós-conflito. Começou no Kosovo, mas depois fomos convidados para fazer o mesmo no Iraque, nos territórios palestinianos, no Afeganistão, no Darfur, na Libéria. Estive o tempo todo em zonas de conflito. E não só a avaliar o impacto, mas a perceber como é que a reconstrução ambiental podia ser feita. Quando vejo funcionários da ONU no terreno, fico sempre orgulhoso deles. São eles quem leva água potável às crianças, que garantem abrigo, que montam tendas, etc. São pessoas muito profissionais. Sou um verdadeiro crente no sistema da ONU. Tive o privilégio de trabalhar de perto com António Guterres quando ele era Alto Comissário para os Refugiados. Quando ia a Genebra, passava sempre pelo gabinete dele e falávamos dos pormenores, das pequenas coisas. E ainda hoje, quando nos vemos, aproveitamos sempre para falar das minudências de que tanto gostamos (risos).
É membro dos Verdes, como vê a ascensão dos partidos ecologistas em toda a Europa. Sobretudo na Alemanha, onde as sondagens os colocam em primeiro lugar?
A questão da Alemanha é muito interessante. Os Verdes finlandeses entraram no Parlamento meses antes dos Verdes alemães, em 1983. E em 1995 chegámos ao governo pela primeira vez, eu fui o primeiro ministro dos Verdes, e depois entraram os Verdes alemães. O ritmo tem sido semelhante. Mas eles agora surgirem com mais de 20% das intenções de votos e com possibilidade de competirem pela posição de chanceler, a acontecer, irá mudar todo o jogo político na Europa. Porque a sua política externa, a defesa dos direitos humanos, os valores, iriam mudar o mapa europeu.
A Finlândia é sempre apontada como exemplo - na saúde, educação, igualdade de género, direitos das mulheres, etc. Este soft power, também muito ligado a empresas como a Nokia, é muito importante para a influência do seu país?
Somos pessoas sérias e modestas, não gostamos de andar por aí a dizer que somos os maiores. E quando pensamos que há anos que lideramos o índice da felicidade até brincamos. "A sério? Nós?" (risos). Esta é a atitude de muitos finlandeses perante esse índice e depois começam a queixar-se! Mas em 2019, quando apresentámos o programa de governo e a questão ambiental estava no topo das prioridades, todos disseram que era porque os Verdes estavam a influenciar. E estávamos, mas antes disso os jovens já tinham criado as Sextas-Feiras para o Futuro. Todas as sextas-feiras estavam à frente do Parlamento e paravam todos os deputados para lhes perguntar o que achavam das alterações climáticas. E quando perguntei a estes alunos o que os professores achavam de eles estarem ali todas as sextas-feiras, responderam que na sala de aula diziam que não deviam ir mas lá fora encorajavam-nos. Outro elemento são as nossas empresas, o seu espírito inovador. Temos uma coisa chamada Coligação para a Liderança Climática, que junta empresas e que interpela os partidos para se focarem mais no ambiente. Pressionam para uma aposta mais rápida nas tecnologias verdes. Não existe nada assim noutros países. Muitas empresas sabem que não vão atrair os jovens se não mudarem os valores e apostarem num futuro mais verde. E isto também influencia muito essa imagem da Finlândia. É uma mudança cultural e geracional. Quando comecei na política, havia a ideia de que a poluição era o preço a pagar pelo nosso estilo de vida. Hoje não temos de escolher, com as tecnologias conseguimos ter um ambiente limpo e estar na vanguarda.