Palavras leva-as o vento e trazem-nas Os Dias da Música

"As letras da música" é o tema da 11.ª edição de "Os Dias da Música". Dos trovadores medievais como D. Dinis aos cantautores como Sérgio Godinho, o festival tem a marca da composição e interpretação nacional. A festa faz-se a partir de amanhã e até domingo no Centro Cultural de Belém
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Palavras, letras e livros

› Número redondo: são 50 concertos (sem contar com atuações no coreto) com As letras da música como pano de fundo. O mote surge na sequência da edição de 2015. Nesse ano o tema condutor era o cinema. "Passou um documentário que se intitulava Volta ao mundo em 80 concertos. A partir daí fomos buscar o tema da Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne, e procurámos demonstrar como é que a música nos faz viajar. E do livro fomos buscar a ideia das letras da música e da relação dos livros e da música. Dos livros e não só, em todos os aspetos da palavra e da música", explica o programador do Centro Cultural de Belém, André Cunha Leal.

Em português

› A "grande e deliberada aposta" deste ano faz-se nas obras de compositores portugueses e nos intérpretes nacionais. Nunca houve uma Festa da Música ou Dias da Música com tantas obras portuguesas. "Isto explica-se: Portugal nunca esteve tão bem apetrechado de intérpretes. Há uma pujança no meio musical português e a prova de que atingimos qualidade internacional. Hoje em dia facilmente se faz uma orquestra de nível internacional com músicos portugueses", comenta o programador, dando como exemplos a Orquestra XXI, o Anglo-Portuguese Ensemble ou o Ensemble Mediterrain. As obras portuguesas sempre estiveram presentes, mas em menor preponderância e mais pequenas. Agora, além de peças de Fernando Lopes Graça, Luís Freitas Branco e Eurico Carrapatoso, há duas óperas portuguesas: O Rapaz de Bronze, de Nuno Côrte-Real, e libreto, de José Maria Vieira Mendes (a partir do conto de Sophia de Mello Breyner) e O Doido e a Morte, de Alexandre Delgado, e dirigida pelo próprio, baseado na farsa de Raul Brandão. Destaque ainda para "uma das maiores obras-primas da música portuguesa", o Requiem, de João Domingos Bomtempo, à memória de Luís de Camões.

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Sérgio Godinho e outros trovadores

› Os Dias da Música são também uma oportunidade para se ouvir Chico Buarque pela voz de JP Simões ou José Afonso e Ary dos Santos com o sotaque de Luana Cozetti. Ou Sérgio Godinho a cantar Sérgio Godinho (acompanhado ao piano por Filipe Raposo). Sendo este um festival de música erudita podem levantar-se interrogações. "Nenhum compositor viveu de forma hermética, todos foram influenciados pelos fenómenos culturais e populares dos seus tempos. Para este ser um festival completo e que todos sintam curiosidade pela música erudita, temos vindo a apostar em concertos alternativos. Há um fenómeno importantíssimo de utilização das palavras na música que são os cantautores e que têm as origens nos trovadores. E um dos mais geniais trovadores dos nossos dias é o Sérgio Godinho, há poucos autores na história da música portuguesa que dominem tão bem a palavra", justifica Cunha Leal. Neste campo, há ainda o concerto dos Sete Lágrimas, que fazem a ponte, "de forma genial", entre o erudito e o popular, num concerto de D. Dinis até aos nossos dias com José Afonso e Márcia. E há ainda um concerto-mistério de fado (não se sabe quem vai atuar), "porque é outro manual de como utilizar a língua portuguesa em música".

Resgatar o libretista

› Esta edição presta homenagem ao libretista, uma figura que muitas vezes fica na sombra. "A ópera nasce da necessidade de dar realce à palavra e de libertar a música das regras apertadas da Igreja. Foi isso que Monteverdi e a sua geração fizeram. Cem anos depois os libretos eram repetidos: um libreto de Pietro Metastasio serviu para mais de cem óperas. Fomos explorar essa ligação entre compositor e libretista, como o da trilogia Mozart e Da Ponte", aponta. Outra ligação histórica é a de Lully e de Molière, "uma das parcerias mais importantes da história entre dramaturgo e músico" e que marcou a corte de Luís XIV. "E vimos até aos nossos dias, caso de Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça. Vamos ter a Serrana, uma ópera grandiosíssima, que não é fácil mostrar em versão integral, em versão música de câmara."

Abertura e encerramento

› São sempre momentos altos da programação, os concertos de abertura e de encerramento. Na sexta-feira à noite, o Grande Auditório é palco para a Orquestra Metropolitana e o Coro da Fundação Princesa das Astúrias darem vida a Ivan, o Terrível, de Serguei Prokofiev, em versão de oratória. Para o fim da festa há Candide ou o Otimismo, de Leonard Bernstein, pela Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do Teatro São Carlos.

Concertos sem palavras

› Num festival em que a palavra é soberana, a programação lança concertos sem palavras. Como? "É brincar com o contexto. A palavra e a música andaram quase sempre de braços dados. Ao longo do tempos houve longos debates sobre o que era mais importante, se a palavra se a música, quase como a história do ovo e da galinha. Quando a canção não tem palavras deixa de o ser? Dou como exemplo as Canções sem Palavras, de Felix Mendelssohn. Ou os poemas sinfónicos, que têm uma narrativa, um guião que bebe diretamente a grandes obras da literatura, como a Abertura-Fantasia de Romeu e Julieta, de Tchaikovsky", propõe o programador.

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Para os mais novos

› Miúdos e graúdos, a todos conquista o humor de O Carnaval dos Animais, de Camille Saint-Saëns. Desta feita será executado pelo DSCH - Schostakovich Ensemble, dirigido por Filipe Pinto-Ribeiro. A narração é feita a partir da versão livre de António Mega Ferreira - antigo presidente da Fundação CCB -, a partir do original de Francis Blanche (domingo, 13.00). Em específico para os petizes, e por ordem crescente de idades, Balada (das vinte meninas friorentas), Como dormirão os meus olhos? e Menina do Mar, todos na Fábrica das Artes. O primeiro espetáculo é baseado no poema homónimo de Matilde Rosa Araújo e na partitura de Fernando Lopes Graça e tem assinatura de Margarida Mestre (autoria e interpretação) e Rui Ferreira (piano e percussões); o segundo é uma criação de Filipe Faria e Pedro Castro com sons de instrumentos antigos; e o último é a história de Sophia de Mello Breyner com música de Bernardo Sassetti (interpretado por Filipe Raposo), com dramaturgia de Carla Galvão e ilustrações de Beatriz Bagulho. Por fim, a Garagem Sul, dedicada a exposições de arquitetura e fotografia, também entra na festa com a oficina Casa Letra (vários horários no sábado e no domingo).

Próxima edição

› Os Dias da Música de 2018 estão já a ser objeto de programação. Como é natural, neste momento o tema ainda não pode ser revelado. "Muitos condimentos desta edição encaixar-se-iam na próxima. A única coisa que posso revelar é que vai ser uma grande surpresa e um grande exercício para a imaginação", lança André Cunha Leal.

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