Pais desistiram. Foram desligadas as máquinas a Vicent Lambert
As máquinas que mantiveram durante onze anos Vicent Lambert a respirar, embora em estado vegetativo, foram esta segunda-feira desligadas, por ordem do Supremo Tribunal de França. Pai e mãe, que de tudo fizeram para que esta decisão não fosse aplicada, resignaram-se mesmo que em desacordo, segundo o jornal francês Le Fígaro.
O enfermeiro Vicent Lambert foi declarado em morte cerebral em 2008, na sequência de um acidente de viação que o deixou tetraplégico e com lesões cerebrais irreversíveis. Desde então não tem mostrado quaisquer melhorias no estado de saúde. E em 2014, os médicos que acompanham o caso manifestaram-se a favor da opção de desligar as máquinas, por acreditarem não existir recuperação possível.
O processo de interrupção da alimentação via endovenosa começou na semana passada por decisão do tribunal. Praticamente um mês depois de ter sido iniciado e travado por ação dos pais, que colocaram um recurso da decisão em tribunal, contra a vontade da mulher de Vicent, de cinco dos sete irmãos e de um sobrinho, que defendiam o direito à morte. O hospital já tentou por três vezes obter autorização para parar o tratamento, mas as ações judiciais interpostas pelos pais impediram sempre o avanço do processo. Há seis anos que a batalha entre os familiares dura.
Na passada sexta-feira, os pais - caracterizados pela imprensa francesa como católicos fundamentalistas - ainda colocaram um processo contra o médico Vicent Sanchez do Hospital Universitário de Reims, acusando-o de "tentativa de homicídio". Mas três dias depois, desistiram da luta. "A morte do Vicent é agora inevitável. Foi-lhe imposta a ele e a nós", dizem.
"Não aceitamos isto, mas só nos podemos resignar com dor, incompreensão, mas também com esperança", acrescentam.
Os pais - Viviane, de 73 anos, e Pierre Lambert, de 90 - com o apoio de dois dos irmãos consideram que deixar morrer Vincent é um "crime de Estado cometido por violação do Estado de Direito". E chegaram mesmo a apelar à intervenção do presidente francês, Emmanuel Macron, para impedir esta decisão. No entanto, o chefe de estado respondeu, numa publicação feita na rede social Facebook, que não lhe cabia a ele decidir sobre esta situação.
Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já tinha declarado, em 2015 e novamente em 2019, que desligar as máquinas não violava o Direito à Vida, estabelecido no artigo 2.º da Convenção dos Direitos do Homem.
A lei francesa é semelhante à portuguesa: não permite a eutanásia nem o suicídio assistido, mas autoriza o desligar do suporte de vida ou a interrupção de tratamentos que sejam considerados inúteis ou "encarniçamento terapêutico", dependendo esta decisão dos médicos e da família se o paciente não poder dizer o que quer e se não deixou especificada a sua vontade em testamento vital.
O caso de Lambert, que não deixou por escrito um testamento vital, tornou-se um símbolo da discussão sobre a morte digna em França. Mas é apenas um dos nomes de uma longa lista internacional de batalhas legais relacionadas com o estado vegetativo e os sistemas de suporte de vida. Uma das primeiras situações conhecidas será o da americana Karen Quinlan, em 1975.
Quinlan, de 21 anos, foi diagnosticada em estado vegetativo persistente e os pais, considerando que não havia esperança de a filha recuperar e que estar ligada a um ventilador e a ser alimentada por sonda só podia causar-lhe sofrimento, pediram aos médicos para cessar o suporte de vida. Estes recusaram, alegando terem medo de ser responsabilizados civil ou criminalmente pela morte da jovem.
Os pais colocaram então uma ação no tribunal do Estado de New Jersey para que este ordenasse o "desligar das máquinas" com base no direito de Karen à privacidade e ao direito de tomar uma decisão privada contrariando o do Estado de mantê-la viva. O tribunal recusou, em primeira instância, mas o Supremo Tribunal acabou por lhes dar razão. Quando desligaram o ventilador, porém, Karen continuou a respirar autonomamente. Os pais não pediram para remover a alimentação artificial e a jovem acabou por ter a morte declarada só nove anos depois, em 1985.
Tendo criado um precedente legal, o caso de Karen só fixou jurisprudência para o Estado de New Jersey; já o de Nancy Cruzan, outra jovem mulher também em estado vegetativo, decidido em 1990 pelo Supremo Tribunal dos EUA, fixou-a para o país. Embora, o tribunal do Missouri tenha declarado que só mediante vontade expressa do próprio as máquinas poderiam ser desligadas, os pais de Nancy conseguiram convencer de que estavam a interpretar corretamente a vontade da filha e em dezembro de 1990 a sonda foi retirada. Não sem terem passado por uma longa batalha judicial, que tal como no caso de Vicent Lambert, opunha pais e marido.