Pagar para estudar arquivos nacionais tem os dias contados

Investigadores apontam para maiores dificuldades no acesso. Parlamento discute lei do PS que prevê que as fotografias feitas aos documentos passem a ser grátis
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Os investigadores que consultam o Arquivo Histórico-Diplomático (AHD) do Ministério dos Negócios Estrangeiros foram surpreendidos, desde 1 de junho, com o pagamento de mais 7,50 euros por pasta que queiram fotografar, quando o Parlamento já tem em mãos um projeto de lei que quer facilitar a vida a esses investigadores que permite a reprodução digital nas bibliotecas.

A este pagamento por cada maço (pasta) que seja fotografado soma-se a uma quota anual, que cada investigador ou consultor já paga, mais 7,5 euros ao ano que até aqui já eram pagos para quem queria fotografar. Pode parecer pouco, mas pesa quando se multiplicam os documentos consultados em orçamentos e bolsas curtas.

Para José Pedro Monteiro, investigador, esta situação só complica o trabalho de investigação. "Há aqui uma questão óbvia, que é a dos investigadores não poderem seguramente suportar estes valores. E não se trata de um capricho", escreveu na sua página do facebook. "A recolha de fotografia permite voltar a uma pasta mais tarde, perceber que coisas que não faziam sentido, com o trabalho em cima do resto, afinal fazem." Cada investigador só pode ter na mesa um maço (uma pasta que pode ter umas 600 ou mais páginas), que não facilita a comparação de documentos de diferentes pastas, explicou ao DN o investigador.

Segundo José Pedro Monteiro, há uma restrição também para quem vive fora de Lisboa ou mesmo no estrangeiro - e precisa de rentabilizar uma visita aos arquivos. "Num momento em que a história do país precisa de se internacionalizar, para esses investigadores [estrangeiros] fica ainda mais complicado. São problemas logísticos evidentes, que vai contra práticas e aquilo que se tem verificado no estrangeiro, de objetivos de digitalização, no acesso a documentação de fontes primárias não impressas através da internet. Ainda para mais quando há uma proposta do PS."

Questionado o gabinete do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) sobre esta nova prática, fonte oficial respondeu que "os 7,5 euros anuais referem-se ao cartão da Biblioteca e Arquivo, tal como acontece, por exemplo, na Biblioteca Nacional" e que "relativamente às fotografias foi onerado o custo de 7,5 euros por maço (podem chegar aos mil documentos), dada a explosão de pedidos que se tem verificado e que constitui uma sobrecarga para os funcionários".

O projeto de lei socialista - que já foi aprovado na generalidade com os votos da esquerda parlamentar e do PAN e a abstenção do PSD e CDS - aponta para uma desoneração de custos para as entidades e dos "custos globais de investigação para investigadores", ao salvaguardar "a recolha de fotografias digitais para investigação académica e para uso privado da documentação à guarda das bibliotecas e arquivos públicos", como é por exemplo a Torre do Tombo.

Diogo Ramada Curto, historiador e professor universitário, sublinha ao DN que "os arquivos existem para preservar e conservar a documentação e para que a documentação seja estudada. E tudo o que permita uma abertura ao estudo e à investigação deve fazer parte intrínseca dos objetivos dos arquivos". E deixa bons exemplos neste campo: o Arquivo Histórico Militar, o Arquivo Histórico Ultramarino e a Biblioteca Nacional.

O PS quer que estas práticas se generalizem, defendendo na exposição de motivos do seu projeto que pretende, "do ponto de partida do cidadão, leitor e investigador, consolidar boas práticas de acesso ao conhecimento, permitindo-lhe aceder na posse dos seus dispositivos digitais de uso pessoal às salas de leitura das bibliotecas e arquivos públicos, concedendo-lhe direitos para a utilização dos mesmos", preservando documentos e não perturbando terceiros.

Os deputados socialistas invocam também exemplos internacionais, para avançar com esta proposta, como os National Archives, a British Library ou as Bodleian Libraries de Oxford, no Reino Unido, ou a Bibliothèque Nationale e os Archives Nationales, em França.

O MNE admite recuar na taxa agora praticada, notando que "aplicará qualquer legislação aprovada pela Assembleia da República".

Direitos de autor em causa?

O projeto de lei socialista já mereceu oito pareceres de várias entidades. Duas associações de defesa e gestão de direitos de autor de produtores audiovisuais são muito críticas do projeto, apontando o dedo ao âmbito da lei que será "tão livre, tão irrestrito, tão incontrolável e de consequências tão imprevisíveis (para não dizer previsivelmente catastróficas para os interesses dos titulares de direitos)". Já a Associação para a Gestão de Cópia Privada conclui "pela ilegalidade do projeto".

Para a Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, o projeto deve permitir "a reprodução digital em bibliotecas e arquivos", em vez da "fotografia" que o projeto contempla. A Sociedade Portuguesa de Autores nota que as imagens obtidas são só para fins de investigação.

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