Pagador de promessas: "Nunca tinha visto tanta gente em Fátima"
Esta é a 16º peregrinação que Carlos Gil faz a Fátima, num 13 de Maio. Tirando as peregrinações aniversárias, já perdeu a conta às que fez, por contra dos outros. Aos 52 anos, este vendedor de casas é o mais conhecido pagador de promessas do país, que a troco de 2500 euros faz o percurso "padrão" - como lhe chama - entre Lisboa e Fátima.
Desta vez saiu de Mafra, no dia 5, e chegou ao Santuário ontem à noite, por voltas das 23 horas. "Na maior parte do tempo não me cruzei com nenhum outro peregrino. Venho sempre por caminhos alternativos", contou ao DN esta manhã, antes mesmo de acender as velas prometidas - outra parte do serviço que presta, a par de rezar o terço, por exemplo, por 250 euros. Em março deste ano, Carlos Gil lançou um novo blogue, onde se chega assim mesmo: pagador de promessas. É uma página organizada à séria, com informação sobre o autor e sobre as peregrinações que faz. "É a honra de servir os outros. É assim que olho para o serviço que presto", diz Carlos Gil, desenvoltura no falar, convicção para repartir.
A história começou há 16 anos, depois de um esgotamento nervoso que o fez repensar a vida. Nessa altura, Carlos já era empenhado na paróquia, já participava no coro e na catequese de Alcabideche, mas foi a impossibilidade alheia que o levou a fazer a primeira peregrinação a Fátima. "Não sei explicar, foi um ímpeto". A família "não entendia de todo o que eu estava a fazer", mas com o tempo, acabaram por aceitar. Carlos diz-se crente desde muito novo, desde a infância em Luanda até à adolescência em Portugal, que a família de retornados percorreu de lés a lés. A Fátima, curiosamente, nunca tinha ido, até àquele ano de 2001, em que fez a primeira peregrinação a troco de dinheiro. Se é devoto de Nossa Senhora? "Ela é importante, claro, mas para mim o centro é Jesus".
Enquanto explica um serviço dirigido sobretudo à comunidade lusófona, Carlos enfatiza que é contactado "por todo o tipo de pessoas" a maioria das quais nunca chega a conhecer. Pagam-lhe antecipadamente, por transferência bancária, e há uma espécie de código de conduta que o impede de falar sobre os autores das promessas, clientes a quem prefere chamar "beneméritos". À medida que se tornou conhecido, cresceu esse universo, bem como a desconfiança alheia. "Estou habituado a esses julgamentos que as pessoas fazem, lido bem com isso. Não me conhecem, nunca estiveram comigo. Se estivessem perceberiam que não sou um charlatão".
Cada peregrinação é exclusiva de um único cliente. Desta vez, partiu de Mafra, a pedido do autor da promessa. Sete dias depois chegou a Fátima, depois de uma peregrinação solitária. "Normalmente começo a peregrinar pelas 7, e por volta das 5 ou 6 da tarde termino, com muitas paragens". Diz que come e dorme "onde Deus quer", sem nada reservado. Porém, em Fátima, há meses que tinha marcado um quarto num dos novos hotéis da cidade. É lá que pernoita hoje, de novo, tal como ontem. "Eu nunca tinha visto uma coisa assim, em dia 11", sublinha, ele que nunca ofereceu nem pagou nenhuma promessa em seu nome". Porquê? "Porque na minha linha de pensamento e devoção, acredito que com o divino não se negoceia".