"Ouça-os, os filhos da noite. Que música fazem!", já dizia o Drácula de Bram Stoker. E nós ouvimos Nandor, Laszlo e Nadja, os vampiros que desafinam alegremente, para prazer do espectador, numa série que agarra no imaginário gótico, com guarda-roupa a rigor, e o insere na contemporaneidade. De caninos afiados e sem sangue renovado, What We Do in the Shadows chega à sua terceira temporada com as personagens que desde o início transformam episódios com pouco mais de 20 minutos em cálices concentrados de humor negro e parvoíce saudável - a cada sexta-feira estreia novo episódio na HBO..Situado em território americano, mais precisamente em Staten Island, importa lembrar que este universo vampírico de comédia sem freio tem origem neozelandesa: What We Do in the Shadows foi primeiro um filme, escrito, realizado e interpretado por Jemaine Clement e Taika Waititi, em 2014, mas agora que o último está entretido com Hollywood e a Marvel é Clement quem assina a brincadeira, dando continuidade à premissa desse falso documentário que mostrava três vampiros a partilhar casa enquanto tentam lidar com a vida moderna e os seus desafios. Na série temos Nandor (Kayvan Novak), que noutra vida foi um guerreiro implacável do Império Otomano, Laszlo (Matt Berry), um britânico libidinoso do século XVIII, Nadja (Natasia Demetriou) - casada com Laszlo -, de ascendência cigana, e Colin Robinson (Mark Proksch), que não referimos antes como "filho da noite" porque se trata de um vampiro diurno. Na verdade, Colin é o chamado "vampiro psíquico" (ou "magnético"), que sobrevive através de uma ação parasítica, sugando, em vez do sangue, a energia das suas vítimas só de falar com elas... É o tipo de vampiro com que provavelmente já todos nos cruzámos no dia-a-dia, e é das personagens mais hilariantes do grupo, que nesta terceira temporada está a tentar perceber se nasceu vampiro ou se há outra explicação para o seu poder..Um patamar acima destes vampiros, em inteligência, está o humano Guillermo (Harvey Guillén), servo de Nandor, que por esta altura já ganhou o título de guarda-costas, e vive num eterno dilema entre querer ser mordido para se tornar vampiro e... matar vampiros - ou não tivesse o ADN ancestral do caçador Abraham Van Helsing..O que faz de What We Do in the Shadows uma série mais do que simplesmente divertida é, para além dos vampiros incompetentes de sotaque europeu que sugam o nosso afeto, a variedade de situações que testam a sua capacidade, ou não, de se desenvencilhar no mundo contemporâneo, sobretudo através das novas tecnologias, com episódios que envolvem trolls de internet e trolls "verdadeiros" ou maldições enviadas por e-mail. De lobisomens a bruxas, passando por fantasmas viscosos e convidados especiais, há de tudo nesta aventura do quotidiano vampírico, que não deixa de remeter para traumas ou nostalgias (enfim, a brincar...). Isto enquanto curiosidades à volta da mitologia dos vampiros vão sendo reveladas como quem folheia livros obscuros e antigos numa biblioteca. A série de Jemaine Clement está menos interessada em sangue do que no estranho conceito de família que une estas personagens irresistíveis..dnot@dn.pt