"Os têxteis mostram a diversidade do México e foram retratados na obra dos muralistas, como Rivera, Alfaro e Orozco"

O México caracteriza-se por uma imensa diversidade cultural e isso vê-se desde as muitas línguas que são faladas a par do espanhol, até ao fulgor da arte têxtil, com cada comunidade indígena a manter uma tradição que pode ter séculos, mas não deixa de inovar. A pretexto da inauguração amanhã às 18.00 em Lisboa, na Casa da América Latina, da exposição Têxteis Extraordinários - México, o DN conversou via Zoom com Alejandra Frausto Guerrero, secretária de Cultura, que esteve na preparação desta mostra que inclui 40 lindíssimos trajes. O embaixador mexicano, Bruno Figueroa, marcará presença na sessão de abertura desta exposição, que poderá ser visitada até 27 de outubro na Casa das Galeotas (avenida da Índia, 110).
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O México é 20 vezes maior que Portugal e um país de uma grande diversidade cultural. Esta arte têxtil tem tradição em todo o país? Reflete a diversidade do México?
Absolutamente. O México tem uma das maiores diversidades culturais, biológicas e naturais dos países do mundo, com maior diversidade natural, linguística. Um bom exemplo para entender o que acontece com os têxteis são as diferentes línguas que temos, que se falam no México como línguas oficiais. São 68 línguas com 364 variantes, isso significa que todos os dias do ano podemos falar do México de uma forma diferente. Assim, poderíamos entender o que são os têxteis e a diversidade de têxteis que há nas culturas do México. Além disso, cada comunidade tem diferentes formas de usá-los, diferentes formas de fazê-los, que têm a ver com rituais, com cerimónias, às vezes com o estado civil, às vezes só para vender às pessoas que não são da comunidade. Mas é uma forma de mostrar a cultura que tem persistido por tantos anos, por mais de 500 anos. Então, em todo o país encontramos diversidade têxtil e formas diferentes de mostrar como é cada comunidade, designadamente através da língua ou da comida, que também é muito diversa.

O México tem 32 estados e na exibição vão ser representados 16 desses estados. Qual foi o critério para a seleção?
É uma coleção muito valiosa, uma coleção muito boa com 40 peças. O critério de seleção é, de facto, um desafio, mas tem a ver com representar diferentes regiões culturais do país. Está representada a diversidade cultural e também estão representadas algumas das peças que foram vítimas de plágio por algumas marcas internacionais, que são parte da cultura da comunidade, que continua viva, que continua a fazê-las. Nunca devemos perder de vista que quando se plagia ou rouba uma peça das culturas originárias, estamos a vulnerabilizar o direito a uma coletividade completa. Então, isso é o que está a ser exibido, são alguns vestidos rituais e, sobretudo, a representação de diferentes culturas, a maia, a tzotil, a tzeltal, a seri, povos indígenas do norte, do sul, do centro, de diferentes regiões do México.

Os motivos e as técnicas têxteis são ainda da época anterior à colonização espanhola ou também resultam da mestiçagem das culturas?
Algumas técnicas respondem à mestiçagem de alguns elementos que chegaram, como a lã de borrego, alguns elementos, como o tear de pedal, mas, na maioria, as técnicas são anteriores à chegada dos europeus ao México. Essas técnicas são originais, existem têxteis que temos nas coleções de antropologia, que são têxteis ou maneiras de vestir que se podem encontrar com uma antiguidade tão grande como 1000 anos e são, em muitas ocasiões, reflexo da natureza, dos elementos sagrados, da planta sagrada no México, que é a origem da nossa cultura, que é o milho, que está muito representado nos têxteis, mas também os animais sagrados, que representam alguma deidade ou alguma figura que é importante para a cultura. Existem, por exemplo, bordados que mostram um movimento natural sagrado, que é um tornado, ou que é o vento, ou que é a água. Aí se reflete a vida, se reflete a tradição, a cultura e toda uma maneira de ver o mundo. Então, a maior parte dos têxteis que vão estar na exposição são de técnicas anteriores à colonização.

Na arte mexicana, a cultura popular retém muito as imagens dos murais de Diego Rivera e David Alfaro Siqueros. É possível ver alguma influência da arte tradicional nas obras pictóricas dos grandes muralistas mexicanos?
Os têxteis foram largamente retratados na obra dos muralistas, por exemplo na obra A Vendedora de Jarros de Diego Rivera, vemos claramente um "Enredo" (tipo de saia indígena mexicana) que é muito parecido com um que foi enviado para a exposição. Os têxteis, como são em muitos casos roupas rituais, são parte dessas festas tradicionais, dessa maneira de celebrar o mundo e a cultura, que se mostraram nos murais da época pós-revolucionária. Essa era uma maneira de entender e de educar as gerações após a revolução, no México, e é onde o povo, que havia sido discriminado e explorado, se coloca no centro da cultura. Por isso, tanto em David Alfaro Siqueros, como em José Orozco, como em Diego Rivera, como em outras manifestações artísticas e culturais, vamos encontrar a arte têxtil. E também nas obras pré-hispânicas vamos encontrar a arte têxtil em obras de arqueologia. Isso é algo muito interessante de notar, porque é uma linha que não acabou e que segue viva.

Agora coloco a pergunta de outra forma. Por exemplo, Frida Kahlo, que é um ícone do México, e as suas pinturas, muitas vezes serve de inspiração para artistas de todo o mundo. É possível também servir de inspiração moderna para as criações têxteis? Ou seja, as criações têxteis são conservadoras nos temas ou não?
A arte têxtil é absolutamente contemporânea. Os próprios povos inovam, mudam as suas próprias técnicas e mantêm um diálogo com o mundo. Não estão presos a uma tradição do passado. Preservam um símbolo cultural, mas no presente e dialogam com outros elementos que talvez não estivessem ao seu alcance quando esses têxteis começaram a existir. E acho que é uma das expressões contemporâneas mais fortes, porque a maneira de vestir é como uma segunda pele para eles. É como uma forma de manifestar quem eles são, é um símbolo de identidade. E a identidade, conforme a época, continua a ser parte de um mesmo tronco, continua a ser parte de uma mesma raiz, mas tem um diálogo totalmente atual, sem dúvida alguma. E tem ainda um diálogo com as expressões. Se vir as cores, por exemplo, há momentos em que na arte têxtil dos povos indígenas do México vê a tendência de cor que está na moda nesse ano. E eles mesmos vão inovando e podem seguir correntes ou influências diferentes de moda. É muito interessante, nos vestidos de Frida Kahlo, que ela usava muito, os huipiles (blusa tradicional) do Istmo de Tehuantepec, pode-se ver a Art Nouveau, pode-se ver a Art Deco, as diferentes influências do que representa a cultura num momento histórico e o mesmo acontece agora.

Falamos muito da gastronomia mexicana, como o soft power do México. Imagina que os têxteis e outros produtos tradicionais também possam ganhar uma projeção internacional e também acrescentar a esse soft power do México?
Absolutamente, sim. Algumas marcas mostraram-nos, pelas más práticas e por plágio, que os grandes mercados estão abertos a essas expressões culturais. Então, o que nos interessa é que os protagonistas, que realmente fazem essa arte, tenham essa presença nos países. E é uma manifestação muito importante, porque a partir do "Original", que é um movimento que fizemos para a defesa dos têxteis e dos direitos coletivos, os artesãos têm recebido muitos convites internacionais muito interessantes. Isto tem a ver com mostrar o que se preservou. São expressões culturais que resistiram mais de 500 anos para continuar vivas. Então, absolutamente, como a cozinha, como a medicina tradicional, como a música, como as diferentes expressões dos povos e como as línguas, estão vivas. O que acontece com o têxtil é que pode ser partilhado e pode ser usado. Oxalá pudéssemos falar 68 línguas, mas isso é impossível. Contudo, no têxtil há uma comunhão muito mais fácil, assim como com a comida.

De figuras humanas a animais, mas também motivos geométricos, tudo parece possível no têxtil mexicano. Tem alguma preferência?
Os têxteis são como códices, livros antigos que refletem a cultura asteca através de símbolos, e refletem o estado de ânimo de cada um. Um têxtil tradicional é uma segunda pele e o seu significado depende da pessoa que o elaborou, da maneira como essa pessoa vê o mundo e daquilo que quer comunicar. Assim, acho que depende de como se quer enfrentar o mundo nesse dia, decide-se que roupa usar. O que mais gosto são os têxteis de "tear de cintura", um que se tece sentado no chão, tem muito contacto com a terra, e quase sempre vamos encontrar aí representado o milho que é uma planta sagrada para nós. É difícil escolher um em detrimento do outro, mas se tivesse de o fazer, talvez fosse por aí.

Um desafio a quem visitar a exposição dos têxteis mexicanos em Lisboa e quiser saber mais?
Convidamos o público a conhecer o movimento "Original", a viajar ao México para conhecer milhares de famílias criadoras de arte têxtil, que devem ser respeitadas e protagonistas de seu próprio desenvolvimento cultural e económico. A exposição "Original" é apresentada na Cidade do México de 16 a 19 de novembro deste ano, no centro cultural "Los Pinos", que antes era a Casa do Presidente e hoje é a casa do povo e dos artesãos.

leonidio.ferreira@dn.pt

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