Os seis sentidos da política
Sendo uma relevante actividade humana, é natural que a política envolva a utilização dos cinco sentidos tradicionais. Sobretudo no âmbito partidário. É fundamental que todos estejam bem apurados. Isto permite detectar e solucionar muitos problemas.
Enumerar cada um acaba por ser um exercício estimulante.
O TACTO costuma ser o sentido mais associado ao exercício da actividade política. Há até quem garanta que é condição essencial para alguém ser bem-sucedido na vida partidária e nos exigentes combates eleitorais. Político sem tacto está condenado ao fracasso, por ser incapaz de avaliar as melhores condições para agir perante cada situação concreta. De certos políticos se diz, tal como de certos actores em palco, que possuem esta característica inata. Ajuda muito.
O OLFACTO permite detectar, no momento preciso, qual a atitude mais apropriada perante circunstâncias. "Cheirar" a oportunidade é outro requisito indispensável para quem exerce cargos políticos ou pretenda exercê-los. Só os mais astutos, com este sentido muito apurado, captam os sinais dos tempos que exigem determinado gesto, determinada frase, determinado acto de rebeldia ou ruptura. Killer instinct, diz-se em inglês. Sem ele, tudo se torna mais difícil.
O PALADAR também ajuda muito. Mas em boa verdade não é inato, ao contrário do tacto. É cultivado, apura-se com o tempo, adquire-se com a experiência, refina-se com a sensibilidade, trabalha-se para obter sucesso. Está associado ao bom senso (gosto), condimento muito mais importante na política do que alguns supõem.
CitaçãocitacaoSem noção, a linha que separa acção política útil e consequente do mero impulso populista, marcando distâncias entre uma coisa e outra, acaba por diluir-se.esquerda
A VISÃO é um sentido essencial para definir rumos estratégicos. Permite ler o contexto, sem abdicar dos princípios, corrigir a rota, perceber a necessidade de fazer diferente. Tem enorme valor em qualquer organização que pretenda ganhar influência e perdurar no tempo, com impacto duradouro, sem se esgotar no curto prazo.
A AUDIÇÃO é também indispensável. Temos de escutar o que os outros dizem, sem arrogâncias. Começando pelos eleitores, elementos da sociedade que delegam nos políticos o exercício da soberania, sem prescindirem dela. Há que saber ouvir igualmente os chamados líderes de opinião, que emitem críticas nos locais próprios, e até os adversários políticos.
Em qualquer dos casos, estes cinco sentidos não bastam. Existe outro, sem o qual os restantes de nada servem. É o chamado sexto sentido, a que podemos chamar noção. O que permite avaliar cada situação e decidir o momento de actuar. Ou até se convém actuar.
Sem noção, a linha que separa acção política útil e consequente do mero impulso populista, marcando distâncias entre uma coisa e outra, acaba por diluir-se. É uma virtude a que alguns podem não atribuir importância, mas faz muita falta no combate político. Evita também deslumbramentos, sempre maus conselheiros. Há quem lhe chame intuição. No entanto, é mais do que isso e mais escassa do que se imagina.
A noção é ampla e há quem a perca de todo, entrando na esfera da inimputabilidade. Como, à escala europeia, Boris Johnson demonstrou nestes penosos meses finais à frente do governo do Reino Unido. E como, à escala nacional, Fernando Medina tem revelado enquanto ministro das Finanças, aliás na linha do que já tinha evidenciado enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa. As mais recentes notícias só o confirmam.
Uma reflexão em Agosto. Em poucos dias regressa a actividade parlamentar. Que os seis sentidos estejam apurados e sintonizados para que Portugal tenha outro sentido.
Deputado da Iniciativa Liberal
Escreve de acordo com a antiga ortografia