Em circunstâncias normais, um moscovita sozinho pode segurar um cartaz num passeio sem precisar de autorização de manifestação. Mas se aparecer outra pessoa, passa a ser um ajuntamento ilegal e a polícia pode fazer detenções..Mas depois da vitória de domingo da Rússia sobre a Espanha, uma superpotência do futebol, centenas de russos fizeram uma festa barulhenta até tarde na noite, não num passeio qualquer, mas no passeio frente à Lubianka, a sede do Serviço Federal de Segurança, conhecido como FSB, a agência sucessora do KGB..Um homem marcava o ritmo com um tambor. Os adeptos de futebol dançavam. "Durante o campeonato, tudo é permitido", disse Sofia Mirnaya, uma professora de literatura russa de 26 anos que tirou fotografias do namorado com um copo de cerveja de plástico..Contrariando expectativas, tensões geopolíticas e 1000 anos sombrios da história russa, o governo transformou o Campeonato do Mundo num acontecimento divertido..Os defensores dos direitos humanos temem que o evento desportivo fortaleça a posição do presidente Vladimir Putin, que fez bom uso da competição para amenizar uma reforma impopular das pensões a nível interno e melhorar a imagem da Rússia no exterior, reforçando a sua postura autoritária, conservadora e nacionalista..Na segunda-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, comparou as multidões que festejavam àquelas vistas em "imagens históricas de 9 de maio de 1945", a data da rendição da Alemanha nazi à União Soviética na Segunda Guerra Mundial..O presidente Donald Trump, que se encontrará com Putin numa cimeira a 16 de julho, elogiou o torneio, dizendo que a Rússia está "a fazer um trabalho fantástico com o Campeonato do Mundo"..As expectativas não eram altas para o Campeonato do Mundo, que a Rússia conquistou o direito de acolher em 2010, muito antes de anexar partes da Ucrânia, intervir militarmente na Síria, intrometer-se nas eleições presidenciais dos EUA e tornar-se um pária geopolítico..De facto, organizar um Campeonato do Mundo na Rússia de hoje parecia uma ideia terrível para muitos. A família real britânica, por exemplo, boicotou o evento, após o envenenamento com uma substância neurotóxica, este ano, de um ex-agente duplo russo na Grã-Bretanha..Não só a Rússia tinha sido apanhada num escândalo de doping patrocinado pelo Estado no último grande acontecimento desportivo internacional que aí decorreu, os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 em Sochi, como a sua equipa de futebol era amplamente considerada uma piada, tanto a nível interno como externo. Sendo a equipa da casa, a seleção russa ficou automaticamente qualificada, mesmo estando em 70º lugar no mundo, a classificação mais baixa entre os países participantes..Álcool e orgulho.Mas no domingo à noite, a Rússia bateu a Espanha numa reviravolta quase inacreditável, e agora está entre as oito equipas finalistas. Foi essa vitória que desencadeou a gigantesca festa de rua movida a álcool e orgulho em todo o centro de Moscovo, inclusive, e improvavelmente, à porta da Lubianka..Quase tudo correu bem. As multidões nos estádios têm sido entusiastas e os relatos de violência e incompetência logística têm sido poucos. Os hooligans russos, geralmente um grupo terrível, não se veem em lado nenhum (o FSB supostamente levou a cabo "conversas profiláticas" prévias com os seus líderes para desencorajar a agitação)..O sucesso do futebol faz com que os russos pensem de forma diferente sobre si próprios, mesmo que alguns espectadores em todo o mundo, assistindo à festa, reconsiderem as suas opiniões sobre a Rússia. Uma capital conhecida pelo seu frio, o seu dinheiro e a sua força bruta está descontraída e, por algumas semanas, relaxante.."Temos um governo repressivo, mas não agora, porque estamos a fazer a festa", explicou Alexander Yerofeyev, um dos que comemoravam na noite de domingo.."Quando se trata de política, é proibido", disse ele. "Quando se trata de futebol, é permitido.".Os heróis do futebol da Rússia terminaram o jogo com um empate 1 a 1, passaram 30 minutos de um prolongamento de dar cabo dos nervos e venceram quando o guarda-redes russo, Igor V. Akinfeev, defendeu um penálti com um salto acrobático e bateu a bola para fora com o pé..No que os analistas chamaram um erro de cálculo, Putin enviou o seu primeiro-ministro, Dmitry A. Medvedev, para presidir ao jogo no Estádio Luzhniki, pois era esperada a derrota com Espanha. Peskov, porta-voz de Putin, esclareceu mais tarde que Putin assistiu ao jogo todo na televisão. À medida que a noite avançava, uma camada de nuvens ficou cor-de-rosa com o pôr-do-sol e as pessoas saíram para as ruas..Na maior parte do tempo, foi apenas uma festa apolítica e regada a álcool, sob o baixo-relevo de metal de Yuri V. Andropov, ex-chefe da polícia secreta e secretário-geral do Partido Comunista, que está fixado à robusta fachada de pedra do prédio. Os russos temem o edifício, brincam com um certo humor negro dizendo que o prédio de nove andares é o mais alto de Moscovo: no interior consegue-se ver a Sibéria das suas janelas. No domingo, a cem metros de distância, ao virar da esquina, um homem alimentava a diversão com cerveja vendida no porta-bagagens de um carro estacionado ilegalmente..Pavel Rovinsky, de 25 anos, um agente da polícia de folga que se juntou à festa na Lubianka, com a cerveja na mão, disse que o desanuviamento do futebol não iria durar. "Quando o campeonato terminar, tudo voltará ao seu lugar", afirmou. "O que era proibido voltará a ser proibido".