Os robôs que fazem música de carne e osso

É indiscutível que "Random Access Memories", o primeiro álbum de originais dos Daft Punk em oito anos, é um dos mais aguardados do ano. Mas agora abandonaram as máquinas.
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Artista: Daft Punk

Título: 'Random Access Memories'

Editora: Columbia / Sony Music

Classificação: 2/5

A canção de abertura de Random Access Memories, o muito aguardado regresso aos álbuns dos franceses Daft Punk, é toda uma declaração de intenções: "Give life back to music" (Devolver vida à música). Assim cantam eles com as suas típicas vozes robotizadas, mas acompanhadas pela guitarra de Nile Rodgers, o homem dos Chic que produziu Like A Virgin para Madonna ou Let"s Dance para David Bowie.

Com este regresso aos discos, praticamente oito anos depois de Human After All (2005), a dupla francesa, que desde os anos 90 se esconde por trás da imagem de dois robôs, quer literalmente devolver vida à música. Deparando-se com a globalização do EDM (terminologia criada para música de dança maximal que hoje enche estádios), sendo pais diretos de muitos dos músicos associados a esse termo, agora os Daft Punk quiseram distanciar-se de tudo isso. Abandonaram as máquinas, contrataram uma série de músicos de sessão (que no passado trabalharam para Michael Jackson ou Bruce Springsteen), convidaram "estrelas" como Pharrell Williams ou Giorgio Moroder e durante cinco anos criaram este Random Access Memories, uma celebração de memórias musicais do passado (e em particular dos anos 70 e 80) que pouco tem de música de dança. É, no mínimo, surpreendente para um grupo responsável por verdadeiras revoluções nesta área e que são um dos nomes mais conhecidos mundialmente da música eletrónica.

O disco é uma reação ao panorama atual, como referiu em entrevista à revista norte-americana Billboard Thomas Bangalter, um dos dois Daft Punk: "[Hoje] faz-se música como se fosse mais fácil criar a mesma coisa que se ouve na rádio." Já ao site Pitchfork referiu recentemente que "a tecnologia tornou a música mais acessível, o que do ponto de vista filosófico é incrível. Mas, por outro lado, quando todos têm a habilidade de fazer magia, parece que já não há magia".

Em vez das produções house maximais e expansivas que hoje são dominantes na eletrónica mainstream, os Daft Punk optaram por canções com sabor soft rock, pelo funk e disco sound como se tivessem sido transportados diretamente do final dos anos 70 ou até por baladas new age.

Mesmo que tenham trocado as voltas a muitos dos seus admiradores, ainda assim estão a ser bem sucedidos. O single Get Lucky (com Pharrell na voz e Nile Rodgers na guitarra), foi número 1 nos tops de vendas de mais de uma dezena de países. Infelizmente a canção resume-se a um piloto automático de todos os envolvidos. Porque dado aos méritos que todos já revelaram no passado, seria de "exigir" que não se limitassem a repetir fórmulas sem grande vigor criativo.

É algo que acontece ao longo de todo este Random Access Memories. É exemplarmente bem tocado e produzido, está repleto de boas ideias em várias canções (principalmente em Touch, com Paul Williams, e Doin' It Right, com Panda Bear), mas ao tentarmos escavar além da técnica pouco encontramos. Algumas das boas ideias acabam por depois servir soluções criativas entediantes e sem a vontade de surpreender que, à primeira vista, esta nova narrativa dos Daft Punk possa transparecer.

Não precisávamos da parte da dupla francesa nenhuma revolução sonora. Apenas lhes pedíamos mais que um par de boas canções memoráveis, mas quando a técnica e o apuro estético é preterido ao real desenvolvimento de ideias criativas, o resultado é algo menor como é este Random Access Memories.

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