Os riscos das fábricas de químicos próximo das cidades
Setúbal esteve mais uma vez ontem sob a ameaça de uma nuvem tóxica, devido ao incêndio que afetou quatro depósitos de solventes na Sapec Química. O incêndio acabou por ser controlado em poucas horas e o pior cenário foi afastado, mas ficaram os alertas. Devem as fábricas de produtos químicos continuar instaladas junto de cidades? A associação ambientalista Quercus considera que "está na hora de lançar o debate" nesta matéria. Até porque, este é o segundo incêndio com materiais tóxicos na Sapec, em pouco mais de um mês.
O risco deste tipo de indústrias está essencialmente na "concentração de tóxicos no ar", explica Mário Durval, médico de Saúde Pública. Foi o que aconteceu no primeiro incêndio na fábrica da Sapec, a 14 de fevereiro, que, no entanto, já não pertence ao mesmo grupo económico, embora mantenha o nome. A formação de uma nuvem tóxica, depois da libertação de dióxido de enxofre, levou as autoridades de saúde a fechar escolas e cerca de 30 pessoas foram assistidas devido à inalação de fumo tóxico (ver caixa).
Ontem, as autoridades ainda chegaram a temer a formação de uma nuvem tóxica, mas o incêndio que deflagrou pouco antes do meio-dia acabou por ser extinto às 14.00. No centro de Setúbal, o incêndio não era tema de conversa, até porque passou despercebido a alguns populares, que só quando viram nas notícias perceberam o que se estava a passar. Porém, outros garantem que ouviram uma explosão por volta das 12.30, já o incêndio estava a ser combatido pelos bombeiros.
Numa coisa, os setubalenses estão todos de acordo: "É necessário fiscalizar a fábrica e ver se estão a fazer tudo bem. Dois incêndios num mês não é normal", referiram alguns populares, que não se quiseram identificar.
A mesma opinião têm os ambientalistas e o médico ouvido pelo DN. "Este tipo de ocorrências é extremamente improvável, pelos vistos estamos a presenciar algo que devia ser bastante raro e num mês e pouco dois acidentes em duas empresas do mesmo grupo, é preocupante", refere Francisco Ferreira, da associação ambientalista ZERO.
O especialista em qualidade do ar acrescenta ainda que o impacto do incêndio de ontem ainda é desconhecido, na medida em que "não sabemos que solventes estavam em causa". A empresa garantiu em comunicado que o incêndio não teve qualquer perigo para o ambiente.
A Sapec Química indicou que este foi o primeiro incidente registado em 20 anos de funcionamento da fábrica de solventes e garantiu que "possui todas as certificações ao nível da qualidade e do ambiente, integrando o núcleo de empresas `Seveso" da península de Setúbal, com o cumprimento de todas as exigências que daí decorrem ao nível da segurança".
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) também esteve no local e emitiu um comunicado, no qual informa que a Sapec "é um estabelecimento abrangido pelo nível superior do regime de prevenção de acidentes graves envolvendo substâncias perigosas". Em relação às consequências do incidente de ontem, a agência garante que não se registaram alterações dos poluentes medidos nas estações de mediação da qualidade do ar. Indicando que "o tempo de duração do incêndio foi curto e que os compostos solventes são altamente voláteis, não permanecendo na atmosfera".
A APA sublinha que "continuará a acompanhar esta situação com as autoridades competentes (saúde, ambiente e fiscalização).
Uma ação que Paulo do Carmo, da Quercus, espera seja conclusiva, já que "no espaço de um mês e meio, um acidente deste género, na mesma unidade, isso significa que há alguma coisa que não está bem". "É urgente fazer um inquérito e tentar perceber o que se passou, se calhar as condutas de funcionamento não estão bem e as autoridades têm que agir. Está também na hora de lançar o debate se devemos ter unidades químicas junto de aglomerados urbanos", acrescentou.
Do incêndio resultou um ferido sem gravidade. O homem de 57 anos, trabalhador da Sapec foi transportado para o Hospital de São Bernardo, em Setúbal, com 30% do corpo queimado. Acabou por ser transferido para o Hospital de São José, em Lisboa, para ser avaliado pela cirurgia plástica. Segundo a empresa, o homem está fora de perigo. A Sapec garante que este incidente não está relacionado com o de 14 de fevereiro.