Os quatro grandes desafios do novo governo de Costa na Economia e nas Finanças
O governo depara-se com quatro grandes desafios na área da Economia e das Finanças.
A capacidade e a qualidade do sistema financeiro ainda a braços com níveis elevados de malparado.
A execução dos fundos europeus de tem de ser certeira, rápida e direcionada para investimentos produtivos do Estado e das empresas de modo a não gerar mais dívida a pagar no futuro. É sob este chapéu que vão surgindo e podem surgir mais medidas de apoio ao setor empresarial, evitando falências e impulsionando exportações.
Ligado ao ponto anterior, surge o grande desafio da competitividade externa, sobretudo em setores grandes como o turismo, que sobreviveu à pandemia, mas agora depara-se com uma guerra pela frente, por exemplo. O turismo e muitas atividades industriais de ponta estão de novo pendurados pela alta dependência energética face à energia que vem do petróleo e do gás, pela inflação agressiva. Pior: as famílias portuguesas também. A ameaça sobre o poder de compra e de empobrecimento das pessoas é real.
Em quarto, mas nem em último. A consolidação das contas públicas num ambiente de dívida ainda muito elevada, inflação e taxas de juro a subir, que vai requer especial atenção nos próximos anos de forma a "diferenciar" Portugal pela positiva, como já avisaram o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, e o ministro das Finanças cessante, João Leão.
Sistema bancário e incumprimento
Os riscos bastante ameaçadores que persistiram na crise anterior sobre a estabilidade financeira estavam a regredir antes de eclodir a crise pandémica e desta nova situação de guerra na Europa.
Segundo os analistas principais que seguem Portugal na agência de ratings DBRS, "os aumentos de capital e os níveis mais elevados de alavancagem colocaram o setor bancário numa melhor posição desde o início de 2020".
A rendibilidade dos bancos foi ajudada por um perfil de risco que hoje é bastante menor do que no passado e pelos planos que procuraram maior eficiência nas operações, resultado de reestruturações profundas nos bancos, como a redução da sua presença física, de balcões e empregados.
Os riscos para a estabilidade financeira decorrentes dos elevados níveis de NPL (non performing loans ou créditos em incumprimento e não produtivos) "também recuaram", quer no caso dos bancos, quer no caso das empresas.
No entanto, as crises surtem um efeito contrário nesses indicadores. Com a pandemia, a sombra do malparado voltou a erguer-se devido às moratórias.
"Estas melhorias podem inverter-se se a crise vier a afetar drasticamente a solvência das famílias e das empresas. As moratórias de empréstimos e os empréstimos garantidos pelo Estado limitaram os incumprimentos, mas essas medidas de apoio começaram a ser eliminadas", observa a DBRS na mais recente avaliação à economia portuguesa.
Diz que ainda não tem dados sobre o que pode acontecer a muitas empresas portuguesas no curto a médio prazo.
"A deterioração da qualidade dos ativos pode ser mais pronunciada na sequência do fim das moratórias" pois "quase dois terços do total dos NPL do sistema bancário estão relacionados com problemas de desempenho ou de insolvência do setor empresarial".
É um grande desafio porque tem sido o Ministério da Economias e o seu rol de medidas de apoio, crédito barato e garantias que tem evitado o pior até agora. Nomeadamente, falências que facilmente se podem traduzir em fluxos de desemprego muito elevados.
Execução de fundos e PRR: mais investimento
É uma tecla em que Mário Centeno tem tocado muitas vezes. O Presidente da República idem, e até há mais tempo. Os fundos europeus vão ser decisivos para lançar a economia e as empresas numa nova era tecnológica e produtiva. Não pode haver desperdício.
A DBRS diz que o resultado eleições, que deram uma maioria absoluta ao PS, "reduz os obstáculos legislativos num momento chave". "Portugal é um beneficiário significativo dos fundos da União Europeia, entre eles os 16,4 mil milhões de euros (8% do PIB ou produto interno bruto) até 2026 do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)", que até já começou a ser desembolsado.
"O objetivo destas transferências da UE, especialmente do PRR, é ligar o financiamento às reformas e investimentos que tentam aumentar a força das empresas contra crise futuras (resiliência), e fazer avançar as transições verdes e digitais", dizem os analistas.
Mas o desafio é enorme. "Se estes ganhos financeiros conseguem ou não aumentar a capacidade produtiva da economia dependerá da capacidade de Portugal [governo e empresas] para absorver eficazmente as transferências e direcioná-las para fins efetivamente produtivos."
A Standard & Poor's (S&P) está mais confiante. O dinheiro da Europa é tanto que, só por si, vai gerar um impulso quase imparável de crescimento.
O analista da S&P que segue Portugal diz que "as subvenções da UE estão estimadas num equivalente a 22% do PIB entre 2022 e 2027", somando o que vem do orçamento da UE (Quadro Financeiro Plurianual) e as verbas do quadro Próxima Geração (NGEU).
Segundo a S&P este financiamento barato (subvenções são a fundo perdido) "irão estimular despesas elevadas em investimento".
"As autoridades portuguesas propõem-se utilizar 16,4 mil milhões de euros (7,2% do PIB) em fundos NGEU para investir na educação, energias renováveis, descarbonização, ferrovia, e infraestruturas de saúde pública".
Pelas contas desta agência de ratings, "no final do ano 2023, o investimento de Portugal já deverá exceder 20% do PIB, um nível que não é atingido há mais de uma década".
Dependência externa, turismo e energia
Outro dos grandes desafios do governo é conduzir um país num terreno sinuoso como o que hoje está pela frente: a economia é altamente dependente do exterior seja na energia, nas matérias primas, seja na existência de mercados internacionais abertos às nossas exportações, seja na captação do valioso turismo.
A DBRS não foge à questão: "um risco para a economia portuguesa advém da procura externa". "A despesa turística é uma componente importante das exportações de serviços".
Com uma agravante: o ponto de partida para este 2022 é muito baixo ainda, já com guerra e ecos de "fim da globalização".
"Os viajantes em alojamentos turísticos em 2021 permaneceram 46% abaixo dos níveis de 2019 e não é claro quando é que o setor se recuperará totalmente. Como resultado, a recuperação das exportações do setor dos serviços será provavelmente morosa e pesará nas contas do setor externo. Após sete anos consecutivos de excedentes externos, a conta corrente de Portugal voltou a ser deficitária em 2020, situando-se em 1,1% do PIB em 2021", observam os analistas.
Aqui, a S&P já sente mais perigos. "Os riscos da guerra na Ucrânia são difíceis de quantificar. Com a inflação da energia em mais de 30% anualizados a partir do início deste mês de março, a principal preocupação dos decisores políticos em Portugal e no resto da zona euro é o risco de um choque prolongado no crescimento".
"Esperamos que preços mais elevados de aquecimento, eletricidade e gasolina baixem os rendimentos reais das famílias e pesem nas margens das empresas. Além disso, o conflito na Ucrânia abala a confiança dos consumidores e das empresas", pondo em xeque planos e investimentos futuros.
Finanças públicas em ordem ou não
É talvez o desafio mais grave, mas também mais fácil de ver como pode acabar bem ou mal. Portugal tem uma dívida pública enorme, uma das maiores do mundo desenvolvido, de quase 130% do PIB. Com o Pacto de Estabilidade a ser ativado a meio desta nova legislatura, o desafio é tirar o país deste grupo e dos radares dos especuladores: reduzir o défice até chegar ao equilíbrio e depois entregar excedentes de modo a comprimir a dívida até 100% do PIB já em 2026. Era o desejável. Resta saber como compaginar isso com as crescentes faltas nos serviços públicos, muitos deles depauperados pela pandemia e falta de profissionais. Como é o caso da Saúde e da Educação.