"Os portugueses acolheram bem os judeus que chegavam" 

Neste <em>Fios Vermelhos - Portugal, a última esperança</em>, Margarida de Magalhães Ramalho conta histórias e memórias de refugiados nas décadas de 1930 e 1940, marcadas pelo nazismo.
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Amigo de Moisés Amzalak, chefe da comunidade judaica, qual era o sentimento pessoal de Salazar em relação aos judeus e como tal o distanciava de outros governantes de direita da época?
Salazar, ao que parece não teria sentimentos anti-semitas, caso contrário não teria sido amigo de Amzalak nem teria permitido a instalação em Lisboa de organizações judaicas de apoio aos refugiados. O mesmo já não se pode dizer de muitos dos quadros da PVDE, que eram declaradamente anti-semitas. O que Salazar não queria era ter em Portugal a influência "perniciosa" de tantos judeus estrangeiros, conotados, muitas vezes com a esquerda marxista e que também, por serem, na maior parte dos casos, mais cosmopolitas, poderem ser introdutores de costumes mais liberais. Como outros historiadores já o referiram, a ditadura salazarista não é exatamente igual nem ao fascismo italiano, nem ao franquismo, e muito menos ao nazismo alemão. O que não quer dizer que não tivesse, com estes regimes, sinistras afinidades, porque teve. Basta pensarmos, só a título de exemplo, na censura, nas prisões arbitrárias, na tortura, na criação de movimentos juvenis paramilitarizados e na utilização da propaganda como forma de moldar mentalidades.

A população portuguesa em geral como viu a procura do país como refúgio dos judeus perseguidos pelo nazismo?
Em geral, os portugueses acolheram bem os que chegavam. Centenas de testemunhos de refugiados, em vídeo e em livros, comprovam isso. O que não quer dizer que não tivesse havido também confrontos e problemas. Porque os houve, mas foram em muito pequena escala.

Que grau de integração na sociedade tiveram os judeus alemães e da Europa Central e de Leste que se fixaram em Portugal?
A fixação de judeus fugidos ao nazismo em Portugal foi possível até 1936. A partir desse ano, tornou-se cada vez mais difícil tendo a polícia política expulso nos anos seguintes muitos alemães como forma de dissuadir a vinda de mais exilados. Segundo os cálculos apresentados pelos investigadores Patrick von zur Mühlen e depois por Ansgar Schaefer, até ao início da guerra ter-se-iam instalado aqui cerca de 900 pessoas. A sua integração nem sempre foi fácil. Por um lado por causa da língua e, no caso alemão, por os seus conterrâneos residentes em Portugal não lhes facilitarem a vida regendo-se quase sempre pelos ditames que vinham da Alemanha nazi. Quantos aos judeus de Leste, com tradições culturais muitos diferentes, a sua integração também não foi muito fácil.

Qual o impacto para Portugal da decisão do cônsul em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, de conceder vistos aos foragidos do nazismo?
A concessão de vistos por Aristides de Sousa Mendes teve como principal reflexo a chegada de milhares de pessoas. Se essa situação representou uma enorme dor de cabeça para Salazar e para a sua polícia política, o impacto na população em geral foi benéfico, não só do ponto de vista económico porque acabaria, mal ou bem por ajudar a desenvolver as economias dos lugares onde eram colocados em residência fixa, mas ainda ao nível das mentalidades e no confronto com outros hábitos e costumes. Pelo menos por uns tempos, uma parte de Portugal beneficiou de um arejamento de ideias.

Até que ponto a atual comunidade judaica portuguesa reflete a vinda de refugiados judeus nas décadas de 1930 e 1940? Alterou-se o perfil sociológico do judeu português?
Essa é uma pergunta a que eu não sei responder. Terá de a fazer à própria comunidade. Mas, não me parece que isso tenha acontecido já que a maior parte dos judeus que vieram durante a guerra estavam em trânsito por Portugal e os que por cá ficaram acabaram por se enquadrar e adaptar à sociedade portuguesa e à sua comunidade.

leonidio.ferreira@dn.pt

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