A empresa-mãe do Manchester City detém participações em 11 clubes em cinco continentes e tem uma folha salarial com mais de 400 jogadores. Esta é a nova realidade do futebol-negócio em que vários clubes são unidos pelo(s) mesmo(s) dono(s). São os chamados multiclubes ou clubes irmãos e cresceram mais de 100% em cinco anos nas cinco principais ligas europeias, segundo um relatório do CIES - Centro Internacional de Estudos do Desporto..Fundado em 2013, o City Football Group (CFG) tem como maior acionista o Abu Dhabi United Group, fundo de investimentos do xeique Mansour bin Zayed Al Nahyan, membro da família real de Abu Dhabi e ministro dos Emirados Árabes Unidos..O grupo é dono de Manchester City (Inglaterra), New York City (Estados Unidos), Melbourne City (Austrália), Mumbai City FC (Índia), Lommel (Bélgica), Troyes, (França), Montevideo City Torque (Uruguai) e tem participação minoritária no Yokohama F. Marinos (Japão), Girona (Espanha), Sichuan Jiuniu (China) e Bolívar (Bolívia)..E quer mais. "É nossa ambição aumentar a participação no futebol dentro e fora de campo, encontrar e desenvolver os melhores talentos, e mostrar um estilo de jogo excitante e ofensivo", disse há tempos o líder do CFG, Ferran Soriano. O antigo vice-presidente do Barcelona é um acérrimo defensor do futebol como indústria de entretenimento a exemplo da Disney..A estratégia de pegar em clubes sem grande expressão mundial assenta numa lógica de negócio emocional em torno dos citizens. Ou seja, cativar milhões de adeptos a torcer pelo emblema mais visível e vitorioso da empresa-mãe, no caso o City. Se Guardiola e os portugueses Rúben Dias, Bernardo Silva e João Cancelo vencerem a Champions, os outros dez clubes com marca City sentir-se-ão um pouco vencedores. Só assim se explica que o grupo tenha apostado em três equipas dos três países mais populosos do mundo e com economias fortes, mas onde o futebol está longe de ser rei: China, Índia e EUA..O City é apenas um de muitos exemplos e alguns deles em Portugal. O Pacific Media Group é liderado por Paul Conway e dono de cinco clubes, os franceses do Nancy, os belgas do Oostende, os ingleses do Barnsley, os suíços do FC Thun e os dinamarqueses do Esbjerg..Caso curioso é o do At.Madrid. Os colchoneros apostaram em nome próprio na compra de um clube no México (agora chamado de Atlético San Luis) e de uma equipa no Canadá (o Atlético Ottawa), criada em janeiro de 2020 para entrar na Premier League do Canadá. Um dos três donos do At. Madrid, o milionário israelita Idan Ofer, é o principal acionista do Quantum Pacific Group, que detém 85% da SAD do Famalicão..Já o Inter de Milão perdeu nesta semana o irmão chinês. A holding Suning Sports Group de Zhang Jindong detém 70% dos nerazzurro e resolveu fechar as portas do Jiangsu Suning, que há quatro meses se sagrou campeão da China..Ao todo, segundo o relatório do CIES, há 85 clubes ligados entre si por 33 donos ou acionistas. Só na Europa são mais de 40 - em 2016 eram 20 - e mais de metade estão no top 5 do ranking UEFA: Premier League, La Liga, Bundesliga, Calcio e Ligue 1..E olhando para o relatório do Football Finance percebe-se que 18 dos cem clubes com mais relevância mundial são detidos por norte-americanos e 13 por chineses. "Multinacionais globais, corporações internacionais, firmas de investimentos, xeiques, príncipes, empresários individuais, academias privadas de futebol ou os próprios clubes estiveram diretamente envolvidos em algum tipo de estratégia de multipropriedade nos últimos anos", segundo Fernando Roitman, do CIES..O pioneiro foi o Tottenham. Em 1990, a empresa britânica de investimento ENIC tinha participações no Tottenham (Inglaterra), Rangers (Escócia), Slavia Praga (República Checa), AEK (Grécia), Vicenza (Itália) e Basileia (Suíça). Passados 20 anos a empresa continua de boa saúde e detém 85,55% dos spurs treinados por Mourinho..A Red Bull tem um longo portefólio futebolístico, sendo uma das marcas mais importantes do desporto mundial, até com presença na fórmula 1. A empresa austríaca de bebidas energéticas é dona do Red Bull Salzburgo e acionista do FC Liefering na Áustria, do RB Leipzig, na Alemanha, do New York Red Bulls, nos EUA, e do RB Brasil e do RB Bragantino, ambos no Brasil..Depois do sucesso meteórico do Leipzig, o caso Red Bull levantou questões sobre a compatibilidade desportiva dos clubes com o mesmo dono. Em 2017-18, o RB Salzburgo e o RB Leipzig apuraram-se para a Champions. E como a FIFA não permite que equipas do mesmo dono compitam pelos mesmos objetivos, o organismo europeu abriu um processo para analisar o caso, mas permitiu que jogassem depois de apurar que um era clube-empresa e o outro uma associação com acordo comercial com a Red Bull. Isto, apesar de ambos terem os mesmos executivos na direção. No ano a seguir calharam no mesmo grupo e jogaram um contra o outro como se nada fosse..O grupo austríaco tem protagonizado alguns negócios em cadeia dignos de ficarem na história. Dayot Upamecano, por exemplo, foi contratado pelo RB Salzburgo ao Valenciennes com 17 anos, por 2,2 milhões de euros, e depois emprestado ao FC Liefering, da II Divisão austríaca, antes de retornar a Salzburgo para ser vendido ao RB Leipzig, por dez milhões de euros. Hoje, com 22 anos, é reforço garantido do Bayern Munique para a próxima época. Por 43 milhões de euros..Este é apenas um dos muitos exemplos de como os jogadores podem circular entre clubes da mesma empresa e valorizarem até serem objeto de uma transferência milionária. E quase sempre seguindo uma linha de montagem predefinida. Foi assim com Naby Keita, hoje no Liverpool. Contratado pelo o RB Salzburgo ao Istres por 1, 5 milhões de euros, o clube austríaco vendeu-o depois ao irmão Leipzig por 29,75 e o clube alemão negociou-o com os reds por 60 milhões..Mas nem só de sucesso se faz o império futebolístico do gigante das bebidas energéticas. Em 2008 comprou um clube no Gana, mas o RB Ghane fechou as portas seis temporadas depois quando estava na segunda divisão local..O grupo britânico INEOS, dono do Nice (França), do Lausanne (Suíça) e parceiro do Racing Club d'Abidjan (Costa do Marfim), quer comprar um clube em Portugal e alargar o seu portefólio clubístico. Segundo apurou o DN, os alvos estão identificados: Académica, Feirense, Mafra, Estoril, Desp. Chaves, Académico de Viseu, Tondela e Belenenses. O escolhido ainda está longe de ser conhecido e em alguns casos o interesse está dependente de uma subida de divisão. O Belenenses, por exemplo, só interessa se houver acordo entre clube e SAD, sendo certo que o grupo britânico só pretende investir cerca de 10 milhões de euros na compra.."Qual o objetivo? Unir quatro clubes pelo mesmo objetivo: ter um ADN comum com um estilo de jogo audaz, que irá ter a nossa própria identidade. O objetivo não será ter muitas trocas entre eles. Se pudermos vender jogadores iremos fazê-lo, mas o objetivo não é esse. O objetivo é criar uma organização desportiva que permita aos quatro clubes trabalhar juntos e ter resultados", explicou Julien Fournier do Nice, clube em que atua Rony Lopes..Entre os alvos estão o Tondela e o Estoril, dois dos cinco emblemas portugueses que já fazem parte do grupo dos chamados multiclubes, segundo dados do Portal da Transparência da Federação. Em 2020, o Tondela entrou na rede da Hope Group, a holding do grupo chinês Desports, dona do Granada (Espanha), Parma (Itália) e Chongqing Dangdai Lifan (China)..Os canarinhos da II Liga são detidos pela MSP Sports, cujos donos têm participação no Alcorcón (Espanha) e no Crystal Palace (Inglaterra). Um dos donos é Jahm Najafi, coproprietário dos Phoenix Suns (NBA). Ou o Famalicão (ver texto principal) que é detido (85%) pelo Quantum Pacific Group, do milionário israelita Idan Ofer, um dos donos do At. Madrid. Ou ainda o Amora do Campeonato de Portugal, adquirido pela America Soccer, que já detém participações no Middlesbrough (Inglaterra) e no Benevento (Itália)..Já o Boavista, o Belenenses SAD e o Sp. Braga estão ligados pela Olivedesportos, embora a empresa de Joaquim Oliveira não seja o principal acionista (dono) de nenhuma das sociedades..O modelo chegou a seduzir o Benfica. Em 2017, segundo o Expresso, o clube da Luz assinou um acordo secreto para a compra do Charlton, da terceira divisão inglesa, e o Almería, da segunda liga espanhola, mas a pandemia congelou o projeto..Em Portugal os clubes-empresas ou sociedades anónimas desportivas têm legislação própria desde 2013 e são a forma de separar o futebol profissional das outras modalidades e até do futebol de formação. Num clube quem decide são os sócios, numa SAD são os acionistas, sendo certo que por norma o principal acionista é o clube. A cultura clubística ainda está muito enraizada e tem levado a inúmeros conflitos entre os clubes e as SAD dos clubes, casos de Belenenses, Olhanense, Desp. Aves, etc... E isso tem sido um entrave a alguns investidores.