Os milagres de cinema de Alice Rohrwacher

Alice Rohrwacher foi a nova menina querida do Festival de Cannes, cineasta livre que filma uma Itália de campo em busca do milagre. Uma entrevista a propósito do seu filme <em>Feliz Como Lázaro</em>, que estreou esta semana.
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"Se os meus filmes têm milagres!? Bem, fazer um filme já é um milagre. Este Feliz Como Lázaro é uma história completamente diferente de O País das Maravilhas, apesar de recentemente ter percebido que explica por que razão a família do anterior filme encontrou uma casa abandonada na Umbria, no campo. Se quisermos, é um filme sobre o que está antes e depois de O País das Maravilhas." É assim que Alice Rohrwacher faz questão de começar a conversar sobre o seu novo filme.

Alice Rohrwacher, vencedora do Grand Prix em Cannes por O País das Maravilhas e melhor argumento com este Feliz Como Lázaro, diz que este seu novo filme é "uma crónica sobre um pastor que talvez se torne anjo depois de abandonar os bosques pastorais da Umbria e lançar-se na grande cidade. É um filme tocado pelo tempo que passa. Pelo tempo e pela delicadeza da inocência humana".

Em Itália, o cinema de Alice parece isolado, ilha distante de uma cinematografia que glorifica um cinema de rotação alta com os paolo sorrentinos da vida.

Feliz Como Lázaro é uma pérola íntima e pessoal, sobretudo porque desde O País das Maravilhas a realizadora decidiu ir viver para o campo, precisamente para Umbria, com a família e vive em estado natural. "Tenho um trabalho muito potenciado pelo poder da imaginação, mas sei que é importante não perder o contacto da com o real. Aliás, o poder da imaginação pode vir a ser a uma droga e bem viciante. É por isso também que gosto de viver no campo. Numa quinta temos mesmo de estar concentrados e não há assim muitas distrações", diz com um sorriso forte. Alice não podia estar mais feliz com a sua vida campestre. A sua Itália tem tanto de sombra idílica como de discurso social. Feliz Como Lázaro é essa síntese.

Muito provavelmente é por isso que está à margem do resto do cinema italiano, mas também é a primeira a dizer que há muito e bom cinema a ser feito: "O que é preciso é defendermos esse cinema. O grande problema em Itália são os críticos, limitam-se a contar a história dos filmes". E o paradoxo é que o seu cinema precisa de análise, de capacidade de imaginação e de sonho de quem o vê e sente.

Por agora, quer respirar de alívio. Feliz Como Lázaro não foi um parto fácil. "O meu cinema vai para onde vai a humanidade. Não tenho um ideia de planos conceptuais, embora tenha uma lista enorme de coisas que quero filmar.. Quero fazer filmes que acompanhem o ser humano. Como? Ainda não descobri...". Mas a pista pode estar ainda neste conto que atravessa os tempos, a odisseia deste moço inocente, Lázaro: "Alguém chamou ao filme orgânico. Concordo, orgânico porque trabalhámos muito para encontrar o tom certo e a história vem de longe. Se quisermos, Feliz Como Lázaro foi sendo construído organicamente, tal como se cuida dos animais no campo. Na verdade, passámos todos muito tempo juntos e mudámo-nos para o décor da cidade como um circo. Fiz questão que fosse um trabalho de grupo, que todos participassem realmente. Foi um filme feito de raiz!".

Isso sente-se, tal como se adivinha que as opções estéticas nasceram de epifanias. Digo-lhe isso e concorda sem engonhar, mas adverte: "Todavia, essas epifanias que sugere foram uma coisa de grupo. Diria antes que foram reflexões de iluminação de muitos elementos, foram coincidências felizes. Não fui quem tive epifanias, foi o filme! Na cena em que Lázaro reencontra Antonia fomos surpreendidos por uma luz do sol que fazia um reflexo de sombras incrível! Amplificou toda a imagem e isso é bom exemplo de um evento tão involuntário como voluntário. É cinema". É milagre de cinema, insistimos.

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