Os media têm um secretário de Estado. E agora?
Confesso que tentei, mas não consegui. Tentei encontrar uma boa metáfora que descrevesse o jornalismo, a sua importância e situação atual. Pedi ajuda: de batalhão num país em paz, de aguadeiros ou amoladores de facas, de artesãos de móveis na era do IKEA... Nenhuma me convenceu. Porque nenhuma descreve a complexidade do jornalismo e da sua situação. Em Portugal e no mundo.
O jornalismo era um negócio, o da informação - e só era possível porque, como todos os negócios, tinha um público. Que estava disposto a pagar pela informação, e por várias razões: para saber, agir, entreter-se. Entretanto, os meios perceberam que tinham um maná nesse público. E venderam-no aos anunciantes que lhe queriam chegar.
Essa foi a epifania dos fundadores deste jornal, o DN - vendiam-no mais barato do que os outros (dez réis) porque o seu custo era pago pelos anunciantes, sobretudo de Lisboa. Assim, conseguiram torná-lo "acessível a todas as bolsas e a todas as inteligências".
Um jornal de massas, portanto. Saltamos para um dos problemas - as massas. As massas, nos dias de hoje, são impactadas por outros atores que entraram no mercado, não da produção de informação, mas da disseminação. As redes sociais e as plataformas, Google e Facebook. E o que é que o jornalismo perdeu? O negócio. Esse ficou nas plataformas, que se aproveitaram do pecado original do jornalismo, o de dar à borla o que dantes vendiam. E chegam muito melhor às audiências.
Apesar de tudo o que está escrito atrás, o problema do jornalismo não é só financeiro. Ou antes, é, na base, mas tem repercussões graves. A redução das receitas levou à redução dos custos - e quando as redações, de centros de valor, passaram a ser centros de custos, a visão do negócio foi toldada. Pode-se fazer melhor jornalismo com menos pessoas? Depende do grau de desadequação tecnológica e dos processos de organização, do desperdício de recursos. Se houve otimização nessas áreas, sim, é possível reduzir custos. Mas a partir de determinado nível passa a ser outra coisa, não jornalismo.
Parte da questão passa, obviamente, pelos leitores. E pela sua responsabilidade. Que ninguém se queixe de que não há vigilância de poderes, quando não quer pagar por ela. Que o jornalismo que se faz é mau, quando não se lê o bom - e isto, hoje, sabe-se à peça, e é o que nos gritam todos os dias os números. Que ninguém se queixe do poder das plataformas, se a sua ação só contribui para que ele aumente.
Ora, não há um só ator que possa resolver sozinho este imbróglio. Nem os jornalistas, nem os editores (publishers), nem as plataformas, nem os leitores. Mas é um imbróglio que tem de resolver-se, até porque terá repercussões históricas não o fazer. Já conhecemos algumas delas, com o crescimento dos movimentos populistas, identitários, racistas e simplórios. A desinformação espalhada sem freios.
A tudo isto não podem ser alheias as entidades públicas - Parlamentos, governos, partidos, Comissão Europeia... Basicamente, toda a gente que se preocupa com a democracia. Provavelmente, para começo de conversa, temos de olhar para o jornalismo como um serviço público, e tão ou mais importante do que outras indústrias culturais, como o cinema ou o teatro. Depois, temos de deixar de lado velhos complexos sobre intervenção estatal - por um lado, há muitas formas de o Estado intervir na economia, por outro não estamos nos tempos da censura, mas de sobrevivência.
O mercado, a operar por si, corre o risco de obsolescência. E quem receia favores ou benesses olhe para o que se passa nos outros países - há apoios do Estado em todos os países nórdicos, França, Espanha, Itália e Bélgica e, até, no liberal Reino Unido. Há descontos nos impostos, apoios à inovação, incentivos à investigação, bolsas...
Tantas formas de proteger os media de um mercado complexo e em concorrência absolutamente desleal. E tantas ideias para o novo secretário de Estado dos Media.