Os Mamonas Assassinas deixaram de cantar e divertir há 25 anos

Avião que transportava banda brasileira de sucesso meteórico dos anos 90 caiu a 2 de março de 1996, na Serra da Cantareira, na véspera de visitar Portugal. Para o pai do vocalista e líder da banda "ainda parece que foi ontem"
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"Para mim ainda parece que foi ontem que fui com a minha mulher e a namorada dele buscar o meu filho ao aeroporto de Guarulhos, continuo à espera que o avião aterre, hora a hora, minuto a minuto", diz Hildebrando Alves, pai de Dinho, o líder, letrista e vocalista da banda de maior sucesso do Brasil nos anos 90 do século passado, os Mamonas Assassinas, 25 anos após a tragédia que matou os seus cinco integrantes.

Às 23h15 do dia 2 de março de 1996, uma falha de comunicação entre a torre de controlo do aeroporto de Guarulhos e o piloto do jato Learjet 25D, que transportava o grupo, levou à colisão da aeronave com uma montanha da Serra da Cantareira, ao norte de São Paulo. Os corpos começaram a ser resgatados apenas seis horas depois, dada a falta de visibilidade do local do acidente.

No aeroporto, vizinho às casas onde todos os membros da banda viviam, Hildebrando esperava e desesperava. Quando a trágica notícia da queda do avião e da morte de todos os seus nove tripulantes e passageiros se confirmou, a comoção abateu-se sobre o Brasil - afinal, os Mamonas Assassinas estavam no auge, com menos de dois anos de atividade, a gozar extraordinário sucesso nacional e a um dia apenas de realizarem a primeira viagem internacional, com destino a Portugal.

Em 1989, os irmãos Sérgio (bateria) e Samuel (baixo) Reis de Oliveira, cujo nome artístico se tornaria "Reoli", conheceram Alberto Hinoto (guitarra), mais tarde chamado de Bento Hinoto, e formaram a banda Utopia. Um dia, durante um concerto em que foi pedido pela audiência o tema Sweet Child o" Mine da banda Guns N" Roses, o trio pediu a ajuda de alguém do público. Alecsander Alves, cuja alcunha era Dinho, ofereceu-se para cantar e subiu ao palco - de onde nunca mais sairia. Júlio César (teclados), amigo de Dinho, juntar-se-ia depois à banda sob o epíteto de Júlio Rasec.

Os Utopia revelaram-se um fracasso comercial, vendendo apenas 100 discos, e de palco, abusando de covers; no entanto, nos intervalos, quando parodiavam músicas e deixavam fluir a veia humorística, encantavam amigos e vizinhos.

Os produtores Rick Bonadio e Rodrigo Castanho estimularam esse lado, apostando num rock n" roll cómico, caminho até então inédito ou pouco trilhado. O primeiro passo foi a mudança de nome, do melancólico Utopia para o debochado Mamonas Assassinadas do Espaço, uma ideia de Samuel Reoli; o segundo, o guarda-roupa, dos cabelos e peças de vestuário da moda para uniformes de presidiário ou de palhaços.

Sob contrato com a EMI, os Mamonas Assassinas, já sem o "do Espaço", explodiram nas rádios e depois nas lojas de discos: o álbum homónimo ainda é o disco de estreia mais vendido da história da música no Brasil. A participação em programas de televisão foi o passo seguinte - do Jô Soares Onze e Meia ao Domingão do Faustão, os Mamonas pareciam não sair dos ecrãs, até porque duplicavam, triplicavam audiências.

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Incluindo em programas infantis, por se terem tornado ídolos das crianças, apesar do estilo politicamente incorreto para a época e politicamente incorretíssimo para os dias de hoje - as letras contêm alto teor sexual, palavrões, piadas homofóbicas, preconceito contra nordestinos... "Hoje seriam cancelados ao primeiro refrão", disse Rick Bonadio, ao jornal Correio da Bahia. "Dinho sacaneava negros, gays e nordestinos, mas era tudo uma piada com bom senso e inocência, até. Mas a nossa sociedade vive uma situação de amadurecimento em que as pessoas estão, com toda a razão, defendendo que não se façam piadas dessa maneira... Como eles eram muito desbocados, ia ser difícil segurar. Então, acho que haveria muita resistência".

Ao DN, Hildebrando recorda que o filho era "brincalhão desde criança". "Acho que saiu ao meu pai, o avô, sempre a fazer piada de todo o mundo, e tudo o inspirava, se estivesse na fazenda fazia piada com animais, se estivesse na cidade com as pessoas", diz.

Um dos visados, o cantor Roberto Leal, autor de "Arrebita", canção parodiada pelos Mamonas em "Vira Vira", tornou-se amigo da banda e de Hildebrando. "Todo o mundo achou que eu ia ficar chateado mas eles levaram-me para uma nova geração, deram-me outra dimensão", afirmou o português, falecido em 2019.

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"Tenho muita saudade do Roberto, tornou-se um bom amigo, almoçávamos muito, ainda amanhã vou encontrar o José Sá, empresário dele, sabe como é, a gente faz piada de português, português faz piada de brasileiro e o Dinho fazia piada de tudo", conta Hildebrando, 74 anos.

Dinho faria 50 anos, no dia 5. No dia do acidente tinha 24. Bento Hinoto, 25, Sérgio Reoli, 26, Samuel Reoli, 22, e Júlio Rasec, 28. Morreram também os pilotos Jorge Martins e Alberto Takeda, o segurança Sérgio Porto e o roadie Isaac Souto.

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