"Os jovens franceses estão satisfeitos com a disciplina das forças armadas"

Em Lisboa para a Conferência Mundial de Ministros Responsáveis pela Juventude 2019, o secretário de Estado francês para a Juventude, Gabriel Attal, falou ao DN sobre a importância de partilhar experiências, sobre o Serviço Nacional Universal (espécie de regresso ao serviço militar obrigatório em França), sobre o empenho dos jovens no Clima e sobre o voto aos 16 anos.
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Antes de vir para Lisboa esteve a acompanhar a primeira fase de implementação do Serviço Nacional Universal em França. Como é que está a correr?
Começou há uma semana. Já visitei alguns dos 13 centros que existem em França. Em seis deles dormi nas mesmas condições dos recrutas e o que constatei foi que os objetivos que traçámos para este serviço nacional estão a ser atingidos. A coesão e a diversidade. O que constatamos em França é que há fraturas na sociedade francesa, e que essas fraturas existem na juventude também. Há jovens que têm muita mobilidade, que sabem o que querem fazer mais tarde, que estão bem integrados na sociedade e na globalização. Mas também há jovens que estão um pouco perdidos em relação a tudo isto. Que andam à procura deles próprios. E o objetivo é que haja um momento de encontro e de coesão com jovens vindos de meios sociais diferentes, de territórios diferentes, que se juntam em torno dos valores da República. Depois, há uma aposta na autoridade, na disciplina em que as forças armadas podem ter um papel ao darem regras e indicadores aos jovens. E o que percebemos é que está a funcionar e que os jovens estão satisfeitos por terem este momento de confronto com a autoridade, com regras. E que pode ser útil para eles no futuro, quando precisarem de arranjar um emprego, ter algum rigor no dia-a-dia. E por fim, o último objetivo é ter mais jovens a comprometer-se. Comprometer-se é dar o que temos de mais precioso: ou seja, o nosso tempo. Dar um pouco do nosso tempo ao serviço dos outros. Pode ser numa associação, com os bombeiros ou no exército. O que percebemos é que os jovens ao terem contacto com associações, ao receberem formação em primeiros socorros, em socorro marítimo, ao contactarem com polícias e militares, ficam com vontade de se comprometerem. Muitos dizem que depois do serviço nacional vão trabalhar com uma associação, vão ser bombeiros voluntários. Eles também me disseram estar muito cansados. É verdade que a agenda é muito densa. Levantam-se às 6.30, começam com uma cerimónia patriótica, com o içar da bandeira francesa, depois cantam o hino nacional, têm várias atividades desportivas de coesão, percursos de orientação, corridas de obstáculos, etc... Há módulos de formação. E é verdade que à noite estão cansados, mas eles sabem que não estão ali para descansar.

Esse momento de partilha pode portanto abrir-lhes horizontes para o futuro?
É esse o objetivo: alargar as possibilidades. Hoje há demasiados jovens que, quando terminam os estudos, têm dúvidas quanto à orientação a seguir. Mas estão a pensar só na zona onde sempre viveram. Mais uma vez, há jovens com muito pouca mobilidade, o que lhes fecha muitas portas. Há muitas oportunidades em França em termo de formação e de emprego, mas que não se encontram necessariamente em todo o território. O facto de ter esta experiência em que todos os jovens mudam de região, vão para outra zona e convivem com jovens vindos de todo o lado em França, dá-lhes um exemplo das possibilidades que existem e pode abrir-lhes portas.

Vem a Lisboa para participar numa conferência sobre a Juventude, esta partilha de experiências com colegas de vários países é importante?
Sim. O presidente Emmanuel Macron está muito empenhado no multilateralismo. Na possibilidade de os países do mundo se coordenarem e trabalharem em conjunto, fora das instância clássicas, com esta capacidade de partilha de experiências. E eu penso que no multilateralismo a juventude tem um lugar fundamental. Porque vemos que hoje os jovens partilham muita coisas para além das fronteiras - como é o caso da causa ambientalista, do clima. Vimos muitos jovens mobilizar-se um pouco por todo o mundo, em Portugal também. É a minha geração, sou um político muito jovem e eu também sinto essa luta como minha. Participei em manifestações em França apesar de ser membro do Governo. Para mim os jovens têm um papel fundamental a alertar as consciências para que os governos ajam. Mas também podem mudar a sociedade. Hoje têm uma forte influência sobre as grandes empresas, para as levar a mudar o seu modelo porque estes jovens esperam uma responsabilidade social e ambiental muito fortes. Por isso é tão importante dar aos jovens a capacidade de agir, de falar, de fazerem valer as suas opiniões. E isso só colaborando entre países é que vamos conseguir encontrar o melhor caminho.

Ambiente e emprego são os principais desafios para os jovens hoje?
Sim, sem dúvida. Os jovens querem construir as suas vidas, emancipar-se, serem autónomos num mundo duradouro e com qualidade de vida. Isso significa encontrar emprego, um emprego que faça sentido. Eles querem saber porque estão ali, porque vão trabalhar, não apenas para enriquecer ou para dar dinheiro a ganhar a uma empresa. Hoje os jovens procuram muito mais do que isso. Querem ter um impacto no mundo. A questão do ambiente e do emprego acabam por se cruzar. O que os jovens querem é inventar um novo modelo de sociedade.

Fala-se cada vez mais do voto aos 16 anos. Acha que seria uma forma de responsabilizar os jovens cada vez mais cedo?
É importante porque há muitas ideias feitas sobre a juventude. Há a ideia de que os jovens são individualistas, que não se interessam pelo mundo, que estão centrados neles próprios. Mas vimos nos últimos meses, sobretudo no clima mas também em relação a outros assuntos como a igualdade de género ou a luta contra a discriminação sexual, que os jovens se mobilizam. Têm convicções. E a nossa preocupação, qualquer que seja o governo, é transformar essas convicções em apreço pela democracia, logo em votos. E é verdade que nos últimos anos vimos que os jovens votam menos do que os mais velhos. A questão é saber como fazer com que os jovens queiram exercer o seu direito de voto. Há propostas, também há um debate em França sobre o voto aos 16 anos. O presidente Macron já admitiu discutir o assunto. Eu acredito que a questão se vai colocar no momento em que os jovens, aos 18, exerçam o direito de voto. E em França as últimas eleições europeias foram uma boa surpresa. As sondagens diziam que poucos iam votar - só 20% dos jovens. Mas na realidade 50% dos jovens dos 18 aos 24 anos foram às urnas. Foi muito bom. Historicamente foi uma das eleições em que os jovens mais votaram. Isso torna-nos otimistas quanto ao futuro. Depois é um debate complicado. Houve sondagens em França que mostraram que os jovens, na maioria, eram contra o voto aos 16 anos, por considerarem que ainda não estão suficientemente formados, que ainda não entendem totalmente a sua cidadania. Por isso colocámos o Serviço Nacional Universal aos 16 anos. Pode ser um ritual de passagem para a cidadania, uma vez que gira em torno dos valores da República. Mostra aos jovens o que é assumir as suas responsabilidades. Durante o serviço nacional, os jovens vivem em casas e todos os dias têm de eleger um deles para ser o responsável da casa. É uma aprendizagem de democracia. E pode ser um primeiro passo para a cidadania aos 16 anos.

Tem 30 anos. Ser jovem ajuda a desempenhar a sua função e a compreender os problemas dos jovens?
É verdade que sou jovem. Fui o mais jovem membro de um governo na História de França. Mas não pretendo representar a juventude. Mais uma vez os jovens são muito diferentes, têm vidas diferentes, ambições diferentes. Mas o que sei é que ser jovem me dá uma responsabilidade acrescida. Tenho de mostrar que dar responsabilidades - neste caso políticas - a um jovem a nível nacional faz evoluir as coisas. Também é verdade, claro, que me sinto muito preocupado com as problemáticas que mobilizam a juventude. Mais uma vez, o clima. Mas também o bem-estar dos animais, que é um assunto de peso em França entre os jovens. Porque é a minha geração. E estatisticamente vamos viver mais do que os outros e temos de medir as consequências das escolhas que são feitas agora. Quando se é jovem, muitas vezes os mais velhos dizem que somos o futuro. O sentimento é bom, mas esconde a ideia culturalmente enraizada que os jovens têm de esperar a sua hora para assumirem responsabilidades. Por isso luto para mostrar que os jovens são o presente. E têm de assumir as suas responsabilidades agora.

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