Os Jogos que fazem de Paris um estádio olímpico a céu aberto

Desfile de abertura no Rio Sena perante 500 mil adeptos vai colocar à prova a organização e a segurança dos proclamados JO da Paridade. Competição equestre com o Palácio de Versalhes como pano de fundo é um exemplo da fusão do património cultural com o melhor do desporto. 95% das infraestruturas já existiam e há obras futuristas, símbolo de sustentabilidade e benefício público.
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Paris2024 promete ser uma experiência imersiva e de emoções incomparáveis para atletas e adeptos. Um evento onde o património cultural inigualável de Paris quer abraçar os melhores do desporto, como Simone Biles, Armand Duplantis ou o português Pedro Pichardo.

Os próximo Jogos Olímpicos (JO) querem fazer da cidade, que a 1 de janeiro de 1863 viu nascer o pai dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, Pierre de Fredy, Barão de Coubertin, um gigantesco e espetacular Estádio Olímpico a céu aberto durante 16 dias (de 26 de julho a 11 de agosto de 2024).

Eventos equestres com o Palácio de Versalhes como pano de fundo, batalhas de breakdance na Praça da Concórdia, o contrarrelógio do ciclismo na Ponte Alexandre III, largada da maratona frente à fachada neorrenascentista do Hôtel de Ville, pista de ciclismo nos Campos Elísios e voleibol de praia em Mont-martre, protagonizarão momentos irrepetíveis. Assim como será marcante o regresso do lendário Estádio Olímpico Yves-du-Manoir, que recebeu os Jogos de 1924 e que acolherá o hóquei em campo.

A organização e a segurança serão colocadas à prova logo no desfile de abertura pelo Rio Sena. Pela primeira vez na história, a cerimónia de abertura não será num estádio. A 26 de julho de 2024, milhares de atletas vão desfilar em barcos pelo Sena, perante uma entusiasta multidão de cerca de 500 mil pessoas. Um percurso turístico de excelência desde a Ponte Austerlitz até ao Trocadero que recolhe enormes preocupações de segurança. "Há obviamente planos B, planos C, etc... É um evento que acontecerá com os melhores padrões de segurança e por isso planeámos todos os cenários. Mas isso não nos deve impedir de sonhar", disse, esta semana, o presidente francês.

Segundo o Relatório de Situação e Tendências do Terrorismo na União Europeia 2023, França foi o segundo país da UE com mais atentados (seis) e mais detenções na sequência de atentados (109). Mas Emmanuele Macron tentou desvalorizar os alertas sobre possíveis ataques terroristas e ciberataques com os 30 mil polícias e 17 mil seguranças privados destacados.

O plano A prevê a instalação de um campo militar com 5000 efetivos diários. Os residentes perto dos locais dos Jogos Olímpicos têm de solicitar um código QR, que lhes permita passar as barreiras policiais e registar os seus convidados, para assistirem ao eventos a partir das varandas, janelas ou telhados. As estações de metro junto dos locais de provas estarão fechadas. Será ainda feito um reforço da videovigilância e, em alguns casos, com recurso à Inteligência Artificial para fazer reconhecimento facial, algo que a lei francesa proíbe e que levou a oposição centrista e de extrema-esquerda a acusar Macron de "atentados à liberdade".

O presidente francês tem-se mostrado agastado com "a indiferença" dos parisienses face à realização do maior evento desportivo do mundo, justificando os inconvenientes diários com o legado patrimonial, e não só, que os Jogos deixarão à cidade. A despoluição do Rio Sena, onde tomar banho é proibido há 100 anos por causa da má qualidade da água é um desses casos e custará 1,4 mil milhões de euros. O município espera autorizar banhos no Sena em 2025 e já recebeu 20 projetos de praias fluviais.

Paris2024 não ficará certamente na história pelo recorde de investimento. França quer que os próximos Jogos Olímpicos (e Paralímpicos) sejam inovadores e generosos, concebidos numa lógica de partilha e sustentabilidade. Vão custar 4,38 mil milhões, um terço de Tóquio2020.

Daí que 95% das instalações existentes ou temporárias estejam alinhadas com os planos de desenvolvimento de longo prazo da cidade. Exemplo da Aldeia Olímpica, que permitiu recuperar a malfadada zona de Saint-Denis ou da espetacular obra arquitetónica que será o novo Centro Aquático de Saint-Denis - palco da natação sincronizada, mergulho e polo aquático -, o maior parque solar de França, com 5000 m² de painéis foto voltaicos e mobiliário feito de produtos reciclados. Ou ainda a Arena Porte de la Chapelle, ecologicamente projetada para acolher provas de badminton e ginástica.

Alertas de segurança e pragas de ratos e percevejos à parte, também o transporte dos atletas da Aldeia Olímpica para os locais de competição preocupa a generalidade dos 206 países (mais a equipa de Refugiados) e o chefe da Missão Portuguesa não é exceção. A recomendação do COI para fazerem uso dos transportes públicos também causa apreensão a Marco Alves.

Dos 10 500 atletas que irão marcar presença em Paris2024, metade (5250) serão mulheres. Atingir a paridade numérica de género na cidade onde 22 mulheres (entre 975 homens) fizeram história em 1900 terá um simbolismo especial. As pioneiras só tiveram autorização para competir em cinco modalidades sem direito a medalhas, além de serem excluídas novamente.

Sem conseguir convencer o COI a permitir a entrada das atletas nas modalidades tradicionais, a canoísta e jornalista francesa Alice Milliat decidiu criar uma federação de desportos para mulheres e organizar os Jogos Olímpicos das Mulheres em 1922. O sucesso do evento obrigou o COI a aceitar as mulheres no atletismo em 1928, mas só passados 68 anos o direito a participar ficou consagrado na Carta Olímpica. Em Tóquio2020, a percentagem de atletas mulheres já foi de 48,7%.

Ter o mesmo número de atletas e medalhas para homens e mulheres nos Jogos Olímpicos está longe de significar igualdade de género no desporto. Em Tóquio2020, apenas 13% dos treinadores eram mulheres. A paridade numérica de género será também um hercúleo desafio à organização dos calendários mundiais, colocando à prova a justiça dos métodos de qualificação para Paris2024. Porque, afinal, o lema Olímpico é Citius, Altius, Fortius, que em latim significa "Mais Rápido, Mais Alto, Mais Forte".

A organização excluiu mais uma vez a Rússia. Depois de afastar os russos devido ao escândalo do uso de doping reiterado no Rio2016 e Tóquio2020, o Comité Olímpico Internacional excluíu a Rússia (e a Bielorrússia) devido à intervenção militar na Ucrânia. Os atletas podem competir sob a bandeira olímpica.

Paris2024 vai ainda inovar na bilhética. Com cerca de 10 milhões de ingressos à venda, o sistema de venda será 100% digital e acessível a todos em igualdade de condições e há muitos eventos com ingresso grátis.

isaura.almeida@dn.pt

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