Os inéditos de Filho da Mãe no CCB
Há salas assim, que, pelo prestígio, pelo peso ou pela história, representam um marco na carreira da qualquer artista, mas Rui Carvalho ou antes Filho da Mãe, o alter-ego com o qual se reinventou como músico, prefere falar em "responsabilidade" a respeito da sua estreia no palco do CCB, marcada para amanhã à noite.
"Já lá tinha tocado, no concerto de outro artista, mas em nome próprio é a primeira vez. Há sempre uma pressão, mas eu prefiro senti-la de uma forma positiva, mais através da responsabilidade do concerto e não tanto pela sala em si, que acaba por ser só mais um item da minha check-list pessoal enquanto músico", disse ao DN. Reconhecendo, ainda assim tratar-se de "um momento especial" e portanto "com um alinhamento diferente" do habitual. "Sou um pouco rígido nos alinhamentos dos meus espetáculos e raramente volto lá atrás, aos álbuns mais antigos, mas neste caso vou regressar a alguns temas dos meus três discos anteriores, que já não toco há muito tempo ao vivo", revela.
Antes de se transformar no Filho da Mãe, Rui Carvalho, 41 anos, formado em arqueologia, já tinha um passado como músico em bandas de punk-hardcore, como If Lucy Fell ou I Had Plans. Esse ambiente frenético onde cresceu como músico está cada vez mais distante, mas continua bem presente no modo como continua a reinventar o som da guitarra clássica, um instrumento que começou a tocar ainda em criança, por influência do pai. "Nunca pensei dedicar-me exclusivamente à música. A minha formação é na área de arqueologia e durante algum tempo até estive ligado à investigação", assinala. Da mesma forma, nunca pensou um dia em misturar rock com guitarra clássica. Tudo começou durante uma digressão pela Europa, com a banda I Had Plans, durante a qual começou a pensar em gravar um disco e tocar a solo. Nos intervalos dos concertos, pegava na guitarra acústica e tocava. Começou também a compor, influenciado pelo exemplo do Norberto Lobo, que nessa altura abriu caminho a este tipo de projetos a solo e instrumentais.
O efeito-surpresa dos primeiros álbuns, Palácio (2011) e Cabeça (2013), entretanto, já há muito se desvaneceu, sendo substituído por uma identidade musical cada vez mais forte, marcada por uma insaciável vontade de exploração. Foi assim que chegou ao despojamento de Mergulho (2016), um trabalho gravado durante uma residência artística no Mosteiro de Santo André de Rendufe, em Amares, numa técnica de reclusão novamente repetida no último Água-Má, criado há dois anos entre Lisboa e a ilha da Madeira.
"Gravámos no topo de uma torre. Acusticamente não era nada de especial, mas conseguimos explorar a casa muito bem, colocando microfones nalguns locais estratégicos". A vantagem deste formato, defende, é que "uma guitarra tem a facilidade de se poder gravar em qualquer lado". Por isso, os seus discos têm tanto a ver com os locais. "Pouco a pouco, aquela casa e a própria ilha começaram a entrar no disco de uma forma muito específica. É um trabalho muito simples e direto, mais próximo da pele, porque agora consigo explorar o instrumento de uma outra forma. No início a minha abordagem era muito mais próxima do rock".
Nos últimos anos começou também a escrever música para outros intérpretes, um desafio que lhe foi inicialmente lançado por Cristina Branco, com quem colaborou, como compositor, nos últimos dois discos. "É um trabalho completamente diferente, tanto o processo como o resultado. É algo que é construído para ser cantado e portanto toda a arquitetura da música é diferente", explica.
É o último disco, Água-Má, que ainda servirá de base ao espetáculo do CCB. A ocasião servirá também para apresentar, pela primeira vez, alguns temas inéditos, a incluir num futuro álbum: "Considero-me acima de tudo um músico de palco e por isso coloco sempre algumas canções novas nos alinhamentos. Percebo muito melhor o que funciona quando toco ao vivo. É assim que vou testando os novos temas e este é um concerto claramente já a pensar no novo disco".
É também em palco que muitas vezes lhe surgem ideias para mais tarde explorar na sala de ensaios. "Já houve ideias muito boas que me surgiram em palco, mas que se perderam neste processo, muito mais imediato, dos concertos e por isso passei a gravar todos os meus espetáculos", conta. É no entanto fora do palco que costuma compor os esboços que depois, aos poucos, se vão transformando em novas músicas. "Estes temas que vou apresentar apareceram como sempre, enquanto tocava em casa, na minha guitarra velhinha. As coisas saem diferentes, consoante a guitarra em que são tocadas", sublinha. E quando se muda de instrumento, "por vezes, dá-se outra direção à música". Tal como espera que aconteça outra vez, durante este espetáculo, porque afinal as canções deste Filho da Mãe, mesmo quando já parecem encerradas, continuam sempre em aberto.
CCB, Lisboa.
13 de fevereiro, quinta-feira
21.00 €12,5 a €15