Operação Lava-Jato inspira produção cultural no Brasil

Deus quer, o homem corrompe, a obra nasce. Escritores, cineastas e dramaturgos aproveitam aberta ou veladamente a investigação que mudou a face do país nas suas obras
Publicado a
Atualizado a

A Lava-Jato, megaoperação policial contra a corrupção em exibição no Brasil desde Março de 2014, já produziu dezenas de protagonistas e centenas de atores secundários. Entre estes últimos, o agente da polícia federal de origem japonesa Newton Ishii é um dos mais simbólicos. Tornado famoso por aparecer nas fotos a escoltar cada um dos poderosos presos na operação, o "Japonês da Federal", como é conhecido, vai lançar até ao fim do ano uma autobiografia onde contará detalhes da Lava-Jato. E da sua própria detenção, entretanto, por se ter envolvido num caso de contrabando na fronteira com o Paraguai.

Ishii, que não revela nem o nome da editora nem o do ghost writer que o ajudará a escrever o livro, não é o primeiro a perceber a oportunidade de mercado em que se tornou a Operação Lava-Jato. Nem o último, certamente. O intermediário Alberto Youssef, primeiro detido pelo juiz Sergio Moro no âmbito do caso, realizou parceria com Pedro Marcondes, jornalista da revista IstoÉ que entretanto se demitiu para se ocupar do projeto a tempo inteiro, no sentido de publicar um livro sobre os bastidores pela Editora Objetiva.

O segundo preso da Lava-Jato por ordem cronológica, o ex-diretor da empresa Petrobrás Paulo Roberto Costa, já redigiu, segundo o próprio, "cerca de 150 páginas" sobre como era a sua vida milionária antes da operação, o que aconteceu depois de ser descoberto, o tempo vivido na cadeia e o acordo de delação premiada que, entretanto, assinou.

Delcídio do Amaral, um senador que perdeu o cargo ao ter sido gravado a combinar a fuga para o Paraguai de Nestor Cerveró, testemunha-chave da Lava-Jato, pelo próprio filho de Cerveró, gravou 70 horas de conversa com um jornalista a serem transformadas em livro pela Editora Matrix. Foi Amaral quem primeiro implicou - sem apresentar provas, segundo a justiça - os antigos presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff no caso.

De resto, uma busca na internet sobre livros da Lava-Jato leva a uma quase biblioteca. O pioneiro foi Lava-Jato - Os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil, escrito por um jornalista da TV Globo. Uma outra obra - Sergio Moro, A História do Homem Que Mudou o Brasil - é, como o nome indica, centrada no juiz de Curitiba. A Luta Contra a Corrupção, por sua vez, é um relato na primeira pessoa de Deltan Dallagnol, um dos dos procuradores da República que compõe a task force da Lava-Jato. Duas edições recordam e estabelecem paralelo entre a Lava-Jato e a italiana Operação Mãos Limpas. Há ainda dois livros críticos: A Outra História da Lava-Jato - Uma Investigação Necessária Que Se Transformou Numa Operação Contra a Democracia e Assassinato de Reputações.

No cinema, estreou no último dia 7, A Lei é Para Todos, de Marcelo Antunez, com Marcelo Serrado no papel de Moro e Ary Fontoura como Lula. Com críticas negativas e até agora um fracasso de público, o filme, que o produtor diz ser o primeiro de uma trilogia, tem sido notícia pelo anonimato dos patrocinadores. Obras como 15 Segundos, filme com António Fagundes no principal papel, não são baseados na Lava-Jato mas os temas principais são "política", "ética", "eleições" e outros indiretamente relacionados.

Na televisão, a operação também serviu, no mínimo, de inspiração a enredos de parte das últimas "novelas das 9" da TV Globo, uma instituição brasileira, como Babilônia. "A minha personagem estaria na Lava-Jato, certamente", disse o ator Marcos Palmeira a propósito do vereador corrupto que interpretou. O blogue de humor da revista piauí sugeriu que João Emanuel Carneiro, autor de A Força do Querer, a sucessora de Babilônia onde ninguém era inocente, organizasse o argumento da Lava-Jato.

A operação vai, ainda, a todo o momento chegar ao Netflix, pela mão de José Padilha, autor de Narcos para a mesma plataforma, e dos dois filmes Tropa de Elite. Batizada de O Mecanismo, terá Selton Mello no papel principal e a corrupção em empresas de construção e de petróleo como pano de fundo ao longo de oito episódios.

O dramaturgo Judson Feitosa, por outro lado, já está a adaptar para o teatro a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil. O Lava Jato - O Musical será uma comédia, a estrear no primeiro semestre de 2018.

Além de tudo, numa das maiores manifestações culturais e artísticas do país, o Carnaval do Rio de Janeiro, é a operação policial que vem dominando a produção de marchinhas, de fantasias e de máscaras - e a do incontornável "Japonês da Federal" ano após ano é a mais vendida.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt