ONU pede ao "Lugar da Paz" que continue a não matar ninguém

Foi em 1957 que pela última vez se executou alguém no Brunei. Com base nisso, as Nações Unidas pedem ao país também conhecido como Lugar da Paz que não coloque em prática o seu novo, "cruel e inumano" Código Penal inspirado na <em>sharia</em> e que prevê pena de morte para adúlteras, homossexuais, violadores e quem insulte Maomé, assim como amputação para ladrões, e que é suposto entrar em vigor esta quarta-feira.
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A data para a entrada em vigor do novo Código Penal malaio, que prevê pena de morte por lapidação para várias condutas relacionadas com a liberdade sexual e amputação para ladrões, é esta quarta-feira. Mas as Nações Unidas, que o reputam de "cruel e inumano", têm esperança de que, tal como há seis anos, quando a mesma alteração foi anunciada, a lei fique na gaveta. Ou que pelo menos não passe do papel -- como a pena de morte já prevista no ordenamento jurídico do país e que não é aplicada há 62 anos.

"Apelo ao governo que impeça a aplicação deste código penal draconiano, que iria, se posto em prática, significar um enorme recuo na proteção dos direitos humanos do povo do Brunei", disse esta segunda-feira a alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, numa declaração pública. A ex presidente do Chile afirmou também que "uma grande quantidade de peritos em direitos humanos da organização expressaram a sua preocupação com as penas cruéis, inumanas e degradantes previstas no novo CP."

Lembrando que a lei internacional impõe limitações à pena de morte, que só deve ser possível em casos de homicídio doloso, e só após um julgamento justo, a alta-comissária sublinhou que "qualquer legislação baseada na religião não pode violar os direitos humanos, incluindo os direitos daqueles que praticam essa religião, assim como minorias religiosas e os não crentes", e que "nenhum sistema de justiça pode considerar-se livre de erros, estando provado que a pena de morte é sobretudo aplicada a pessoas mais vulneráveis, havendo um altíssimo risco de erro judiciário." E apelou ao sultanato para que mantenha a sua moratória não escrita para a pena capital.

Além das já citadas, as penas em causa incluem ainda o chicoteamento público por aborto e a morte por blasfémia (insultar ou difamar Maomé); expor crianças muçulmanas às crenças e práticas de outras religiões é também criminalizado. Tinham sido já anunciadas em 2013 pelo governo do sultão Hassanal Bolkiah, que reina há 51 anos no regime de monarquia absoluta teocrática que vigora no país, mas a oposição de grupos de defesa dos direitos humanos e a necessidade de preparar os aspetos práticos da lei acabou por determinar o adiamento.

O apelo de Bachelet surge após vários políticos e celebridades, incluindo George Clooney e Elton John, terem condenado a alteração legal e apelado a um boicote dos hotéis de luxo de que o sultanato é proprietário no mundo, e que incluem o Hotel Dorchester, em Londres, e o Bel-Air e Beverly Hills em Los Angeles.

O Brunei, cuja população não chegará a meio milhão de pessoas, com uma maioria (66%) de malaios, tem o islamismo de fação sunita como religião oficial. O wahabismo, a interpretação mais extremista do sunismo -- que é a que vigora na Arábia Saudita mas também a professada pela al Qaeda e pelo Daesh -- tem-se vindo a impor, distinguindo o país, também intitulado "Lugar da Paz", das vizinhas Malásia e Indonésia, também de maioria islâmica.

A homossexualidade há muito que é ilegal no Brunei, mas só desde 2013 está previsto ser punida com a morte. Os outros países que impõem a pena capital a esta orientação sexual são a Arábia Saudita, o Afeganistão, o Irão, a Mauritânia, o Iémen, o Sudão, a Nigéria, o Qatar e vários estados da Somália. De acordo com um relatório de 2017, eram 72 os países e territórios que ainda criminalizam as relações sexuais entre homens (serão 71 agora, já que a Índia descriminalizou em 2018), 45 dos quais fazendo o mesmo em relação a relações entre mulheres.

Michelle Bachelet frisou igualmente que as novas leis do Brunei encoraja, a discriminação com base no género, na orientação sexual e na filiação religiosa.

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