ONU pede ao "Lugar da Paz" que continue a não matar ninguém
A data para a entrada em vigor do novo Código Penal malaio, que prevê pena de morte por lapidação para várias condutas relacionadas com a liberdade sexual e amputação para ladrões, é esta quarta-feira. Mas as Nações Unidas, que o reputam de "cruel e inumano", têm esperança de que, tal como há seis anos, quando a mesma alteração foi anunciada, a lei fique na gaveta. Ou que pelo menos não passe do papel -- como a pena de morte já prevista no ordenamento jurídico do país e que não é aplicada há 62 anos.
"Apelo ao governo que impeça a aplicação deste código penal draconiano, que iria, se posto em prática, significar um enorme recuo na proteção dos direitos humanos do povo do Brunei", disse esta segunda-feira a alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, numa declaração pública. A ex presidente do Chile afirmou também que "uma grande quantidade de peritos em direitos humanos da organização expressaram a sua preocupação com as penas cruéis, inumanas e degradantes previstas no novo CP."
Lembrando que a lei internacional impõe limitações à pena de morte, que só deve ser possível em casos de homicídio doloso, e só após um julgamento justo, a alta-comissária sublinhou que "qualquer legislação baseada na religião não pode violar os direitos humanos, incluindo os direitos daqueles que praticam essa religião, assim como minorias religiosas e os não crentes", e que "nenhum sistema de justiça pode considerar-se livre de erros, estando provado que a pena de morte é sobretudo aplicada a pessoas mais vulneráveis, havendo um altíssimo risco de erro judiciário." E apelou ao sultanato para que mantenha a sua moratória não escrita para a pena capital.
Além das já citadas, as penas em causa incluem ainda o chicoteamento público por aborto e a morte por blasfémia (insultar ou difamar Maomé); expor crianças muçulmanas às crenças e práticas de outras religiões é também criminalizado. Tinham sido já anunciadas em 2013 pelo governo do sultão Hassanal Bolkiah, que reina há 51 anos no regime de monarquia absoluta teocrática que vigora no país, mas a oposição de grupos de defesa dos direitos humanos e a necessidade de preparar os aspetos práticos da lei acabou por determinar o adiamento.
O apelo de Bachelet surge após vários políticos e celebridades, incluindo George Clooney e Elton John, terem condenado a alteração legal e apelado a um boicote dos hotéis de luxo de que o sultanato é proprietário no mundo, e que incluem o Hotel Dorchester, em Londres, e o Bel-Air e Beverly Hills em Los Angeles.
O Brunei, cuja população não chegará a meio milhão de pessoas, com uma maioria (66%) de malaios, tem o islamismo de fação sunita como religião oficial. O wahabismo, a interpretação mais extremista do sunismo -- que é a que vigora na Arábia Saudita mas também a professada pela al Qaeda e pelo Daesh -- tem-se vindo a impor, distinguindo o país, também intitulado "Lugar da Paz", das vizinhas Malásia e Indonésia, também de maioria islâmica.
A homossexualidade há muito que é ilegal no Brunei, mas só desde 2013 está previsto ser punida com a morte. Os outros países que impõem a pena capital a esta orientação sexual são a Arábia Saudita, o Afeganistão, o Irão, a Mauritânia, o Iémen, o Sudão, a Nigéria, o Qatar e vários estados da Somália. De acordo com um relatório de 2017, eram 72 os países e territórios que ainda criminalizam as relações sexuais entre homens (serão 71 agora, já que a Índia descriminalizou em 2018), 45 dos quais fazendo o mesmo em relação a relações entre mulheres.
Michelle Bachelet frisou igualmente que as novas leis do Brunei encoraja, a discriminação com base no género, na orientação sexual e na filiação religiosa.