"Seria uma vitória ter oncologia pediátrica até aos 18 anos"

Setembro é o mês de sensibilização para o cancro pediátrico. Por isso, a Acreditar lança hoje um documento em que defende as questões mais importantes e que gostaria de ver resolvidas.
Publicado a
Atualizado a

Pediatria até aos 18 anos? Sim, está definido por lei. Em Portugal, pelo menos desde 2011, nos EUA há muito mais tempo. Mas mesmo assim em algumas unidades portuguesas a pediatria parou nos 16 anos, quer a nível de consultas, internamento e até de urgências. A área da oncologia não é exceção. Por isso, a Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro divulga hoje um documento em que alerta para esta questão e para muitas outras, como a existência de um registo oncológico pediátrico.

"Se alguém nos dissesse que tínhamos conseguido uma pequena vitória neste setembro dourado seria fantástico conseguirmos que crianças e jovens fossem todos tratados em pediatria, há muito tempo que o defendemos. Há estudos que demonstram que tornar esta medida uma realidade ultrapassa e muito o impacto dos tratamentos", explica Margarida Cruz, diretora-geral da Acreditar. Para especificar melhor, "não falo de tratamento médico, que esse é igual para todos, em pediatria ou não, mas falo do impacto psicológico e emocional que a medida pode trazer".

Isto porque nos serviços de pediatria as crianças e os jovens podem estar permanentemente acompanhados pelos pais ou por outros familiares, e isso "tem imensa repercussão nos resultados", refere Margarida Cruz. E sublinha: "O envolvimento de um serviço de pediatria é diferente do de um adulto. Ter um jovem de 17 anos num serviço com um idoso com determinado tipo de doença e já com determinadas características tem implicações psicológicas muito grandes, que depois podem repercutir-se no seu estado."

Aliás, alerta, "hoje a tendência, tanto nos EUA como no Canadá e já em alguns países da Europa, vai no sentido de se criar serviços para jovens adultos que recebem doentes até aos 25 anos, já que está demonstrada a necessidade de oferecer a estes jovens tratamento num ambiente específico e diferente do que teria num serviço de adultos. Está provado que essa especificidade em termos de ambiente tem impacto na recuperação destes doentes. Ora, se Portugal está ao nível dos melhores em termos de tratamento médico nesta área, não faz sentido que não siga esta tendência."

Margarida Cruz explicou ao DN que, de uma forma geral, "os centros de pediatria oncológica estão a tornar esta medida uma realidade, mas há unidades em que tal ainda não é possível, como no IPO de Lisboa. Há muito que defendemos esta situação, por parte do IPO de Lisboa disseram-nos que era uma questão logística, mas o serviço já levou obras e não faz sentido que continue a receber doentes só até aos 16 anos". No documento, a associação refere que uma grande ambição para este setembro dourado é que "a pediatria até aos 18 anos seja uma realidade em todos os centros hospitalares e que os sobreviventes vejam consagrado os direitos de serem seguidos de forma sistemática e de terem nas suas mãos a informação sobre a doença que lhes permita gerir a sua saúde onde quer que estejam".

Mas não só. No texto que hoje divulgam como alerta, a Acreditar sublinha o facto de a existência de um Registo Oncológico Pediátrico estar na lei há vários anos, mas ainda não é uma realidade. Ou seja, estima-se que em Portugal todos os anos sejam registados 400 novos casos de cancro pediátrico, mas ao certo não se sabe se é assim. "Os serviços hospitalares fazem os seus registos e cedem-nos, mas a nível nacional não há uma base de dados", sublinha.

A situação, que se mantém apesar de todos os envolvidos reconhecerem a necessidade e interesse nos registos, "é prejudicial para a comparação de dados, investigação, sensibilização e até para a tomada de decisões a nível da gestão e racionalização de meios", explicou ao DN. Mas o desejo da associação é que com que este registo a nível nacional fosse possível incluir informação mais detalhada que acompanhasse o processo de cada doente ao longo da vida.

Portugal continua também a não fazer parte de ensaios clínicos na área da oncologia pediátrica, isto apesar de ser consensual o interesse de participar nestes estudos, sobretudo nos cancros pediátricos que são raros. "A investigação em oncologia pediátrica não é muita, mas quanto mais pudéssemos participar nestes ensaios mais estaria a dar-se a oportunidade aos doentes de participarem no que está a ser feito de última linha a nível de tratamentos", salienta Margarida Cruz.

No documento, a Acreditar chama a atenção para as dificuldades que muitos pais enfrentam assim que se deparam com um diagnóstico de cancro nos filhos. Não são só as receitas que diminuem, mas as despesas que aumentam. Um estudo realizado no ano passado pela associação dava conta de que as famílias perdiam em média por ano cerca de 6500 euros. "É muito, e há que fazer alguma coisa", refere a diretora-geral, sublinhando que o documento foi levado à Assembleia República e entregue a todos os grupos parlamentares, mas até agora nada aconteceu.

A associação pediu uma audiência urgente ao ministro do Trabalho e da segurança Social em maio "para melhor se explicar o que se está a passar com alguns pais, com os cuidadores das crianças com cancro, e perceber o que é possível fazer e como para resolver as situações de carência económica e até de emprego, mas até agora não obtivemos qualquer resposta", disse ao DN. "Mas tenho esperança de que ainda iremos receber."

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt