Ocidente em guerra nas redes sociais contra Estado Islâmico
No primeiro número de 2016 da publicação Dabiq, o principal veículo de propaganda em inglês do Estado Islâmico (EI), podia ver-se um berço com alguns peluches e mantas coloridas com a legenda "Syed e sua mulher não hesitaram em cumprir o seu dever, apesar de terem uma filha para criar".
A criança ficou órfã após Syed Farook e Tashfeen Malik terem sido abatidos num tiroteio com a polícia depois de terem morto 14 pessoas, a 2 de dezembro de 2015, em San Bernardino, na Califórnia. A legenda procurava veicular a ideia, um tema forte na propaganda do EI, de que o grupo e seus elementos são capazes de uma violência para além de qualquer lógica. Ideia omnipresente nos diferentes plataformas que o grupo utiliza nas redes sociais, e através das quais os islamitas têm recrutado boa parte dos seguidores.
O EI demonstra uma particular sofisticação na linha estratégica que desenvolve no ciberespaço, utilizando-o em maior escala do que outros terroristas islamitas. O objetivo é o de levar os indivíduos radicalizados a viajarem para a Síria e Iraque ou, em alternativa, atuarem como "lobos solitários" nos países ocidentais. Exatamente como sucedeu com Syed e Tashfeen. Na Europa, os ataques de Paris e de Bruxelas, que fizeram ontem um mês, são exemplos eloquentes da eficácia da estratégia do EI em "propagandear a morte", como disse, a propósito do sucedido em San Bernardino, o diretor do FBI, James Comey.
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Para Jared Cohen, diretor do Google Ideas, o EI "é a primeira organização terrorista que soube ocupar ao mesmo tempo o espaço físico e o território digital". Para Cohen, "a guerra no terreno e na Internet devem ser vistas como um só e mesmo desafio", com as autoridades e as empresas a concertar uma estratégia comum.
Após um primeiro momento em que vários governos pediram a eliminação dos vídeos violentos e das contas nas redes sociais aos operadores destas plataformas, com estas a argumentarem com a liberdade de expressão e expressando ceticismo sobre a eficácia dessas medidas na luta contra o EI, empresas e autoridades começaram a agir em coordenação.
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Eliminação de posts
A Bloomberg revelava no início do ano que, desde 2015, os operadores das redes sociais estão a colaborar com os serviços de informações ocidentais, fornecendo dados sobre utilizadores suspeitos e têm eliminado milhões de posts. Só no passado ano foram eliminados 14 milhões de vídeos do YouTube e encerradas 125 mil contas ligadas ao EI no Twitter. Dados das autoridades britânicas, por seu lado, revelam que são eliminadas cerca de mil conteúdos por semana refletindo propaganda islamita. E a Europol tem em atividade uma equipa com o fim exclusivo de detetar e neutralizar contas nas redes sociais ligadas ao EI.
Mas esta vai ser uma longa batalha. Falando no Fórum de Davos, uma das principais responsáveis do Facebook, Sheryl Sandberg, disse que, em regra, por cada conta encerrada é aberta uma outra. Na síntese de uma outra interveniente em Davos, Joanna Shields, especialista em segurança online, o EI pode estar a perder terreno na Síria e Iraque, mas "ganha ainda uma segunda guerra, a do controlo sobre os corações e cabeças da próxima geração".
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E permanecem divergências sobre o melhor caminho a seguir. Para o analista da empresa de consultoria em segurança e estratégia Stratfor, Tristan Reed, "uma vitória no ciberespaço não é necessariamente tirar os islamitas do ciberespaço", pode e deve-se usar "as atividades online para a recolha de informação" e compreender o que está a suceder no terreno. A opinião do analista da Stratfor, Tristan Reed, prende-se com seguinte realidade: se é pela violência e pelas imagens brutais - muitas vezes retransmitidas pelos media ocidentais, amplificando o seu impacto - que o grupo islamita se tornou conhecido, estas não representam o essencial da sua produção mediática. Segundo um estudo da Fundação Quilliam citado pela revista Wired no seu número de abril, o EI divulga, em média, 38 elementos de propaganda por dia, onde se incluem vídeos, ensaios fotográficos, mensagens áudio e publicações, em cerca de 20 línguas, que vão do arábico ao russo, do inglês ao francês e a vários idiomas asiáticos. Tudo isto divulgado através das principais plataformas na Internet e também através de fóruns de acesso restrito e de aplicações como o Telegram, Surespot e JustPast.it.
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A maioria desta produção, segundo o texto da Wired, mostra trabalhos de construção, sucessos militares, preparação para o combate e cerimónias religiosas. Desta propaganda pode extrair-se dados importantes sobre as preocupações do EI e como se relaciona com as populações sob seu controlo, sustenta Tristan Reed.